A ciência começa a desvendar um dos mistérios do comportamento humano: a escolha do parceiro amoroso
Os sinais são claros e surgem no cérebro como um vulcão. Subitamente nos apaixonamos por alguém, e tem início uma série de reações que muitas vezes contrariam nossa condição de animais racionais. Ao estudarem os mecanismos do cérebro, os pesquisadores comparam a euforia provocada pelo fascínio por alguém àquela experimentada pelos viciados em drogas. Nos dois casos, a mesma região do cérebro é inundada pelo neurotransmissor dopamina, associado à sensação de prazer e de recompensa. Assim como o drogado, o ser apaixonado é capaz de contrariar o bom senso em busca de seu objeto do desejo. Ambos têm pensamentos obsessivos e sofrem síndromes de abstinência. O que os cientistas, para não dizer todos nós, querem saber é por quê. O desafio é descobrir o que existe por trás da paixão. Por que nos apaixonamos por determinadas pessoas e não por outras? Quais os mecanismos que deflagram a atração por alguém? Do ponto de vista da biologia evolutiva, a paixão e o amor não fazem muito sentido. Nossos genes são programados para selecionar parceiros com fins reprodutivos. Segundo a teoria da evolução, os parceiros ideais são aqueles capazes de contribuir para a geração da prole mais forte e mais saudável. Do ponto de vista científico, é duro entender o que o romance tem a ver com isso. Mas, de alguma maneira, a mãe natureza dotou os seres humanos da capacidade de se apaixonar como forma de escolher o parceiro. As leis naturais que regem essa escolha só agora começam a ser desvendadas pela ciência. "Hoje se acredita que o desejo é a chave para entender como funcionam as estratégias reprodutivas herdadas de nossos ancestrais", disse o psicólogo evolucionista David Buss, da Universidade do Texas, autor de diversos estudos sobre os relacionamentos amorosos.
Pergunte-se a qualquer colegial que critérios ele usou para escolher a namorada e a beleza virá em primeiro lugar. É natural que seja assim. No mundo infinitesimal de nossos genes, que determinam em grande parte o modo como nos comportamos, a beleza se traduz em saúde. Ela é a manifestação exterior da capacidade de um homem ou de uma mulher cumprirem sua função de perpetuar a espécie. Esses sinais externos da saúde genética são bem conhecidos. Mulheres preferem homens altos e fortes, capazes de conseguir alimento para a prole e manter os leões longe da caverna. Homens escolhem mulheres de quadris largos e seios bem torneados, o que lhes garantirá herdeiros possantes como eles. Assim que os homens e as mulheres se tornam maduros sexualmente, começam a procurar por sinais de boa compleição genética e de fertilidade, e também aprendem a exibir esses atributos. Mas a beleza, por si só, está longe de explicar como elegemos nossos parceiros, seja para nos acompanhar por toda a vida, seja para um namoro, seja para uma noite de sexo. Uma série de pesquisas recentes indica que a atração romântica e sexual é despertada não apenas pela beleza, mas também por mecanismos mais complexos. São processos que envolvem os cinco sentidos, o sistema hormonal e, principalmente, a predisposição genética peculiar de cada ser humano. É evidente que elementos como o charme pessoal e a inteligência contam muito na escolha de um parceiro. Essas qualidades, porém, só se revelam mais tarde. Elas só são descobertas e avaliadas depois que um casal passa pelo estágio crucial da descoberta da atração mútua.
Quanto mais se estudam os genes, mais se atribuem a eles um papel decisivo na escolha de nossos parceiros amorosos. A antropóloga e pesquisadora americana Helen Fisher, da Universidade Rutgers, de Nova Jersey, considerada uma das maiores autoridades em comportamento amoroso, avaliza essa teoria e está prestes a lançar um livro sobre ela. Helen relaciona as características de comportamento à predominância de determinados tipos de hormônios e neurotransmissores no organismo. A produção dessas substâncias é controlada pelo sistema endócrino, que funciona de acordo com o perfil genético de cada ser humano. Ela sustenta que há, basicamente, quatro tipos de personalidade. Indivíduos com predominância de dopamina seriam os exploradores; de serotonina, os construtores; de estrógeno, os negociadores; e de testosterona, os diretores. "Todos nós somos uma combinação dos quatro tipos, mas um deles se expressa com mais destaque em nossa personalidade", disse Helen a VEJA. Para chegar a esses quatro perfis humanos, a psicóloga submeteu um questionário baseado em sua teoria a assinantes da agência americana de namoro pela internet Chemistry.com. Após avaliar 20.000 respostas, ela concluiu que os negociadores, com altos níveis de estrógeno, se sentem mais atraídos pelos diretores, ricos em testosterona. Já os exploradores e construtores sentem mais desejo por pessoas do seu próprio grupo
Prosaico como possa parecer, o cheiro – não o dos perfumes, mas aquele que o corpo exala naturalmente – também serve como um filtro na escolha do parceiro ideal. Entre os muitos genes que influenciam o funcionamento do sistema imunológico está o chamado complexo de histocompatibilidade (MHC, na sigla em inglês). Esse grupo de genes, presente em todas as espécies de mamífero, codifica as proteínas que agem no sistema imunológico. Quando essas proteínas são secretadas via suor, deixam um odor característico. No caso de o MHC dos pais ser muito parecido, há risco de a gravidez ser interrompida. Pesquisas com ratos provaram que, ao cheirarem a urina uns dos outros, eles evitam copular com os que têm MHC semelhante. Um estudo da Universidade de Lausanne, na Suíça, mostrou que o mesmo ocorre com humanos. Os autores do trabalho pediram a um grupo de mulheres que cheirasse camisetas usadas por homens durante duas noites, sem a influência de desodorantes ou perfumes, e apontasse qual odor mais lhe agradava. As mulheres preferiram o cheiro de homens com o conjunto de genes ligado ao sistema imunológico diferente do seu. O MHC está presente também na saliva. Em conseqüência disso, os beijos trocados entre homens e mulheres, sem que eles saibam, podem atuar como um teste para verificar se o MHC de cada um é adequado a um relacionamento que inclua a constituição de uma prole. "É como se a evolução direcionasse as espécies a formar casais capazes de gerar descendentes imunologicamente mais aptos", explica a geneticista Maria da Graça Bicalho, coordenadora do Laboratório de Imunogenética da Universidade Federal do Paraná. Aos poucos, o estudo dos genes mostra como nos movemos para eleger o parceiro ideal.
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