Para interpretar a Dulce, de Morde & Assopra, você disse ter se inspirado numa mulher muito humilde do Recife. Onde buscou inspiração para Melissa?No livro Assédio Moral (da psiquiatra francesa Marie-France Hirigoyen), que fala do perverso narcísico, alguém de uma vilania, uma crueldade capaz de levar o outro à morte sem sujar as mãos. Construo as personagens para chegar ao limite. Se era para Dulce ser humilde, que fosse muito humilde, pura. E assim é com a perversidade.
Melissa é psicopata?Não sei. Mas se você quer ser uma pessoa boa, tem de se vigiar 24 horas por dia. Em casa, temos como princípio não falar mal de ninguém. Às vezes a gente pede licença e critica, mas não pode. Tudo isso para dizer que o perverso narcísico é dono de uma liberdade absurda. Ele diz o que pensa, é narcisista, cruel, invejoso e destrói quem ele gostaria de ser.
Já imagina o fim dessa vilã?Adoraria que pudesse haver a redenção da personagem. Porque todo vilão se safa e continua filho da p... ou vai preso ou é morto. Mas o barato numa novela cujo espiritismo é tema central – que fala do amor e cujo líder é Jesus – é o vilão ser perdoado. E a maior liberdade do ser humano – e falo por experiência pessoal – é quando você consegue se perdoar e perdoar o outro. É de um regozijo. É quase um nirvana, um caminhar para frente.
Engraçado que a Melissa é tão frustrada que, às vezes, o público se compadece dela.É que ela também tem humor, para dar uma leveza. Afinal, é uma novela das 6. Ela é debochada, divertida, livre. Por isso usa roupas coloridas, perucas (uma ideia da atriz). O público não gosta muito daquela peruca à la Cleópatra. Mas eu adoro, então, sinto muito, mas vocês vão aguentar aquela peruca.
Você já disse à imprensa que a Adma, de Porto dos Milagres, te deixou muitas marcas. Chegou a ponderar se faria outra vilã?Trabalho na Globo desde 1983. Sabe quantas vezes recusei um personagem? Nenhuma. Aprendi que não existe tamanho de personagem. Você me dá uma história de uma linha e eu te devolvo uma de 500 páginas.
Foi assim com a Dulce, não?Foi. Trabalho para construir personagens marcantes. Sou muito arrogante nisso. Adoraria deixar uma marca, um estilo. Gostaria de ser grande na minha profissão. Uma Greta Garbo, um Charles Chaplin. Não vou conseguir, mas eu luto. É um trabalho exaustivo, você fica sem comer, às vezes 3 horas da manhã estou estudando. Mas não abandono isso.
Com tantas vilãs marcantes, como não cair na repetição?Tudo isso é igual a trabalho. Estou numa idade em que começo a ser descartada da televisão. Novelas são feitas para garotada. As moças bonitas têm mais espaço, mesmo mulheres de 30, 40 anos. E eu não sou bonita, não tenho um phisic que atraia, não fiz plástica. Para manter meu espaço, tenho de trabalhar muito, achar o diferencial e, infelizmente, tentar ser a melhor.
Interessante essa constatação vir justamente de você, que emenda um trabalho bacana atrás do outro. A idade ainda pesa na televisão?Claro. O berço do ator está na Inglaterra. E lá, quanto mais velhos os atores, mais reconhecidos e respeitados eles são. No Brasil, as estrelas são outras. E isso me preocupa tanto que, se tem um projeto que quero fazer na televisão, é algo sobre terceira idade.
Uma série?Sim. No recente filme O Exótico Hotel Marigold, você vê atores inglese fantásticos. Todos com 70 anos e rostos tão marcados, que parecem ter 500. É das coisas mais bonitas e emocionantes que já vi. Quero fazer uma série que mostre que, apesar de ter 70, 80 anos, o ser humano tem chance de se transformar. São pessoas que continuam vivendo.
O amor que a Melissa sente pelo filho e os erros na educação dele aproximam a personagem da Dulce, de Morde & Assopra?Olha que legal: a gente está falando de duas mães com filhos únicos. São exatamente os mesmos erros. Mas a Dulce amava verdadeiramente o filho. Já a Melissa, tenho dúvidas se o amor que ela sente por ela mesma é maior do que qualquer outra coisa. E a relação deles é doentia, meio incestuosa. Ela dá selinho, beija o pescoço dele. Parece que aquele filho mamou até os 15 anos. Como fico muito atenta na relação de mãe e filhos – no que as mães fazem com seus filhos e o que elas permitem que os filhos façam com elas –, eu tento pesar a mão nessa pincelada para ver se essas mães se enxergam.
Você não queria ter filhos e hoje tem quatro. Ser mãe na ficção te ajudou nessa mudança de pensamento?Sim. Em Pantanal, fazia a Maria Marruá, que pariu a Juma Marruá (Cristiana Oliveira) numa canoa. Foi muito marcante para mim. Pensei: “Como vou contar uma história dessa, se abrir mão da maternidade? Preciso viver isso.” Somente lamento não ter filhos com o meu marido de verdade (hoje, o psicanalista João Baptista Magro Filho). Tenho quatro filhos, mas de homens com quem não tive uma vida de parceria.
Você sempre falou abertamente sobre sua vida – sobre aborto, bulimia, bipolaridade. Arrepende-se de ter se exposto tanto?
Tenho muita responsabilidade no que digo, porque sei que vai ser ouvido. E sei que o público gosta de ir além do que vê na TV. Por isso, se algo vai ser útil, eu falo. O fato de ter falado da bipolaridade e da bulimia, por exemplo, foi útil, tanto pra mim quanto para quem precisa de ajuda.
Tenho muita responsabilidade no que digo, porque sei que vai ser ouvido. E sei que o público gosta de ir além do que vê na TV. Por isso, se algo vai ser útil, eu falo. O fato de ter falado da bipolaridade e da bulimia, por exemplo, foi útil, tanto pra mim quanto para quem precisa de ajuda.
Você teve uma vida sofrida e hoje está aí, vencedora. Nunca pensou em fazer uma biografia?Vou fazer minha biografia, porque acho que ela é muito útil. Avalio estes quase 40 anos de trajetória (depois de sair de casa) e vejo uma história que merece ser escrita. Daqui a pouco eu começo a escrever. Vai mexer muito comigo, vai me doer muito, mas hoje quero deixar esse registro.
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