termo traduzido do
latim bellu(m) (“bonito”, “encantador”, “agradável”, etc) e não de
pulcher ou de formosus. O fato de o próprio Hesíodo ter
qualificado Pandora de kalon kakon (belo mal) acentua a extrema
versatilidade dessa noção. Normativo ou categórico, aplicável tanto aos objetos
naturais quanto aos produtos artificiais, a filosofia só pôde empregar esse
conceito ao custo de sua redução estética (sensível), ética (bem) e alética
(verdadeiro).
Do ponto de vista estético, o belo se refere, de preferência, às artes
plásticas (arquitetura, pintura e escultura), isto é, ao sentido da visão
(admitindo-se que a visão é um contato a distância e o tato, uma percepção sem
distância). Essa determinação ótica, à qual está ligada a noção de prazer,
remonta, pelo menos, a Platão, como o atesta o Hippias majeur (Do belo),
sem dúvida, o primeiro tratado de estética conhecido. Indo de encontro à língua
grega que não hesita em identificar o belo com o bem (kalonkagathon),
Platão subsume — principalmente em O banquete — o primeiro ao segundo
termo, embora admitindo que as belezas corporais são suscetíveis,
sucessivamente, e em ordem crescente de generalidade, de inspirar belas
ocupações (cidadão), belas leis (política), belas ciências (discursos); a menos
que esse belo sensível não desperte, nesse mundo, a lembrança da beleza
essencial que nos foi dada a contemplar, quando ainda fazíamos parte do cortejo
das almas aladas, arrastadas no ciclo da alma universal, como sugere, mais
tarde, o mito do Filebo.
Seja como for, esse belo ainda não é o belo da ciência, em especial;
apenas ela permitiria contemplar o belo em si, despojado "de carnes e cores
humanas", uma vez que é não engendrado, supra-sensível e atemporal. Em
Filebo, particularmente, o belo é identificado à proporção, que é o grau
intermediário entre a medida (ou a moderação) e a sabedoria, pois, em relação às
belezas empíricas ― sejam elas exemplares, fruto de uma reunião fortuita e,
portanto, perecível, ― o verdadeiro belo é regulado pelas proporções que
constituem a boa “mistura” (essência). Por isso, ele é apenas uma modalidade do
bem absoluto, cuja beleza não depende nem dos sentidos nem da inteligibilidade
sofística. O esplendor do verdadeiro belo se situa para além do prazer e da dor,
uma vez que ele é unilateralmente intrínseco à sua Idéia.
Ainda que Platão tenha tido pouca estima pelos artistas e, por
conseguinte, pelas suas produções materiais, o belo vai perseguir uma carreira
teórica, indo ora bem ora mal, graças, principalmente, a Cícero, que opera uma
verdadeira “reviravolta das concepções platônicas” (Panofsky). A consideração
crescente de que gozam os artistas nas épocas helenística e depois romana,
autorizando a promoção da pintura à categoria de arte liberal, contribui, da
mesma forma, para a autonomia da arte, que não é mais reduzida ao simples jogo
das aparências ou da “idolatria”. Atestam-no as Enéadas de Plotino, que,
distinguindo concepção e realização, reconhece uma realidade na arte, à medida
que o artista submete a matéria à forma (ou ao espírito). Nesse sentido, o
artista não imita um objeto qualquer ao produzir sua aparência extrínseca, mas
identifica-se com a força universal do Uno — aquela que está em todas as coisas
sem ser nenhuma delas — reproduzindo-a intrinsecamente em uma obra que a deixa
apenas entrever; em outras palavras, o Uno só pode ser visto em transparência ou
velado, pois a obra produzida pela mão humana não é senão a expressão exterior —
logo, inferior — de uma realidade interior superior.
De Platão até o século XVIII, o belo foi o
conceito mais importante da estética. Ora, se “não pode haver nenhuma regra
objetiva do gosto que determinaria, por meio de conceitos, o que é belo”,
compreende-se que, de ciência do belo que era, a estética tenha se tornado e
permanecido, desde Kant, uma teoria da “experiência” estética. O conceito
caiu em desuso, pois “a beleza, fora da relação com o sentimento do sujeito, não
é nada mais por si mesma”. Para o filósofo crítico, a primeira faculdade exigida
para todo e qualquer conhecimento é a sensibilidade; ora, há duas formas de
conhecimentos possíveis, as quais dependem de dois tipos de juízos: o juízo
lógico ou “determinante” (cujo “fim” é o conhecimento objetivo) e o juízo
estético ou “reflexivo”, do qual procede, precisamente, o juízo de gosto; o
primeiro refere-se aos objetos por conceitos; o segundo, privado de conceito,
“não designa outra coisa no objeto” senão, uma finalidade sem fim, isto é, a
simples “possibilidade” ou representação de um objeto em geral; esta deve
satisfazer três condições para ensejar um juízo de gosto: ser desprovida de
qualquer “interesse” (de toda função ou resultado teórico ou prático), não
depender de nenhum “conceito” (do belo, entre outros) e não visar a nenhum “fim”
(normativo ou ideal). É por isso que uma simples flor (natural) corresponde mais
ao juízo estético do que uma obra (artística), pois, nessa última, a estética,
como Idéia, condiciona a obra e induz um prazer intelectual, ao passo que, no
primeiro caso, é o inverso: o prazer é a ocasião da Idéia, como sentimento
desinteressado, isto é, “livre jogo das faculdades representativas”. Nesse
sentido, a preponderância do sujeito sobre o objeto (do belo) e do sentimento
(estético) sobre o artístico está afirmada; nesse sentido, as obras dos grandes
artistas não anulam essa regra, pois os “gênios” são identificados por Kant à
espontaneidade da natureza: de qualidade antes aplicada aos objetos, o belo
passa a ser a partir daí apenas um atributo do sujeito reflexivo.
Se “a arte permanece para nós, quanto à sua suprema destinação, uma
coisa do passado” segundo Hegel; se, para Nietzsche, “o homem não é mais
artista, mas é, ele próprio, obra de arte” e, enfim, “se a arte ainda existe, ou
se não existe mais”, continua sendo uma questão aberta para e por Heidegger.
Então, é o próprio sentido do belo, de acordo com a inteligibilidade, que
constitui hoje o problema.
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