1 | INTRODUÇÃO |
Filosofia da ciência, investigação sobre a natureza geral da prática científica. Busca saber como se desenvolvem, se avaliam e se transformam as teorias científicas e se a ciência é capaz de revelar a verdade de entidades ocultas e dos processos da natureza.
2 | O PROBLEMA DA INDUÇÃO |
Os resultados da observação e da experimentação fornecem a evidência para uma teoria científica, mas não podem demonstrar que a teoria é correta. O vínculo não demonstrativo ou indutivo entre a evidência e a teoria representa um dos problemas fundamentais da teoria do conhecimento: o problema da indução, cuja formulação clássica é dada por David Hume. O problema da indução tem relação direta com a ciência. Os filósofos têm realizado um esforço contínuo no sentido de resistir à cética conclusão de Hume. Alguns tentaram demonstrar que os modelos científicos para avaliar evidências e formular inferências são, de certo modo, racionais por definição; outros, que os êxitos passados de nossos sistemas indutivos podem vir a ser empregados para justificar seu uso futuro sem cair em círculos viciosos. Um terceiro enfoque afirma que, embora não possamos demonstrar que a indução funcionará no futuro, podemos certamente demonstrar que o fará, caso algum método de previsão seja possível, razão pela qual é lícito utilizá-lo.
Através de teorias mais recentes, alguns filósofos têm sustentado que a atual confiabilidade das práticas indutivas, algo que Hume não nega, basta para dar crédito ao conhecimento indutivo, sem que outro requisito, além desta confiabilidade, seja necessário. Karl Popper trouxe uma resposta mais radical a este problema, uma solução que constitui a base de sua influente filosofia da ciência. Segundo ele, é correto o raciocínio de Hume de que as inferências não são justificáveis a partir de uma perspectiva racional. Porém, isto não ameaça a racionalidade da ciência, cujas inferências, embora pareça o contrário, são exclusivamente dedutivas. Esta engenhosa solução para o problema da indução tem enfrentado inúmeras objeções.
3 | O PROBLEMA DA DESCRIÇÃO |
Embora a discussão de Hume sobre a justificativa da indução represente um marco na história da filosofia, apenas oferece uma simples descrição de como, bem ou mal, os métodos indutivos funcionam na realidade. Afirmava ele que a inferência indutiva é apenas um hábito de formação. Como os cientistas comprovam suas teorias, avaliam as hipóteses e estabelecem inferências? Este é um problema de descrição, que contrasta com o problema de justificação de Hume. Talvez a forma mais habitual seja por meio do modelo hipotético-dedutivo, segundo o qual as teorias se comprovam examinando-se as previsões que implicam. A evidência que mostra que uma previsão é correta confirma a teoria; a evidência incompatível com a previsão rebate a teoria, e qualquer outra evidência é irrelevante. Mas este modelo é demasiado permissivo, pois trata as evidências irrelevantes como se trouxessem certezas materiais.
Um trabalho recente sobre o problema dos métodos de descrição inferencial na ciência tentou evitar a insuficiência do modelo hipotético-dedutivo, indo além das relações lógicas para responder à conexão da evidência com a teoria. Alguns apelam para o conteúdo específico das hipóteses submetidas a comprovação, especialmente as afirmações causais que muitas fazem. O ponto de partida para a maior parte do trabalho filosófico contemporâneo sobre a natureza da explicação científica é o modelo dedutivo-nomológico, segundo o qual uma explicação científica é a dedução de uma descrição do fenômeno, a ser explicada a partir de uma série de premissas que inclui, pelo menos, uma lei da natureza.
4 | REALISMO E INSTRUMENTALISMO |
Um dos objetivos da ciência é aclarar os fenômenos, construir teorias que suponham uma correta descrição dos aspectos observáveis do mundo. O que se torna mais controvertido é se ela deve aspirar à verdade sobre aquilo que não é observável, visando apenas a compreender o mundo, mesmo sem um propósito prático. Os que julgam que a ciência deveria tratar de revelar a estrutura oculta do mundo, e que o faz, são conhecidos como realistas. Para eles, as teorias tentam descrever esta estrutura. Têm visão oposta os que dizem que seu trabalho consiste apenas em expor os fenômenos observáveis; são conhecidos como instrumentalistas, uma vez que, para eles, as teorias não são descrições do mundo invisível, mas apenas instrumentos para as previsões sobre o mundo observável.
Ambas as correntes estão de acordo quanto ao fato de que as teorias nas ciências físicas têm tido apreciável grau de previsão. Um dos argumentos recentes mais populares entre os instrumentalistas é a ‘indução pessimista’. Do ponto de vista da ciência atual, quase todas as complexas teorias com mais de 50 anos já podem ser vistas como falsas. Foram esboçadas várias respostas a esta indução. A maior parte dos realistas a aceitaram; no entanto, assinalaram que isso é compatível com a afirmação principal, de que as teorias tendem a dar, do mundo, descrições mais completas que as que vieram substituir.
Embora realistas e instrumentalistas tenham divergências quanto à capacidade da ciência de descrever o mundo invisível, quase todos coincidem quanto a ser ciência objetiva, por repousar em evidências objetivas. Porém, esta idéia da objetividade e da autonomia da evidência observacional das teorias científicas vem sendo criticada, sobretudo nos últimos 30 anos. A objetividade da evidência tem sido rejeitada, partindo-se da premissa de que está, inevitavelmente, contaminada pelas teorias científicas; a observação científica só é possível no contexto de pressuposições teóricas concretas, é “teoria comprometida”. Se a natureza da evidência muda conforme mudam as teorias científicas e a evidência é nosso único acesso aos fatos empíricos, então talvez os fatos também mudem. É o relativismo na ciência, cujo representante atual mais influente é Thomas Kuhn. Embora radical no plano metafísico, sob uma perspectiva epistemológica seu conceito de ciência é conservador.
O debate sobre a ciência ser um processo de descoberta ou uma invenção é tão antigo quanto a história da ciência e da filosofia, e não há soluções à vista. Talvez, ao se valorizar o fato de como a prática científica resiste a uma explicação, possa-se igualmente iluminar a natureza da ciência.
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