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Crack agora se alastra pelo interior nordestino

Etelvi Nascimento Silva, solteiro, nunca esteve em São Paulo, a metrópole que convive com o crack consumido a céu aberto. Da cracolândia paulistana, ele só ouviu falar. Etelvi fumou sua primeira pedra de cocaína no sertão pernambucano, em Floresta, onde nasceu e se criou. A cidade tem 30 mil habitantes e fica a 430 quilômetros de Recife.

Região apelidada há anos de "polígono da maconha", por esconder na caatinga extensas plantações da erva proibida, a área já apresenta os sintomas da doença grave que rompeu os limites das grandes metrópoles, como na famigerada cracolândia de São Paulo, e migrou com força para cidades de médio porte, chegando até isoladas comunidades da área rural.

Hoje, embora o governo federal não saiba oficialmente o tamanho do estrago do crack no fundão do País - a Fiocruz tem pesquisadores em campo tentando medir a extensão do dano da pedra nas populações fragilizadas -, na sertaneja Floresta, terra de Etelvi, e nas vizinhas Petrolândia (32 mil habitantes), Belém do São Francisco (20 mil) e Itacuruba (10 mil), a droga avança. E essa região nordestina, que está dentro da grande área do mapa chamada "polígono da seca", esta prestes a trocar a alcunha de "polígono da maconha" pela de "polígono do crack".

Cracolândia do sertão

"O crack hoje faz parte do cotidiano do sertão", afirma o capitão Marcondes Ferraz, da PM pernambucana, um dos chefes do combate ao tráfico de drogas na região de Petrolina (cerca de 300 mil habitantes). Habituado ao combate ao tráfico nas roças da caatinga, o capitão admite que há uma forte preocupação com a distribuição do crack também nas pequenas cidades.

Integrante do Gati (Grupo de Apoio Tático Itinerante), um grupo de elite da PM do estado, o militar explica que o 5º Batalhão de Petrolina, no qual chefia uma companhia, é hoje o segundo colocado no ranking das apreensões de drogas no Estado. Perde somente para a delegacia especializada da área (Denarc), de Recife. A cidade de Petrolina está à beira do Rio São Francisco, ao lado da baiana Juazeiro (200 mil habitantes). É uma próspera região agrícola, com produção de frutas, cebola, abóbora, coco e uvas. As águas do São Francisco irrigam um vale verde e servem de hidrovia.

As duas cidades estão à beira da rodovia BR 407, que liga Sul/Sudeste à BR 116, os estados de Piauí e Maranhão pela BR 316, e o Ceará pela BR 020. Esse conjunto de estradas forma uma malha rodoviária que tem funcionado como rota de tráfico para a cocaína que passa pelos centros distribuidores, como São Paulo.

Droga e armas

Segundo estatísticas da PM pernambucana, de janeiro a agosto foram apreendidas 773 pedras de crak, num total de mais de 2 quilos da droga. Sob a jurisdição do capitão Marcondes estão também outras duas cidades, Dormentes (16 mil habitantes) e Afrânio (18 mil habitantes), nas quais também há registros da presença do crack. "E onde há drogas, há armas", acrescenta o policial.

Nas operações antidrogas do primeiro semestre, o 5º Batalhão apreendeu 112 armas curtas, 102 armas longas, 61 armas brancas (facas, facões). Foram recolhidos também quase 80 quilos de maconha e 13,3 quilos de cocaína em 174 papelotes. Um investigador de polícia, que trabalha em área ainda mais isolada, em pleno "polígono da maconha", onde fica o município de Floresta, diz que o uso do crack nas comunidades pequenas não ocorre como em São Paulo, onde os dependentes vagam em turmas, consumindo a droga nas ruas.

Na cracolândia do sertão, a cocaína em pedacinhos se espalhou pelos pontos de venda de drogas, as "bocas de fumo", e, como os saquinhos de pó, é consumida dentro de casa. O policial conta que encontrou em Floresta, a cidade de Etelvi, uma pedra de 120 gramas de crack, enterrada num quintal.

Entreposto

"Eles desenterram, quebram para vender os pedaços, depois voltam a enterrar o que sobra dentro de sacos plásticos", explicou o investigador. Segundo ele, o crack está servindo de moeda de troca no comércio da maconha, que ainda é produzida em plantações clandestinas na região, apesar da repressão das operações trimestrais da Polícia Federal naquela região. "Se não houver uma ação mais efetiva e rápida do estado, logo vamos ver por aqui a extensão semelhante ao que ocorre em São Paulo", prevê o investigador mostrando as fotos da droga, que guarda em seu computador.

Para Eduardo Henrique Passos, do núcleo da Polícia Federal instalado em Salgueiro, no meio do sertão, para coordenar a política de ataque às drogas, a cocaína que está sendo vendida na região é de "péssima qualidade". Salgueiro tem cerca de 60 mil habitantes e fica a cerca de 250 quilômetros de Petrolina. Foi transformada nos últimos anos em polo de operações de combate às plantações de maconha. "Salgueiro é um entreposto da distribuição de drogas", resume o policial federal.

No dia 29 de junho, a Operação Polígono da PM pernambucana, que tem até barreiras de concreto nas estradas, prendeu uma quadrilha em Petrolina e encontrou uma "novidade": uma pedra chamada de oxi, que foi identificada como uma nova droga. Para o delegado da PF, essa é somente uma nova forma, cada vez mais misturada, da cocaína que inunda o sertão. "E o crack é outra forma de apresentação da cocaína. Tudo depende é do grau de mistura de outras substâncias no preparo da pasta base." Os nomes diferentes, segundo Passos, até atrapalham as estatísticas."Pasta, coca, crack, oxi, é tudo cocaína", afirma.

Registro sem padrão

Conferindo as planilhas da PF, ele conta: nos últimos 12 meses foram apreendidos 47 quilos de cocaína, 1.081 quilos de maconha pronta para consumo, 281 mil mudas da planta, mais de 8 quilos de sementes e 606 gramas de crack. "O que é registrado como crack, é pedra de cocaína. Mas pode haver também a pedra registrada somente como cocaína", diz ele, que defende uma normatização para os registros.

O delegado, no entanto, se diz otimista com os resultados da presença da PF na caatinga. "Esse esforço já está dando resultados claros", afirma Passos. "Apreendemos dias atrás um carregamento de 100 quilos de maconha que vinha do Paraguai dentro da armação metálica da carroceria de um carro", contou. "É sinal de sucesso das operações de erradicação das plantações, que repetimos a cada três meses".

No Instituto de Criminalística de Salgueiro, a perita Yeda Sá Araújo passa boa parte do tempo analisando amostras de drogas. Foram 356 exames de comprovação química de drogas neste ano. Os laudos se acumulam na pequena e abafada sala. "Aqui aparece de tudo. Maconha, cocaína e crack, e muito armamento", diz ela, manuseando um saco plástico com as pedras de cocaína.

Chaga devastadora

Para além do constante trabalho da polícia, a chaga do vício rápido da pedra no interior nordestino pode ser constatada na observação da clínica de recuperação existente em Juazeiro. Já supera as internações por alcoolismo. De acordo com o presidente do Ceprev (Comunidade Evangélica para Recuperação de Viciados), Robson Vieira Pereira, 70% dos internos na instituição está em tratamento da dependência do crack. São os colegas de Etelvi, gente até de outros estados que chega a Juazeiro em busca de uma saída da pedra.

Na semana passada, sob temperatura de cerca de 38 graus, às 14h, um grupo de homens se reunia na sombra de uma construção sem paredes, usada para palestras. Ouviam uma palestra pontuada de pregações de fé religiosa contra as drogas e em defesa da vida. Na sala da diretoria, na casa principal, que tem outros três cômodos, usados como um escritório e consultório, Pereira coordena a clínica de desintoxicação.

"Os dependentes do crack, que é droga devastadora, recorrem ao Ceprev em maior quantidade", afirma, ressaltando que " é a velocidade do vício e o efeito danoso da droga na saúde dos usuários e de suas famílias que os levam a buscar ajuda rapidamente". Assim ocorreu com Eté, o rapaz de Floresta, assim chamado pelas irmãs e a mãe.

Vício e roubo

"Aqui já se pode ver eles fumando na rua (sic)", conta Olindina Maria da Silva, mãe de Etelvi, em entrevista na casa da família, em um bairro simples na entrada de Floresta, na semana passada. Lembrando dos dias difíceis que passou com o filho drogado, Olindina diz que lutou para tirá-lo do mau caminho. "Ele aqui vivia, dava uma volta e de repente chegava doido da cabeça. Então, quer dizer, não ia buscar em Belém, Petrolândia. Era aqui na cidade mesmo que ele encontrava", afirma. Foi no dia em que ela estava no carro da polícia, com o filho preso por roubar um celular para pagar droga, que os dois tiveram um diálogo duro para ambos.

"Ele me disse: mãe, me ajude. Não sou eu, mãe. Me ajude", recorda Olindina, emocionada, ao lado de uma filha e de netos, na varanda da pequena casa, na semana passada. "Ele começou na cachaça e na maconha", recorda Olindina. Há uns quatro anos, entrou no crack. "Eu disse a ele: o, meu filho, eu já passei por tanta coisa. Vou passar por essa agora, meu filho?" O rapaz, então, respondeu: "Mãe, tenha fé em Jesus. O que a senhora passou, não passa mais. Porque Deus é mais."

Firme diante de mais uma promessa do filho de largar a pedra, Olindina batalhou os R$ 300 necessários para o pagamento da taxa mensal de internação no Ceprev, de Juazeiro, para onde Eté foi mandado. Ela afirma que acredita na recuperação do rapaz. Mas não quer o filho de volta a Floresta tão cedo. Teme por ele. "A gente só não pode dizer a casa, é ali que vende, ou acolá. Ninguém é doido de entregar ninguém. Porque o senhor sabe, entregou agora, mais tarde já tá é lá duro, enterrado. É desse jeito".

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