Folha - O senhor é favorável ao impeachment da presidente?
Gustavo Franco - Acho melhor que ela não permaneça. Há quase uma incompatibilidade de gênios entre Dilma Rousseff e a vida econômica. Uma percepção geral de fadiga que indica que o melhor caminho é a mudança.
Quando as coisas começaram a dar errado?
Na descoberta do pré-sal. Criou uma sensação de vitória ou de redenção, uma ideia de que o Brasil deveria seguir um novo modelo.
No plano macro, com a mudança do tripé econômico [regimes de metas de inflação, fiscal e câmbio flutuante]. E, no plano micro, com o abandono da agenda de ambiente de negócios em favor de um relacionamento entre o público e o privado muito pessoal, bastante politizado.
Pode dar exemplos?
No plano macro, a maior distorção são a política fiscal e o desaparecimento do superavit primário, com a criatividade contábil e as ilegalidades envolvidas nas pedaladas.
No plano micro, o exemplo gritante é o da Petrobras, que concentra os vícios dessa nova forma de relacionamento entre público e privado, esse capitalismo de compadrio. O resultado é desastroso, porque praticamente quebrou a Petrobras.
O que é o capitalismo de compadrio?
É essa nova forma de capitalismo pessoal, de campeões nacionais, amigos, compadres. Isso não funciona. Veja pela Lava Jato até onde isso nos levou.
É preciso recuar dessa orientação e lembrar que corrupção é resultado de afastamento de relações de mercado e falta de transparência. Felizmente o Brasil recusou essa bactéria pelos tratamentos de Curitiba.
Quais medidas seriam prioritárias na área econômica num governo Temer?
Existem duas urgências claras. A primeira é a situação dos Estados, por causa das ações judiciais pleiteando juros simples [na correção da dívida].
Nos anos 1990, a União refinanciou as dívidas estaduais, sem fazer o contribuinte federal pagar por comportamento esbanjador por parte dos Estados, mas dando tempo para pagar e tendo garantias muito boas. Tanto que não há mais default da parte dos Estados, que não pagam mais a folha em vez de não pagar ao governo federal.
O governo federal se comportou como uma espécie de FMI [Fundo Monetário Internacional] para os Estados, e essa experiência foi fundamental para a configuração da Lei de Responsabilidade Fiscal. É o momento de um segundo capítulo. A dificuldade nos Estados é transitória, e a solução pode vir de um auxílio da União, a ser dado sob condições de fortalecer a responsabilidade fiscal.
E a outra urgência?
É a dívida pública. O Brasil chegou a um nível de endividamento acima do prudente. Não tenho dúvida de que é preciso recuperar o superavit primário, mas é preciso ter um plano para desalavancar, ou seja, abater a dívida. Com isso, o governo ataca o problema da conta de juros.
A Grécia tem uma dívida de 170% do PIB e paga 5% do PIB em juros. O Brasil tem uma dívida de 70% do PIB, mais ou menos, e paga quase 10% do PIB em juros. Tem algo errado. Essa conta seria reduzida reduzindo-se o tamanho da dívida.
E como isso seria feito?
Privatização e concessões. Por exemplo, a Petrobras tem dentro dela muitos ativos que já estão sendo colocados à venda, mas fora de um programa de privatização. Outra fronteira interessante é a venda de créditos. O Tesouro emprestou meio trilhão de reais ao BNDES. Como o banco vai devolver isso? Além das ações que podem ser vendidas, o BNDES tem o crédito. Você pega os créditos criados com recursos do Tesouro e privatiza. Isto é securitizar.
Privatizações dividem opiniões na sociedade. Como adotá-las dando sinais positivos para população?
O modo como a autoridade articula a retórica desse programa é a profissão dos políticos, que entendem a psicologia popular melhor do que os economistas. O fenômeno importante é que as pessoas relevam o superavit primário menor quando o plano de voo faz sentido.
O PT ocupou cargos em estatais e agências reguladoras até os mais baixos escalões. Será preciso um desmonte?
Em alguns casos, como das agências reguladoras, será preciso uma refundação. Isso seria importante para estabelecer de uma vez que somos uma democracia de mercado, uma economia capitalista de mercado, e não uma economia bolivariana.
Esse plano emergencial passaria por aumento de impostos, pela CPMF?
Idealmente, não. Não creio que seja necessário e nem conveniente.
O benefício das medidas é no longo prazo. Como elas gerariam emprego, tirariam o país da recessão?
Resolvendo esses dois problemas, em dois anos, seria um sucesso consagrador. Se as medidas são boas, elas contam com aceitação da sociedade. Naturalmente, a sociedade antecipa um pedaço dos efeitos positivos delas.
Quanto tempo um novo governo teria de lua de mel com o mercado?
Eu acho que o "período de graças" dura às vezes 24 horas se os sinais iniciais não são de acordo com as expectativas das pessoas. O período é curto não tanto pelas ações, mas pelo plano.
Alguns economistas estão prevendo queda do PIB ainda maior neste ano, desemprego crescente. E o senhor?
Não é fácil conseguir um fracasso desse tamanho. É resultado de muitas decisões erradas, em sucessão, mas eles [governo] conseguiram. Mas tenho por hábito não prever, apenas observar as previsões.
O senhor vê governabilidade com a Câmara numa eventual presidência Temer?
Será melhor, até porque hoje não há nenhuma. Depois que um vice-presidente assume, a coalização que o apoiou no impeachment se torna sua maioria parlamentar, pelo menos na partida.
Um caso interessante foi o do José Sarney, que assumiu com a tragédia do presidente Tancredo [Neves]. Ele assumiu com uma sensação de menor legitimidade, após o esforço de redemocratização. É uma lição porque houve o pecado de querer agradar a todo o mundo, algo cometido de forma serial na Nova República, e o resultado em matéria de inflação foi o pior possível.
Há questionamentos sobre a legitimidade de um governo Temer. É um risco?
O Michel Temer foi eleito tanto como a Dilma Rousseff. Receberam os mesmos votos. Vamos ter clareza sobre isso. Outra coisa é que a presidente não foi eleita imperatriz. Ela foi eleita chefe do Executivo, que é um dos Três Poderes. O Legislativo também foi eleito.
O Judiciário não é eleito, mas tem seu rito de seleção. E a ideia da divisão de poderes é um tomar conta do outro. Não há ilegitimidade ou golpe. Foi longe demais esse discurso.
O nome do senhor foi cotado para a equipe de Temer.
Eu vi muitos nomes da maior qualidade cogitados. Para mim, é uma honra estar entre eles. Mas participar de governo, eu acho que não. Tenho projetos pessoais e profissionais. Estou terminando um livro e gostaria de voltar à docência.
Não fui procurado. Mas os nomes que eu ouvi, uns quatro ou cinco, são muito bons.
Mas alguns dos cotados parecem resistir.
O que talvez esteja afetando a escolha é exatamente como vai ser o governo. É difícil o vice-presidente falar antes que a situação esteja consolidada.
O país está ansioso sobre como ele pretende organizar a situação política, qual coalizão o apoiará, com qual programa e ideias. Isso é mais importante que os nomes.
O senhor vê chance de Dilma permanecer?
Parece-me que não. Infelizmente há uma procrastinação, que está virando uma via-crúcis, um festival de autopiedade e de sofrimento da presidente que parece não ter mais perspectiva política.
Ela se abraça no conforto imaginário de que está sendo tirada do cargo por um processo ilegítimo, um golpe, o que evidentemente é uma ilusão. E aí o processo se prolonga e o país fica à espera do desfecho desse sofrimento, que, tomara, seja rápido para que a gente possa retomar a vida de onde ela parou.
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