Música carnática, tradição clássica musical do sul do subcontinente indiano, incluindo o Sri Lanka. Esta área corresponde aproximadamente a quatro dos estados indianos modernos: Tamil Nadu, Andhra Pradesh, Karnataka, e Kerala, onde o grupo lingüístico dravídico é falado (ver Línguas indianas). Até o século XVI, a música indiana não estava ainda dividida em carnática e hindustani (do norte da Índia). As razões dessa separação parecem relacionar-se com o crescimento da influência árabe e persa na região norte, com as bases do poder muçulmano estabelecidas após o século XIII, enquanto o sul permanecia livre dessas sublevações, continuando a desenvolver as tradições hinduístas. Seria simplista, entretanto, afirmar que por isso a música carnática moderna é mais antiga que sua correspondente hindustani, quando, com efeito, há mais aspectos unindo as duas tradições que separando-as.
A música carnática transformou-se e desenvolveu-se de maneira singular. Provavelmente originária da região de Karnataka (de onde provém a denominação “carnática”) nos séculos XVI e XVII, floresceu na corte de Vijayanagar, no Decão. Após a sua destruição em 1565, seu foco mudou para a região de Tanjore, no estado moderno de Tamil Nadu, onde, nos séculos XVIII e XIX, foi criada a maioria das peças do repertório atual. Nas apresentações de música carnática são quase sempre interpretadas peças de compositores conhecidos. Isto pode parecer relacionar-se, mesmo que superficialmente, mais à música européia que à hindustani, mas as duas tradições da música indiana dão grande liberdade de improvisação ao intérprete, e nenhuma delas recorre à anotações, tanto no ensino como na execução das peças. Há vários compositores carnáticos famosos, mas, na opinião geral, destaca-se a chamada “trindade” formada por Tyagaraja, Dikshitar, e Shyama Shastri, todos da região Tanjore.
A base melódica da música clássica indiana é o raga. O tratado em sânscrito Swaramelakalanidhi, escrito por Ramamatya (1550), define a separação entre a música carnática e a hindustani, e propõe uma classificação dos ragas carnáticos de acordo com a mela ou escala. Este conceito foi desenvolvido posteriormente por Venkatamakhin em Caturdandiprakasika (1620), como um sistema moderno de 72 melas. Por conseguinte, existe uma enorme variedade de ragas carnáticos, e muitos diferentes podem ser apresentados em um único recital. O raga é explorado em um alapana — espécie de introdução muito improvisada — que pode não durar muito tempo, sendo às vezes omitido. Uma característica dos recitais de música carnática é que quase todas as notas são sustentadas com algum tipo de gamaka, ou adorno, e os tempos extremos são geralmente evitados. Ao invés de desenvolver um raga e um tala ou ciclo temporal por uma hora ou mais, como acontece com freqüência na música hindustani, o intérprete carnático apresenta várias peças curtas, estendendo talvez um ou dois, dentre vários ragas e talas.
Existe também uma grande variedade de tipos de canção, que são usados nas atuações instrumentais. Muitos, como por exemplo o pada, são associados com a dança (ver Danças clássicas da Índia). Hoje, o mais comum é provavelmente o kriti, que alcançou seu auge na idade de ouro da “trindade” de compositores carnáticos. Abrange três seções, e a letra normalmente reverencia uma divindade hindu (ver Hinduísmo). Um tipo de composição de escala maior, permitindo bastante liberdade para a improvisação, é chamado de ragam-tanam-pallavi. Ele é baseado na exposição do raga com ritmo livre; depois com uma pulsação melódica; e, finalmente, num movimento equivalente à primeira seção de um kriti, transforma-se em um tala e é usado como refrão melódico e como base das variações melódicas e rítmicas.
Com seu sistema de talas e sua complexidade rítmica, a música carnática é provavelmente inigualável. O conjunto principal consiste de 35 talas, que são essencialmente sete arranjos principais com cinco variações possíveis da subseção chamada laghu. O tala mais comum deste grupo, e na música carnática como um todo, é o adi-tala, de oito compassos. Outros talas executados freqüentemente possuem cinco, seis e sete compassos. Em qualquer recital de música carnática, é costumeiro os músicos e ouvintes mais experientes marcarem as subdivisões dos talas com palmas (tala significa, precisamente, “palma da mão”). Um tambor, normalmente o mridangam, em forma de barril e tocado com as mãos, mantém o tala, além de proporcionar variações rítmicas extraordinárias dentro deste padrão. É comum também haver instrumentos de percussão adicionais, proporcionando variação e animação à música. Entre eles, há o kanjira, um tipo de tamborim; o ghatam, um simples vaso de barro; e até o mursing, um tipo de berimbau.
O instrumento melódico principal é o vina, um instrumento de cordas tubular, com duas cabaças servindo de caixas de ressonância, pinçado com plectros. Na maioria das apresentações, o violino europeu, adotado pela música carnática no século XVIII, é tocado como acompanhamento do instrumento principal ou do cantor, ou por si só. O instrumento não foi modificado, mas a afinação e a maneira de segurá-lo são indianas, tornando-o completamente adaptado às necessidades da música carnática. O tambura, um instrumento de cordas de haste longa, é o instrumento tradicional de bordão, embora sua função seja muitas vezes executada por um pequeno instrumento com palhetas livres, chamado de sruti-petti, uma espécie de gaita com um teclado, existindo também na versão elétrica. Os instrumentos de sopro estão tornando-se mais e mais populares nas execuções de música carnática. Uma pequena flauta de bambu, o kural ou venu, é muito usada, e o grande nagaswaram, de palhetas duplas, foi introduzido na música clássica, assim como o foi o saxofone, com sucesso considerável. É importante lembrar que a música carnática outorga a primazia à música vocal, e as atuações instrumentais podem ser descritas como cantos sem palavras.
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