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Barbudo, David Letterman curte a vida pós-aposentadoria quase como um desconhecido

 Por que David Letterman deixou a barba crescer? Para colocar mais precisamente: por que Letterman, após deixar o "Late Show" da "CBS" e uma carreira de 33 anos na televisão, praticamente desapareceu da vida pública, passando o último ano e meio cultivando um monte vasto e lanoso de pelo facial que, dependendo de sua disposição, faz o entertainer de 69 anos parecer um Papai Noel magro ou um fugitivo de um hospício?

Ele deixou a barba imponente crescer para afastar as pessoas enquanto curtia sua aposentadoria? Foi sua forma de dizer que não é mais o homem que passou 6.000 noites lendo 4.600 listas Top 10 e entrevistando 20 mil convidados, e gostaria que agora o deixássemos em paz?

Na verdade, Letterman explicou duas semanas atrás: "Apenas me cansei de me barbear todo dia, mas então virou outra coisa, mas ainda não sei ao certo".

Em seu modo seco de dizer do Meio-Oeste, com uma pitada de um elemento novo e diferente de anseio, ele disse: "A barba é um bom lembrete para mim de que aquela era uma vida diferente. Eu espero encontrar outra coisa ou que outra coisa se apresente para mim".

Ele acrescentou: "Minha família se cansou da barba. Meu filho acha ela arrepiante".

Em uma manhã de outubro, Letterman apresentou essas reflexões em um local mais de 100 andares acima da cidade, enquanto contemplava uma vista panorâmica da Baixa Manhattan no observatório do 1 World Trade Center. Era um local de onde podia fazer comentários humorísticos típicos sobre o reino agitado abaixo. ("Aquele ali daria um bom filme de Bruce Willis", ele disse, apontando uma torre de escritórios em Nova Jersey.)

Enquanto Letterman estava no ar, ele projetava uma mistura fascinante de ambição e insegurança, e a tensão entre esses dois impulsos deu origem a uma sensibilidade de humor cáustico, inteligente, que influenciou uma geração, de uma forma que nenhum atual apresentador de talk show de fim de noite consegue reproduzir. Ele pode não contar com uma mesa ou microfone no momento, mas ainda conta com a motivação e o sarcasmo (sem contar a ambivalência), apesar de não saber o que fazer com isso.

O observatório, que ele estava visitando pela primeira vez, era um local para ele refletir a respeito de o que mais poderia fazer com sua vida, agora que não tem a obrigação diária de se apresentar em um palco, contando piadas e conversando com gente famosa.

Ele pode apreciar atividades cotidianas que raramente realizou desde os anos 80, como fazer compras no CVS e Walgreens, ou tomar um trem no Grande Terminal Central. Ou pode tirar 11 dias, como fez neste ano, para viajar para a Índia e fazer uma reportagem sobre a mudança climática para o programa de início de temporada de "O Planeta em Perigo" , uma série de documentário que o canal National Geographic começará a exibir no Brasil em 27 de novembro, no horário das 23h45.

Mas ainda contando com anos de vitalidade, ele tem tentado, desde sua despedida do "Late Show" em maio de 2015, descobrir qual será seu próximo passo.

Parecendo uma pessoa comum de camiseta, calças largas e tênis, sem nenhum público para o qual se apresentar e sem uma banda da casa para pontuar suas falas, Letterman disse que há um caminho para o qual não voltará.

"Não sinto falta da televisão de fim de noite", ele disse. "Fico um pouco embaraçado por ter sido, por 33 anos, o foco da minha vida."

Apesar de todo o tempo que tentou suceder Johnny Carson no "The Tonight Show" da "NBC", e depois preso em combate com seu antigo amigo Jay Leno, foi Leno que ficou com a vaga, e depois o superou na audiência. Falando sobre sua própria experiência, Letterman disse: "Isso exigiu muita energia e provavelmente teria sido melhor empregá-la em outra coisa. Agora parece tipo, foi isso mesmo o que você fez?"

Ele acrescentou: "Eu sei que sucumbi à pressão da rivalidade que foi construída entre Jay e eu".

Pressionado a dizer mais, Letterman reconheceu que não foi um participante passivo nessa competição e que uma parte essencial dele a alimentou. "Acho que há algo errado comigo", ele disse, apenas parcialmente brincando. "Ou é uma falha de caráter ou uma desordem de personalidade. É uma coisa ou outra. Ainda não tive um retorno do laboratório."

Mais seriamente, ele acrescentou: "Talvez a vida seja a forma difícil, não sei. Quando o programa era ótimo, nunca foi tão divertido quanto a miséria de quando o programa era ruim. Essa é a natureza humana?"

Para ele, foi um golpe para uma constituição interna afinada no conflito e uma agenda diária implacável quando a vida de seu "Late Show" se foi. Letterman, que tem residências em Manhattan e no condado de Westchester, disse que houve um período logo após sua saída do programa que ele passou "sentado em casa pensando, ooh, não posso ficar sentado em casa, tenho que sair e fazer algo".

Então, aos poucos, Letterman se reaproximou do que poderia ser chamado de vida normal. Ele passou a visitar a loja Target no meio da tarde de um dia útil. Como explicou: "Sou o tipo de sujeito que emperra filas, porque sempre acha que tem o troco certo. 'Quanto custa isso? Acho que eu tenho os 87 cents'".

Ele também descobriu que quando baixou sua barreira protetora e passou a se engajar com outros civis, "as pessoas são mais simpáticas comigo do que quando eu estava na TV". Ele deu um risinho autodepreciativo e acrescentou: "Acho que sentem um pouco de pena de mim. 'Vamos ser simpáticos com o velhinho'".

Agora seu breve retorno à televisão, para um único episódio de uma série de documentário sobre o aquecimento global, é resultado de um processo que teve início enquanto ainda apresentava o "Late Show".

Os criadores de "O Planeta em Perigo", que usa correspondentes como Matt Damon e America Ferrera para explorar questões ambientais por todo o mundo, notaram que Letterman vinha recebendo convidados como James E. Hansen, o proeminente cientista climático. Quando os produtores perguntaram a Letterman se gostaria de participar da série, ele descobriram que ele estava ávido em se envolver e era passional sobre o assunto.

"Dave quis fazer sua lição de casa", disse Joel Bach, criador e produtor executivo da série. "A maioria das pessoas como Dave não se importaria em vir e se encontrar conosco, elas preferem ler um resumo. Ele queria saber para onde iria e o que faria. Ele tinha muitas perguntas e queria saber tudo."

Letterman, que tem um filho de 12 anos, Harry, com sua mulher, Regina, disse que passa muito tempo pensando em que tipo de planeta o filho deles herdará.

Apesar de ter tentado adotar medidas ambientalmente responsáveis como comprar carros elétricos e instalar painéis solares em sua fazenda de mais de 1.090 hectares nas Rochosas, em Montana, Letterman perguntou: "Isso contribui com algo? Isso é bom ou sou apenas um idiota em um carro elétrico?"

Mas ao emprestar sua celebridade e curiosidade a "O Planeta em Perigo", Letterman sentiu que poderia ajudar a educar os telespectadores sobre um assunto com consequências duradouras.

"Quando meu filho pergunta, 'Você sabia que isso está acontecendo?'" ele disse, "estou plenamente preparado para dizer, 'sim, e isto é o que estamos fazendo'".

No início do ano, Letterman e uma equipe de produção voou ao Aeroporto Internacional Indira Gandhi em Nova Déli ("Por dois anos consecutivos, o aeroporto Nº1 do mundo", ele disse). Ele visitou a cidade e o Estado de Uttar Pradesh para ver pessoalmente como a população cada vez maior da Índia está lidando com a escassez de energia, tentando reduzir sua dependência de carvão e levar eletricidade a regiões que ainda não têm.

Há muitos momentos de humor, como quando Letterman visitou um alfaiate para tirar medidas para uma kurta; ele também realizou uma entrevista séria com o primeiro-ministro Narendra Modi (que mesmo assim terminou, fora das câmeras, com Letterman cumprimentando Modi por sua barba).

O que chamou a atenção de Letterman em sua viagem, todos esses meses depois, é quão completamente diferente a Índia é de qualquer coisa que experimentou nos Estados Unidos, e o que considera como sendo uma natureza fundamentalmente esperançosa do povo indiano que encontrou.

"Você fala sobre a energia de Nova York, mas a Índia faz Nova York parecer sonolenta", ele disse. "O primeiro dia foi muito deprimente. Você sente o cheiro do que poderia ser móveis queimando e isso nunca passa."

"Mas então", ele acrescentou, "um dia é estimulante. O que nunca parece ser abalado é o otimismo deles. O fato de haver 1,2 bilhão de pessoas é, para eles, um ativo, enquanto pensaríamos, oh meu Deus, o que vamos fazer?"

Agora que Letterman provou fazer televisão que visa educar um público em massa sobre assuntos sérios, ele disse que seria algo que gostaria de fazer mais, apesar de não saber ao certo que formato teria.

"Eu fico me dizendo, nossa, acho que ainda posso fazer algo", ele disse. "Quero aquela epifania que outros tiveram. É a mesma epifania que tive sobre querer fazer um programa de televisão quanto tinha, tipo, 17 anos. Eu sabia exatamente o que queria fazer e invejo as pessoas que, em atividades humanitárias, tiveram essa realização."

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