INTRODUÇÃO
Humor na literatura, visão informal e despida de solenidade, zombateira do mundo e da sociedade, presente em algumas obras literárias.
A palavra humor vem do vocábulo latino (ver Língua latina) que significa umidade. Em sentido estrito, refere-se aos "humores" ou fluidos do corpo que, na antiga fisiologia, acreditava-se estarem ligados aos quatro elementos: terra, fogo, ar e água. A partir destes fluidos definiam-se os temperamentos humanos em melancólicos, coléricos, fleugmáticos ou sanguíneos, cada qual dotado de características específicas. O sentimento alegre seria devido à uma boa disposição orgânica.
O humor se tornava, assim, elemento de importância para o escritor de comédias que buscava seguir a famosa máxima de Horácio: castigat ridendo mores, (castiga, pelo riso, os costumes). O humorista era a pessoa dotada de um certo tipo de "humores" que o diferenciava dos demais. William Temple, ensaísta inglês, em Of Poetry (1690), tentou provar que o humor era algo eminentemente inglês, pois em seu país "todo homem tem sua maneira de ser e tem prazer, ou mesmo orgulho, em exibi-la".
Aprofundando este conceito, o humor ele passou a ser visto não só como expressão do caráter individual mas, também, como algo ligado ao desenvolvimento da natureza. Com isto, em finais do século XVII, o humor já não era mais considerado uma anormalidade, algo a ser objeto de crítica e sátira, mas uma particularidade jocosa ou uma fraqueza divertida e inocente que podia ser usada para mascarar emoções e sentimentos.
No século XIX, os teóricos que passaram a estudar a questão, consideravam o humor como "a expressão romântica da comicidade" (Carlyle, 1804), na qual o observador de uma situação humorística se identifica com o objeto de seu riso. Para estes teóricos, o humor "contrapõe o finito ao infinito" ao apontar, nas tolices e ridículos individuais, a insensatez humana dentro de um mundo igualmente insensato.
Assim, o humor passou a ser considerado a forma mais elevada e rica do cômico, sendo o riso um veículo catártico (ver Catarse) das tristezas da vida. Assim, no início do século XX, o humor passou a ser usado para construir, descontruindo. O humorista exarcebava os valores, comportamentos e normas sociais e, através do riso, revelava ao mundo o que o mundo era, na intenção de salvá-lo.
Com o passar do século, o humor deixou de ter a primazia na hierarquia do cômico. O interesse dos críticos se voltou para a análise formal em que contam as emoções do receptor como um todo. Passaram a valorizar o talento em seu sentido amplo: fusão de inteligência e sentimento, base de toda a poesia. Mas os diferentes matizes por que passou o conceito de humor nos permite avaliar sua riqueza e potencialidade, capacidade de captar e expressar o ridículo, a ambigüidade tristeza/alegria, as contradições e instablidade do próprio ser humano construído de sentimento e intelecto.
O HUMOR NA LITERATURA BRASILEIRA
O humor é tão característico do temperamento brasileiro que é conhecida a anedota que descreve o desembarque, no Brasil, de Pedro Álvares Cabral sob o olhar crítico de um índio balançando cabeça: "isto não vai dar certo..."
A literatura brasileira é depositária de mais variadas expressões de humor. Desde Gregório de Matos (1623-1696) que, através da sátira, cobria de ridículo o português colonizador. Fez isto com tanta competência que recebeu o apelido de "Boca do Inferno". Em tom debochado, o inconfidente (ver Inconfidência mineira) Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810) escreveu, em Cartas chilenas, um retrato caricato de Luís da Cunha Menezes, governador de Minas, a quem o autor pede que "erga a cabeça da fronha" e venha "ouvir coisas raras".
No século XIX, Machado de Assis esboça sua fina e penetrante análise - não isenta de certa ternura - da fragilidade e insensatez humana. Em sua prosa desmistificadora, na anulação dos códigos "asmáticos e antitéticos", Machado expõe e ri da pomposa solenidade da sociedade carioca. Bastariam contos como O alienista e sua filosófica e inesperada conclusão, ou o Elogio da vaidade feito por ela mesma, ou O espelho refletindo a distorção dos papéis sociais, ou Sereníssima república revendo as distâncias entre o poder e o povo, ou Missa do galo para que se tenha uma ilustração rica e viva das possibilidades e sutilezas do humor de Machado de Assis.
Na mesma época, a comédia teve em Martins Pena um bem-humorado observador dos costumes e figuras de seu tempo, inaugurando um filão que seria explorado e aprofundado por França Júnior, Artur Azevedo, vindo até nossos dias nas figuras de Silveira Sampaio e Millôr Fernandes. Também é no humor que vai se alicerçar o romance picaresco Memórias de um sargento de milícias, de Manoel Antônio de Almeida (1831-1861), que apontou as mazelas sociais pelo espelho deformador do cômico. Em outra linha, o nonsense avulta a figura de Qorpo-Santo, cujo original e surpreendente enfoque humorístico o levaria a ser considerado um precursor do teatro do absurdo.
À época do modernismo, a fúria iconoclasta de Oswald de Andrade teve no humor uma arma contundente. Tal como o será a inteligente ironia de Mário de Andrade, que em Macunaíma sintetiza os sonhos, aventuras e desventuras deste anti-herói que é o homem brasileiro.
Na literatura popular, o humor é traço definidor. Nas metáforas, as relações sociais se desestruturam e fazem surgir a fabulação. Ao colocar em cena o coronel, o negro, o padre, a mulher, o soldado - tantos tipos populares quantos invente a imaginação do autor - invertendo ou caricaturando os papéis de cada um, o povo ri do ridículo dos que estão acima de sua classe ao mesmo tempo que exalta, pelo deboche, a coragem e habilidade do negro ou do peão.
Os tipos populares que se imortalizaram na literatura de cordel ou no teatro de bonecos, cujas histórias são transmitidas de geração em geração - entre outros, Malasartes, João grilo, Cancão de fogo - são descritos como "quengos inteligentes", "reis das tramóias", "mestres da astúcia", de quem "nem o diabo escapa". Alegres e gozadores, têm prazer no que fazem, divertem-se com as próprias trapaças, divertindo os que escutam suas estrepolias criativas e inesperadas. Afinal, com eles aprendemos a "rir da própria desgraça" pois, na dura luta pela sobrevivência, "bem só pode estar o sol / porque ninguém o alcança / haja no mundo o que houver / o sol lá nem se balança / pois enquanto a sorte dorme / a desgraça não descansa".
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