1 | INTRODUÇÃO |
Suicídio, ato intencional de encerrar a
própria vida. O termo “gestos suicidas” é usado para descrever os comportamentos
pelos quais os indivíduos agridem a si mesmos, freqüentemente com alguma
gravidade, mas não necessariamente com a intenção de se matar. Em geral, os
suicidas não conseguem tirar a vida na primeira tentativa e não é raro que
algumas pessoas que cometem agressão contra si mesmas, com a finalidade de
chamar atenção, acabem se matando sem querer. Todas as tentativas de suicídio e
auto-agressão devem ser levadas a sério. É importante também procurar ajuda
profissional para as pessoas que têm freqüentes fantasias suicidas.
2 | DETERMINANTES HISTÓRICOS E CULTURAIS |
Ocorreram suicídios em todos os períodos da história. Houve uma época
em que se acreditou que esta era uma doença moderna, desconhecida nas culturas
primitivas, generalização que jamais foi provada. Em algumas civilizações
antigas, as taxas de suicídio eram relativamente altas, mas em outras
desconhecia-se tal possibilidade. O diálogo de um homem com sua alma é um
texto da literatura egípcia, aproximadamente do século XX a.C., escrito em um
sarcófago, em que é debatida a possibilidade do suicídio.
Em geral, o suicídio não era condenado na antiga cultura grega. Platão
foi uma exceção e reprovou o ato. Algumas escolas da filosofia grega, como os
estóicos (ver Estoicismo) e os cínicos, estimulavam o suicídio em certas
situações. Na Roma Antiga, o suicídio era uma prática relativamente comum,
particularmente entre os escravos gregos e durante o período imperial
(ver Império de Roma). A religião judaica, com sua ênfase na essência
sagrada da vida humana, era contrária ao suicídio (ver Judaísmo). Há, no
entanto, diversos episódios de suicídio na história judaica, entre os quais o
mais famoso foi o suicídio coletivo de Massada, em 73 d.C., quando 960 judeus
preferiram a morte a serem escravizados pelos romanos. A lei talmúdica
(ver Talmude) proíbe a celebração de homenagens fúnebres às vítimas de
suicídio, mas conforta os membros da família. Provavelmente, o suicídio era
relativamente comum no início do cristianismo, durante o período do império
romano. O primeiro cristão a condenar o suicídio foi Santo Agostinho, no livro
Cidade de Deus. No século XIII, Tomás de Aquino condenou o suicídio com
base em três postulados: era uma violação contra a autopreservação do indivíduo,
contra a comunidade e contra os desígnios de Deus.
Certas culturas asiáticas tinham uma atitude complacente em relação ao
suicídio. Em partes da Índia e da China, por exemplo, era comum uma viúva se
matar depois de perder o marido. Também aceitava-se o suicídio quando um soldado
era feito prisioneiro, em gesto de lealdade a um chefe morto ou, no caso de
pessoas mais velhas, pelo desejo de não se tornar um estorvo para a família. No
Japão, os guerreiros e os nobres utilizavam o suicídio como uma alternativa para
se punirem depois de um crime e para evitar que a vergonha caísse sobre eles ou
suas famílias. Um exemplo é o suicídio ritual ou haraquiri do escritor Yukio
Mishima, insatisfeito pelo abandono dos valores da sociedade tradicional
japonesa. Por outro lado, as sociedades muçulmanas (ver Islã) apresentam
taxas de suicídio historicamente baixas. O Alcorão faz explícitas restrições ao
ato e as taxas de suicídio continuam baixas entre os muçulmanos ainda hoje.
Entre os deuses próprios da religião e da mitologia maia, existe Ixtab, a deusa
dos suicídios.
Variam as leis sobre o suicídio. A Inglaterra proíbe o suicídio e pune
com rigor as pessoas que tentam cometê-lo. Na maioria das culturas
contemporâneas, o ato suicida é desestimulado por proibições legais ou por tabus
religiosos. Na maior parte dos Estados Unidos, por exemplo, existem leis que
proíbem ajuda a quem quer se suicidar. O ”suicídio” assistido por médicos — ou
seja, o uso de drogas letais de efeito rápido que tem como finalidade
interromper o sofrimento de uma pessoa com doença terminal — é legal em países
como, por exemplo, a Holanda. Também chamado de eutanásia, esta opção pela morte
tornou-se tema de debates devido aos avanços na medicina que podem aumentar a
esperança e melhorar o padrão de vida de pessoas cujo quadro clínico seja
desesperador. Um dos fundamentos da eutanásia é que o paciente tem direito de
decidir sobre sua vida, sobretudo quando sua situação é irreversível.
Os sociólogos (ver Sociologia) tentaram explicar o suicídio a
partir de fatores sociais e culturais. Émile Durkheim, por exemplo, viu o
suicídio no contexto da degeneração dos vínculos sociais e no aumento do
isolamento dos indivíduos. Outros sociólogos atribuíram o suicídio à
urbanização, à desintegração da família nuclear e à tendência à secularização da
sociedade.
3 | CONSEQÜÊNCIAS |
Invariavelmente, o suicídio de uma pessoa amada deixa os amigos e
parentes devastados. Além da família, a vizinhança, a escola e o grupo
profissional, todos sentem o impacto de um suicídio. Um suicídio pode destruir
uma família e privar a sociedade de anos da capacidade produtiva e reprodutiva
de um indivíduo. Em muitos casos, os suicídios podem ser impedidos. Uma
compreensão mais abrangente dos fatores que levam alguém a este ato, e da doença
psicológica relacionada a ele, podem ser importantes para impedir sua
consumação. Além disto, o fácil acesso ao tratamento de doenças mentais e a
melhoria nos serviços sociais para romper o isolamento de indivíduos vulneráveis
são de fundamental importância para a prevenção do suicídio.
4 | FATORES DE RISCO |
Alguns estudos detectaram que certos grupos apresentam taxas de
suicídio mais altas. A taxa entre os homens é três vezes maior do que entre as
mulheres, embora entre elas o número de tentativas seja superior.
Historicamente, as taxas são mais altas entre os idosos, embora no final do
século XX tenha havido um significativo crescimento nas taxas de suicídio na
faixa etária de 15 a 24 anos. O desemprego e a marginalidade aumentam o risco.
Toda estatística feita a partir das amostragens de um grupo humano determinado
(sexo, idade, condições de trabalho etc.), entretanto, deve ser conferida com
aspectos tão complexos como a situação histórica e econômica do momento
escolhido, os graus de avanço nos costumes e nas liberdades individuais, as
possibilidades de acesso dos indivíduos as terapias psicanalíticas e não só
psiquiátricas. Qualquer generalização é excessiva e pode cair no seu contrário,
a parcialidade.
1 | Fatores cognitivos e psicológicos |
Entre os fatores psicológicos (ver Psicologia) que aumentam a
possibilidade de suicídio, estão o desespero, a aparente impossibilidade de
encontrar alternativas para a situação presente, excesso de ansiedade e uma
idéia de que a morte pode ser uma saída para intensas dores emocionais.
Autodesprezo, culpa e a perda no prazer de viver podem reforçar inclinações
suicidas. A obsessão com a morte é um fator de risco. A existência de um plano
suicida e os meios para colocá-lo em prática devem ser vistos com seriedade. Uma
história pessoal marcada pela violência, a exclusão, tentativas de suicídio
frustradas e homicídios aumentam o risco de um indivíduo se suicidar.
2 | Fatores sociais |
A ausência de apoio social é um importante fator de risco, já que os
vínculos com a família e as instituições sociais podem diminuir a probabilidade
de que alguém com tendências suicidas siga seus impulsos. Pessoas responsáveis
pelo cuidado de pessoas jovens reduziram as taxas de suicídio.
3 | Fatores econômicos e culturais |
Os períodos de instabilidade econômica — como a Grande Depressão
(ver Crise de 1929) — podem ser marcados por taxas de suicídio mais
altas. Na chamada “década infame” (década de 1930) da história argentina, subiu
a porcentagem de suicídios: foi o caso dos escritores Leopoldo Lugones e
Alfonsina Storni, entre outros menos conhecidos ou anônimos. A sensibilidade
extrema de muitos escritores tem conduzido em muitas ocasiões ao suicídio:
Florbela Espanca e Alejandra Pizarnik, por exemplo. No século XIX, o suicídio
costumava ser o desfecho da vida atormentada de muitos escritores românticos. As
motivações políticas seriam a manifestação exterior dos suicídios de Joaquim
Mouzinho de Albuquerque ou de Getúlio Vargas.
4 | Fatores psiquiátricos e médicos |
Geralmente, o suicídio ocorre no contexto de uma doença psiquiátrica.
A doença mental mais comum associada ao suicídio é a depressão. Os pacientes com
psicose maníaco-depressiva — doença caracterizada por súbitas alternâncias do
humor —, com quadros de ansiedade (incluindo a síndrome do pânico e o estresse
pós-traumático) e esquizofrenia também apresentam altas taxas de suicídio. A
dependência química — consumo compulsivo de álcool ou drogas — também está
relacionada a um grande risco de suicídio.
Alguns quadros médicos — especialmente câncer, Aids, doenças
endocrinológicas, apoplexias e doenças neurológicas degenerativas — podem
colocar um ser humano em grande risco de suicídio. Deve-se levar em
consideração, no entanto, que a maioria das pessoas com graves problemas
clínicos não se tornam suicidas, mas se alguma delas tem a fantasia da
autodestruição, seu comportamento deve ser avaliado por um psiquiatra. Deve-se
observar, no entanto, que, a despeito do amplo conhecimento sobre os grupos de
pessoas que apresentam altas taxas de suicídio, não é possível prever com
precisão quem tentará ou consumará o ato. Os esforços de se prever padrões de
suicídio usando modelos baseados nos fatores de risco conhecidos não foram
bem-sucedidos.
5 | TRATAMENTO |
Uma pessoa que fale em suicídio ou tente consumá-lo deve ser levada a
sério. É necessária uma avaliação médica imediata. A avaliação da tendência de
uma pessoa para o suicídio inclui a determinação de doenças psiquiátricas e
médicas, a presença ou ausência de serviços sociais, perdas recentes, história
pessoal de tentativas de suicídio ou atos de violência, história familiar,
existência de um plano de suicídio e disponibilidade de meios para consumar o
ato, e a possível influência de substâncias tóxicas.
O tratamento de pessoas suicidas é dividido em duas etapas. O primeiro
passo é garantir a segurança da pessoa. Em muitos casos, há a necessidade de
hospitalização, algumas vezes com acompanhamento 24 horas por dia. Deve-se
eliminar o acesso a meios de autodestruição, escondendo armas, medicamentos e
outras drogas existentes na casa. As pessoas suicidas devem ser mantidas em
ambiente livre de riscos. Se o paciente não for hospitalizado, a presença de um
membro da família ou amigo responsável pode ser suficiente, desde que o
tratamento se inicie imediatamente.
O próximo estágio de intervenção é tratar qualquer doença subjacente.
Pessoas com quadro de depressão e psicose maníaco-depressiva são geralmente
tratadas com uma combinação de medicações e psicoterapia. Quadros de ansiedade
podem responder a medicamentos, psicoterapia ou ambos. Dependentes químicos são
aconselhados a se manter sóbrios, já que a intoxicação aumenta o risco de
auto-agressões. Os grupos de mútua ajuda, terapias individuais e em grupo e
medicamentos são indicados. Qualquer pessoa pensando em suicídio deve ser
avaliada por um médico e um aumento no apoio social é de grande valia.
Depois da avaliação e do início do tratamento, o possível suicida
poderá aproveitar-se dos tratamentos para doenças psiquiátricas. O uso
ininterrupto de medicamentos é necessário e, geralmente, pacientes se
beneficiarão na psicoterapia, que os ajudará a entender as origens de seus
impulsos autodestrutivos, além de desenvolver meios mais eficazes de resolver
problemas e se relacionar com outras pessoas. Tratamentos em grupo e envolvendo
a família são usados com freqüência nesse tipo de paciente.
6 | PREVENÇÃO |
Embora as doenças psiquiátricas sejam conhecidas há décadas e seja
cada vez maior o leque de tratamentos, as taxas de suicídio continuam a crescer.
Em última instância, a prevenção do suicídio envolve intervenções em muitos
níveis da sociedade. Já existem muitos programas de grande eficácia, como linhas
telefônicas com conselheiros treinados para falar com pessoas em crise e
programas que educam a comunidade sobre doenças mentais, ensinando a sociedade a
reconhecer aqueles propensos à depressão e a outras desordens mentais. A
conscientização das pessoas sobre o suicídio é de fundamental importância para
que se possa identificar os grupos de risco.
A maioria das comunidades oferece alguns serviços para as doenças
mentais, mas a disponibilidade de tratamento varia de modo significativo. Pode
haver longos períodos de espera entre as consultas e freqüentemente a
continuidade do tratamento é interrompida. As pessoas que sofrem de doença
mental freqüentemente não percebem que podem se beneficiar de auxílio médico.
Além disso, relutam em pedir ajuda e têm dificuldade de se ver no meio de uma
rede de serviços comunitários. É fundamental que os recursos e serviços sejam
acessíveis de modo que uma pessoa em crise possa ser imediatamente examinada por
um profissional e um tratamento apropriado possa ser iniciado.
É importante também falar sobre o suicídio sem preconceitos. Manter o
tabu não afasta sua possibilidade. Lygia Bojunga Nunes, autora de livros para
crianças e jovens, escreveu sobre o tema no livro 7 cartas e 2 sonhos, em
1983.
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