Em 1977, quando começou a trabalhar no Memorial Sloan-Kettering, o maior centro de oncologia de Nova York, a psiquiatra Jimmie Holland era uma figura estranha ao corpo médico especializado. “As pessoas costumavam perguntar por que um hospital de câncer precisava de um psiquiatra. Alguns chegavam a comentar: ‘não tem ninguém louco aqui'”, conta Jimmie. Desde então muita coisa mudou. Os mais renomados hospitais de oncologia no mundo não só sabem da importância de associar a psiquiatria e a psicologia ao tratamento da doença, como incorporaram profissionais da área em suas equipes. Jimmie, por sua vez, fundou a Sociedade Internacional de Psico-Oncologia e escreveu o livro The Human Side of Cancer (O Lado Humano do Câncer, sem edição no Brasil, Quill), tornado-se uma das maiores referências internacionais no assunto.
Em estudos e experiência acumulados nessas três décadas, Jimmie comprovou que o estado emocional do paciente de câncer é fundamental para o sucesso do tratamento. “Perguntar à pessoa sobre o seu nível de angústia é tão importante quanto perguntar sobre seu nível de dor”, avalia. “Se uma pessoa está depressiva, ela pode desistir do tratamento ou não buscar as melhores formas de enfrentar a doença.”
A psiquiatra afirma, no entanto, que associar a cura da doença – ou o aumento das chances de cura – ao otimismo é um mito, uma bobagem. “Otimismo não cura câncer”, avisa. “Mas a depressão atrapalha e precisa ser encarada como parte do tratamento geral.” De acordo com estudos, um terço dos pacientes com câncer pode apresentar quadro de depressão – e esse número é maior em pessoas com tumores considerados graves. No hospital Memorial Sloan-Kettering Cancer Center, em Nova York, Jimmie Holland concedeu a seguinte entrevista a VEJA:
A senhora foi pioneira no tratamento psiquiátrico de pacientes com câncer. Por que se interessou por essa área? Sempre me interessei em ver como as pessoas lidavam com as doenças. Casei-me com um oncologista e percebi que se eu quisesse estudar reações a doenças eu teria de ter o câncer como foco. O câncer é uma doença que independe de idade, sexo, cultura ou classe social.
Mas como era fazer isso 30 anos atrás? Naquele tempo, os médicos não informavam seus pacientes sobre o diagnóstico de câncer. Pensava-se que era melhor não dizer nada porque as chances de sobrevivência eram poucas. Familiares também evitavam falar sobre a doença. A palavra câncer era um estigma. Não era fácil falar sobre a doença.
Quando isso mudou? Nos Estados Unidos, em meados da década de 70, nós começamos a falar de diagnóstico. As pessoas começaram a questionar sobre qual era o seu diagnóstico e quais eram as opções de tratamento. Os pacientes passaram a exigir mais diálogo com os médicos e não apenas receber instruções sobre o que deveria ser feito. Antes, os médicos agiam assim: “Eu sei o que você tem, mas não vamos dizer a você que isso é câncer”. Quando isso passou, eu diria que o câncer saiu do armário. Começamos a ter filmes em que o câncer aparecia em personagens, as pessoas começaram a escrever livros sobre a experiência de ficar doente e – finalmente – começamos a ver pessoas sendo curadas de câncer. Com tudo isso, passamos a ter menos medo dessa doença. E estávamos vendo a mesma coisa acontecer no resto do mundo.
Como os outros médicos reagiram a sua chegada ao hospital? Em 1977, as pessoas costumavam a dizer: “Por que precisamos de um psiquiatra em um hospital de câncer? Ninguém está louco aqui”. Meu trabalho no início foi mostrar que a importância de um acompanhamento psiquiátrico/psicológico não tinha nada a ver com loucura nesse caso. Quando uma pessoa descobre-se vítima de uma doença séria como o câncer, ela precisa se sentir segura, apoiada, e nesse quadro às vezes ela até precisa tratar a depressão, a ansiedade. Assim, ela terá mais forças par enfrentar a doença. Com o tempo, eles passaram a perceber que havia um papel importante a ser desempenhado por essa disciplina no tratamento de câncer. Além disso, a psiquiatria/psicologia também pode ajudar nos cuidados paliativos no fim da vida, quando um paciente já não tiver chances. Existem várias formas em que essas especialidades podem ser utilizadas.
O que deverá ser feito em seguida? O próximo passo para integrar ainda mais as duas áreas, é fazer com que todos os pacientes sejam questionados sobre seus níveis de angústia. Quando perguntamos ao paciente qual o seu nível de dor, de zero a dez, é uma forma rápida de saber sobre a dor. Por isso, tivemos a ideia de perguntar qual o nível de angústia, na mesma escala de zero a dez – transformando isso em uma referência que chamamos de termômetro da angústia. A partir de estudos, descobrimos que, se o paciente responder o número quatro ou maior que isso é necessário estudar a possibilidade de encaminhá-lo a um atendimento específico.
É possível dizer que todo paciente com câncer tem depressão? Não. Não acho que todos tenham depressão. Apenas penso que todos deveriam ser questionados se estão ou não depressivos. Sabemos que provavelmente um terço dos pacientes tem uma angústia significativa em algum momento do tratamento de câncer. Mas se pegarmos pessoas com tumores mais letais, como pulmão, cérebro e pâncreas, sabemos que aproximadamente metade deles tem depressão e ansiedade. Então, todos os pacientes precisam ser avaliados. Da mesma forma que eles são questionados sobre a dor, também precisam ser avaliados para a angústia. Vale ressaltar que nós escolhemos utilizar a palavra ‘angústia’ porque ela não é estigmatizada, como a palavra depressão.
Em casos em que o tratamento psiquiátrico não é oferecido ao paciente com câncer, quando os pacientes precisam procurar por ajuda? Basicamente, quando o paciente não consegue levantar da cama, se recusa a fazer os tratamentos capazes de salvar sua vida, não sente prazer em nada e não tem nenhuma esperança de cura. Todos esses são sintomas de pessoas que precisam ser avaliadas. Em alguns casos, as pessoas se tornam tão ansiosas que não dormem à noite, têm problemas de concentração e não conseguem tirar os pensamentos sobre a doença da cabeça. Esses sinais mostram que uma pessoa precisa de ajuda.
Qual a importância da família durante o tratamento? A família é muito importante. Chamamos os familiares de pacientes secundários. O câncer afeta toda a família. Por isso, todos têm que ser considerados. Ao atender um paciente, estamos sempre preocupados com a família.
A depressão desaparece depois da cura? As pessoas que sobrevivem geralmente têm muito medo sobre a recorrência da doença. Elas ficam com medo de o tumor voltar e podem ficar depressivas por isso. Sabemos que cerca de 20% dos sobreviventes podem ter problemas psicológicos contínuos após o câncer.
O que a senhora diria para quem acredita que pensamento positivo ajuda na cura do câncer? É preciso esclarecer que pensamentos positivos não fazem com que você viva por mais tempo. Da mesma forma que pensamentos negativos também não fazem com que você viva menos. As pessoas gostam de acreditar que, se forem positivas, viverão mais. Pensar positivo é melhor para o seu tratamento e também é melhor para a sua família. Mas isso não afeta diretamente o curso da doença.
A senhora acredita que a forma com que o paciente lida com o câncer pode influenciar no sucesso do tratamento? Sem dúvida, mas apenas no sentido de que é preciso a ação do paciente diante dos melhores tratamento para a doença. Ou seja, se uma pessoa está depressiva, ela pode desistir do tratamento ou evitar as melhores formas de enfrentar a doença. Mas não há um tipo de personalidade e nenhum outro tipo de ação feita pela mente que afete o sistema imunológico a ponto de curar o câncer. É bom que isso fique claro. Não há nenhuma influência da mente ou do humor no processo de cura.
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