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ZIEMBINSKI: Entrevista (26/11/1975), durante os preparativos para a segunda montagem da peça Vestido de Noiva

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Veja — Encenar "Vestido de Noiva" agora, 32 anos depois do sucesso de sua estréia, não seria um pouco como se Orson
Welles pretendesse filmar uma nova vesão de "O Cidadão Kane"?

ZIEMBINSKI — Não. Em 1943, "Vestido de Noiva" não foi apenas uma peça que obteve maior repercussão. Ela representou
uma mudança visceral na dramaturgia brasileira. Foi um espetáculo muito adiantado, tanto no setor do texto quanto no aspecto
formal. A montagem mexeu com o teatro, mas, principalmente, mexeu com os teatrólogos de então, que, com raríssimas
exceções, limitavam-se a criar as peças comerciais. Sendo assim, à medida que o tempo ia passando, "Vestido de Noiva"
adquiria mais importância. Sentimos agora a necessidade de mostrar esse marco de nosso teatro a uma geração que ouve
falar dela, responsabiliza o espetáculo por uma porção de coisas que vieram depois, mas nunca o assistiu. A idéia foi fazer o
mesmo espetáculo, inclusive com os cenários originais de Santa Rosa. Naturalmente, recorremos a novos recursos. Na
ocasião, dispúnhamos quase só de amadores. Agora temos um elenco profissional e outras concepções de luz e palco.

Veja — Foi difícil reconstruir os cenários de Santa Rosa?

ZIEMBINSKI — Tínhamos um vastíssimo material fotográfico em preto e branco. Só faltavam as cores. Mas o espetáculo ficara
inteiramente gravado em minha memória. Só precisei recorrer às fotos quanto a um ou outro detalhe.

Veja — Será que a peça conserva o mesmo impacto?

ZIEMBINSKI — Acho que seu vigor, hoje em dia, se não for maior, é pelo menos igual ao de sua estréia em novembro de
1943. Interessa-me saber até que ponto esta nossa versão do "Vestido" pode beneficiar a nós e ao teatro brasileiro. Não se
trata de uma simples remontagem, que vise ao sucesso financeiro. Para mim, significa a recolocação de um espetáculo que
vigora há 32 anos e continuará vivo no futuro.

Veja — Como vê o teatro brasileiro de hoje?

ZIEMBINSKI — O teatro brasileiro percorreu, num prazo de tempo excepcionalmente curto, um caminho que os outros teatros
do mundo percorreram muito mais lentamente. Nasceu, cresceu e fez todas essas tentativas que conhecemos em pouco mais
de trinta anos. Esse desenvolvimento precoce, essa maturidade sem infância, o tornaram forçosamente mais vulnerável ao
desnorteamento e a inúmeras tentativas infelizes, ou simplesmente descabidas. Mas devemos nos dar conta do que está
acontecendo no teatro do mundo inteiro. Trata-se de uma época de desorientação. Em países onde o teatro tem mais vida,
mais infância, mais tradição (no bom sentido da palavra), criou-se uma certa resistência às inovações. Nosso teatro, sendo
jovem, tem o fervor e a impaciência dos recém-batizados e por isso se embrenha em aventuras que podem não trazer, afinal,
nada de positivo. Mas muitas vezes acerta, de maneira puramente casual, quando parte para a sinceridade.

Veja — A sinceridade, então, seria o essencial?

ZIEMBINSKI — Sim. O que prejudica muito o sucesso dessas tentativas é a situação econômica de nosso teatro e a
colocação específica do público.

Veja — Em que sentido?

ZIEMBINSKI — A situação econômica do teatro, no Brasil, é extremamente precária, embora a época atual pareça mais feliz.
Essa instabilidade não permite ao autor nem ao produtor partirem para um espetáculo pelo seu eventual interesse, mas sim
pelo dinheiro que possa render. O público brasileiro não tem o hábito do teatro. Vai a um espetáculo atraído pelo nome de
algum artista ou por determinado tema. Agora é o erotismo. Mas não há um interesse pelo teatro. Este, muitas vezes, se
transforma então em um espetáculo de duas ou três pessoas unidas por conveniências comerciais. Muitos, ao saberem que eu
estava montando "Vestido de Noiva", indagaram: "Mas como é que você está fazendo uma peça com trinta personagens?"
Essa pergunta não deveria existir. Qualquer peça de importância — e estou falando no panorama dos séculos — tem muitas
personagens e cenários. Mas tais peças hoje vivem amaldiçoadas, são desprezadas sem que se pergunte o que podem
significar.

Veja — Mas a época atual, segundo o senhor, não apresenta maior estabilidade?

ZIEMBINSKI — É verdade, embora eu não saiba por quê. Curiosamente, ninguém jamais consegue explicar por que as coisas
acontecem no teatro. Mas tem havido uma afluência de público bastante auspiciosa. Sem dúvida, o sexo vem a ser um grande
elemento de atração. Outra causa seria o fato de o teatro permitir uma maior liberdade de linguagem e um tratamento de
problemas pessoais nos quais o público se reconhece. Além disso, ... não sei ... parece-me que é uma conseqüência da
superpotência da televisão. No primeiro momento ela atraiu terrivelmente o público e continua a ter uma audiência estável. Mas
há uma parte desses espectadores que voltaram a se interessar pelo teatro, porque ele, hipoteticamente, mostra-se mais livre
e procura uma profundidade maior.

Veja — O senhor considera, então, que a televisão teve um papel positivo no desenvolvimento do teatro?

ZIEMBINSKI — Sem dúvida. Costuma-se dizer, levianamente, que a televisão tirou o público do teatro. O que se esquece é
que, no começo, ninguém levava televisão a sério. Só se começou a prestar atenção nela quando ficou claro que é um
importantíssimo veículo de comunicação do século XX. Também se disse que a TV matou o cinema. Talvez a mais justa
dessas acusações é a que relaciona a televisão com o cinema. Foi o cinema que levou a paulada. Primeiro, porque a televisão
atinge uma platéia maior. Segundo, porque oferece uma imagem parecida com a do cinema. Nos grandes centros, o confronto
tornou-se violento. O próprio cinema refugiou-se abertamente na televisão. Mas o teatro, como disse não me lembro mais
quem, está em crise há 5.000 anos. É uma crise muito sadia. Ela acompanha qualquer movimento da humanidade. A televisão
não só não prejudica o teatro como ajuda a divulgá-lo. Ela trouxe a consciência do espetáculo teatral a pessoas que não
tinham a menor idéia do que ele significa. Isso criou nelas uma grande curiosidade pelo palco. Quem sabe se, futuramente, ela
não se tornará responsável por uma nova época áurea do teatro?

Veja — Como se sente o senhor trabalhando na televisão?

ZIEMBINSKI — Olha: eu gosto muito. Desde o início da televisão, me liguei muito a ela. Não vou dizer que fui pioneiro, mas
sempre tentei fazer coisas novas, ainda no tempo que a TV era uma cinderela, um veículo meio desacreditado, com milhares
de defeitos técnicos, que servia de "bico" para os artistas. Sou um profissional e sinto-me bem em tudo que estiver ligado à
minha profissão. Não tenho dessa profissão um conceito romântico. Às vezes me perguntam qual o papel que eu mais
desejaria representar. Isso nunca me passou pela cabeça. Gosto de fazer qualquer papel. Por isso me considero um artesão.
Quando parti para a TV, embarquei com a maior boa fé e disposição. Não é verdade que um bom ator de teatro não pode ser
um bom ator de cinema ou que um bom ator de televisão não pode ser bom ator de teatro. É tudo lenda. Existem dois tipos de
intérpretes: o bom e o ruim. O bom se adapta a qualquer veículo, todas as portas se abrem ao seu talento. A televisão me
apresenta, como intérprete, duas grandes possibilidades. A primeira é que estou diante de uma audiência monstruosa, a mais
heterogênea possível, a mais subdividida culturalmente. Essa platéia me absorve e julga meu trabalho de mil formas diferentes.
Embora eu não possa ser de mil maneiras diferentes, posso ter uma atuação que satisfaça a todos ou que, pelo menos, não os
decepcione.

Veja — Como é representar na TV?

ZIEMBINSKI — Ela me oferece o flagrante da autenticidade, aquele velho sonho do ator de se queimar na emoção criadora da
hora de interpretar. No teatro, paradoxalmente, essa chama autêntica do ator acaba muito prejudicada. No decorrer da peça,
surge um aperfeiçoamento técnico mas vem também um desgaste circunstancial. A televisão me propõe a delícia íntima de
pesquisar intensamente durante as horas que antecedem a gravação para queimar esse precioso material em alguns minutos.
Por isso eu digo aos jovens: não tentem a televisão, que vocês não vão agüentar a barra. É preciso ter muito preparo.

Veja — Mas há muitos artistas que surgem na televisão e fazem sucesso sem ter experiência de teatro.

ZIEMBINSKI — Não é verdade. Quase sempre saem do teatro. Há o que o cinema alemão, no tempo da "UFA", chamava de
Naturmensch (homem da natureza), que filmava sem ter consciência do que estava interpretando, como as crianças: são os
intérpretes ideais, justamente porque lhes falta experiência. As plantas também são excelentes exemplos de "naturalidade".
Mas, até hoje, só poucas crianças que fizeram sucesso conseguiram tomar-se bons artistas, e é mais difícil ainda manter a
curiosidade em torno de uma planta. Muitas vezes, depois de uma primeira experiência na televisão, os artistas se refugiam no
teatro para se reabastecer.

Veja — Representar no palco dá mais prazer ao ator?

ZIEMBINSKI — Ninguém discute que o público vivo representa um desafio constante. Existe sempre dentro de nós a vontade
de provar até onde se consegue levar o público. Mas devo confessar que, às vezes, o público proporciona um enorme
desprazer. Ele leva o ator ao desespero, com reações erradas, quando se agita, quando tosse, quando espirra. Existe uma
lenda segundo a qual as pessoas param de tossir se o ator representou extraordinariamente bem. Nada mais falso. A gripe é
uma coisa indomável. Por outro lado, na televisão, há o fenômeno da máquina funcionando. Não podemos deixar que isso nos
afete. É muito importante manter um desligamento em relação a ela.

Veja — Até agora estávamos falando do ator. Como é Ziembinski diretor?

ZIEMBINSKI — Você está me pegando muito de surpresa. Tive várias colocações durante minha vida, às vezes totalmente
opostas. Nas décadas de 30 e 40, quando havia uma predominância, quase uma autocracia do diretor, segui essa colocação.
Mas, por mais arbitrárias que fossem minhas concepções do espetáculo, sempre tive um grande encantamento pelo material
humano. Tentava desenvolver o intérprete ao máximo de sua potência. Confesso que agora minha maneira de dirigir é
diferente. Sou muito mais liberto. Quero que os atores venham a mim. Mas que venham a mim sabendo o que quero. O
problema é que se confunde liberdade dentro da arte com confusão dentro da arte. E confusão gera sempre confusão. O fato
de o diretor esperar que o elenco o estimule na criação só pode resultar em algo positivo se todos — atores e diretor —
souberem para onde caminham. Senão viram mercado persa.

Veja — Um diretor pode criar um ator? Ou esmagá-lo?

ZIEMBINSKI — Nem uma coisa nem outra. A colocação do diretor, especialmente hoje, é muito diferente daquela do passado.
Acredito que um diretor possa ajudar muito um ator que tenha um verdadeiro potencial e não desenvolver tanto outro que
apresente um potencial limitado. Acho que o diretor pode até prejudicar um ator, mas só se este não for bastante forte. Não
podem nunca matar um ator. Mas, hoje em dia, a concepção de direção é tão ampla que alguns encenadores nem se
interessam pelo ator. Outros só se interessam por ele e jogam fora o espetáculo. Nessa relação de ator e diretor aparecem
também muitas lendas, muitas histórias românticas, que a gente gosta de contar mas que não são verdadeiras.

Veja — Quais são os grandes atores, atualmente? Ou melhor, quais atores o senhor prefere?

ZIEMBINSKI — Vou ser muito sincero: isso não tem a menor importância. É uma coisa muito íntima, muito especial. Assim,
não sei responder. Gosto, por exemplo, do inglês Paul Scofield. Eu o vi em Varsóvia, em 1964, fazendo "Rei Lear". Foi uma
das coisas mais impressionantes que já vi em minha vida. Este ano eu o vi fazendo a "Tempestade". Foi das coisas mais
medíocres que já assisti. Mas é possível que outros tenham achado bom. Gosto muito, por exemplo, de Laurence Olivier e de
vários outros. Mas gosto em determinadas ocasiões e em certos papéis.

Veja — O senhor disse que não lhe importa o papel que interpreta. Mas qual lhe deu maior satisfação?

ZIEMBINSKI — Não tenho nenhum amor ou deslumbramento pelos papéis que deixei para trás. Posso avaliar quais deles
consegui fazer mais ou menos bem. Mas não tenho encantamento especial por nenhum. Não me "amarro" em nenhum, como
se diz hoje. É sempre o meu último filho que me desperta maior amor e interesse. A não ser quando é uma dessas coisas que
a gente faz só para ganhar dinheiro. Ninguém está livre disso.

Veja — Mas o sucesso?

ZIEMBINSKI — Seria insincero se não dissesse que uma receptividade maior me causa prazer, mesmo uma ligeira vaidade.
Mas esse processo não parte de mim. Parte dos que recebem o que fiz.

Veja — E como o senhor reage diante do fracasso?

ZIEMBINSKI — É muito difícil responder isso sem ser acusado de cabotinismo. Na minha carreira, a não ser nos tempos muito
de juventude, quando devo ter cometido vários pecados de imaturidade e nos quais eu era um pasto excelente para afiar os
dentes dos juízes, não me lembro de papéis que tenham me decepcionado. Podia causar decepção a peça, por não ter sido
aceita. Mas nunca me senti repudiado, isolado, sem encontrar em mim a verdade humana. Talvez porque nunca tenha partido
para um papel sem a segurança de que o iria fazer bem. E olha que me arrisquei muito. Por exemplo, quando fiz, na televisão,
o papel da velha Stanislava na novela "O Bofe". Não é fácil fazer um travesti que possa ser visto por espectadores de subúrbio.
É um perigo.

Veja — O senhor nunca escreveu para teatro?

ZIEMBINSKI — Escrevi. Foi na época de minha partida para cá: várias peças em polonês que não teriam sentido no Brasil.
Sinto vontade de escrever. Mas não tenho tempo físico. Muito confidencialmente, posso dizer que ajudei a escrever algumas
peças de teatro. Para escrever é necessário um tal afastamento temporal de todas as circunstâncias que nos envolvem que
para mim isso hoje em dia seria impossível. Meu grande desejo é escrever um livro. Não sei quando nem como. Só sei que,
para isso, me fecho de noite com meu gravador e falo coisas que poderão servir.

Veja — Um livro de memórias?

ZIEMBINSKI — Não sei. Um livro que falasse de tudo aquilo que o teatro fez de minha vida e do que minha vida fez do teatro.

Veja — Qual o saldo dessa experiência? O senhor se sente mais rico ou mais cansado?

ZIEMBINSKI — Quando olho para minha vida, vejo uma longa história de desenvolvimento. Não só de minha arte, mas
principalmente da canceituação dessa arte. Mais ainda: a conceituação do próprio ser humano, de minha qualidade de gente.
Acho que isso acontece na carreira de todo profissional. Há alguns anos, houve um dia em que eu me dei ao luxo de dizer para
mim mesmo: agora sei representar. Foi uma descoberta. Hoje ela me permite qualquer tentativa. Não quero dizer que vá ser
bem sucedido. Mas já tenho bastante capital humano e profissional para me credenciar. Na prática, isso representa uma maior
economia de forma. Quanto mais maduros ficamos, menos precisamos de forma. Com o tempo, ela fica mais direta, mais
cristalina, mais penetrante.

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