Remake da novela que Ivani Ribeiro escreveu para a TV Tupi entre 1975 e 1976. Repetia-se a dobradinha Ivani-Wolf Maya (o diretor geral) de Mulheres de Areia, sucesso do ano anterior. A reedição de A Viagem – a exemplo de Mulheres de Areia, também remake de uma antiga novela da autora – alcançou ótima repercussão com excelentes números de audiência: foi um dos maiores sucessos da Globo na década de 1990.
Em 1994, a novela substituta de Olho no Olho, de Antônio Calmon, seria Vira-lata, de Carlos Lombardi, que inclusive entrou em produção. Entre outros problemas, dificuldades relacionadas ao treinamento dos cães da trama atrapalharam os trabalhos e a sinopse acabou engavetada. Vira-lata foi finalmente produzida dois anos depois, em 1996. (pesquisa: Duh Secco)
A intenção da Globo era exorcizar a malfadada Olho no Olho, história “paranormal jovem” criticada de todos os lados. A princípio, A Viagem estava cotada para o horário das seis. Optou-se pela história de Ivani Ribeiro por ela ser mais dramática, romântica e “adulta”, ainda que permanecendo no âmbito do sobrenatural. Ainda assim, a emissora demorou para decidir por ela, por causa do impasse com Vira-lata. Quando o martelo foi finalmente batido, o diretor Wolf Maya teve apenas vinte dias para pôr a novela no ar. (TV-Pesquisa PUC-Rio)
Foi a última novela de Ivani Ribeiro, que faleceu no ano seguinte ao de sua exibição, em 17/07/1995, aos 74 anos, vítima de insuficiência renal. Antes de morrer, a novelista deixou encaminhada uma sinopse, intitulada Caminho dos Ventos, posteriormente produzida, em 1996, escrita por Solange Castro Neves (colaboradora em seus últimos trabalhos) e Lauro César Muniz, com um novo título: Quem é Você.
Ivani Ribeiro já estava muito doente quando A Viagem foi ao ar, com dificuldades para enxergar por complicações com diabetes. Solange Castro Neves lia os originais para Ivani e as duas discutiam as adaptações e rumos da trama. Seguindo as orientações da autora, a colaboradora redigia os capítulos. Depois, lia em voz alta para Ivani, que sugeria alterações. (“Ivani Ribeiro, a Dama das Emoções”, Carolline Rodrigues)
A novela abordou a vida após a morte baseada na filosofia de Allan Kardec (1804-1869), o codificador do Espiritismo. A autora usou de sua história e personagens para apresentar detalhes da doutrina kardecista. Foram levantadas e discutidas várias dimensões da crença, desde o preconceito dos leigos até estudos científicos. Também a comunicação entre vivos e mortos por meio da mediunidade, espíritos encarnados e desencarnados, obsessões, crendices populares, etc.
As irmãs Diná e Estela (Christiane Torloni e Lucinha Lins), por exemplo, pressentiam quando estavam próximas uma da outra e se comunicavam por telepatia; Tibério (Ary Fontoura) conversava com um espírito que ficava o tempo todo ao seu lado; Dona Cininha (Nair Bello) era uma mulher supersticiosa e cheia de crendices; Dona Guiomar, Téo e Tato (Laura Cardoso, Maurício Mattar e Felipe Martins) sofriam a influência do espírito maligno de Alexandre (Guilherme Fontes); e o Dr. Alberto (Cláudio Cavalcanti) era um sensitivo que realizava sessões mediúnicas nas quais orava pela alma atormentada de Alexandre.
O ceticismo também foi um debate constante e importante para o desenrolar trama, principalmente por meio dos personagens Raul e Téo (Miguel Falabella e Maurício Mattar).
Em 1975, para escrever a trama da novela, Ivani baseou-se em dois livros psicografados por Chico Xavier (1910-2002), narrados pelo espírito André Luiz: “Nosso Lar” e “E a Vida Continua”, primeira e última obras, respectivamente, da coleção “A Vida no Mundo Espiritual”, publicada pelo médium entre 1944 e 1968. Também teve a colaboração do professor Herculano Pires (1914-1979), um dos maiores escritores e estudiosos da doutrina kardecista.(“Ivani Ribeiro, a Dama das Emoções”, Carolline Rodrigues)
A princípio, a autora pensou em adaptar um livro de Chico Xavier. Porém, foi o próprio Chico que sugeriu a Ivani que ela mesma desenvolvesse uma trama que abordasse o tema. (“De Noite Tem… Um Show de Teledramaturgia na TV Pioneira”, Mauro Gianfrancesco e Eurico Neiva)
A exibição de A Viagem na Globo aumentou em 50% a venda de livros sobre Espiritismo, segundo dados levantados na época por livrarias especializadas. (Site Memória Globo)
No elenco, destaque para os trabalhos de Christiane Torloni, Guilherme Fontes, Andréa Beltrão, Thaís de Campos, Laura Cardoso, Yara Côrtes, Jonas Bloch, Fernanda Rodrigues, Suzy Rêgo, John Herbert, Ary Fontoura, Nair Bello, Denise Del Vecchio e Breno Moroni. Porém, as melhores interpretações foram de Lucinha Lins e Cláudio Cavalcanti, como o casal Estela e Alberto.
Cláudio Cavalcanti narrou ao projeto Memória Globo que recebia muitas cartas de telespectadores dizendo-se reconfortados por suas palavras na novela. As cartas eram dirigidas ao seu personagem, o médium Alberto. (Site Memória Globo)
Christiane Torloni ficou marcada pelo papel da protagonista Diná, uma mulher charmosa e de temperamento forte, mas que, a princípio, sofria com o ciúme doentio pelo marido. O diretor Wolf Maya afirmou em entrevista ao programa Reviva (do canal Viva, em 2014), que precisou convencer Christiane Torloni a voltar ao Brasil para protagonizar A Viagem. A atriz vivia um momento delicado de sua vida, após a morte do filho Guilherme, de doze anos, em um acidente de carro em sua casa. Ela mudara-se para Portugal e só aceitou o convite porque Wolf lhe pregou uma mentira. O diretor prometeu um papel de comédia, mas sabia que seria importante para a atriz, naquele momento, interpretar a protagonista de uma trama espírita.
Na primeira pesquisa de opinião (o grupo de discussão) realizada com telespectadores, foi constatado o apreço do público por Diná. As mulheres entendiam que os barracos da personagem eram decorrentes da má conduta do marido Téo (Maurício Mattar), dado a flertes com mulheres mais jovens. O ciúme de Diná, tão admirado, era entendido como defesa do matrimônio. Contudo, todos também amavam Lisa (Andréa Beltrão), especialmente por conta de seu perfil batalhador (ela sustentava o pai e o irmão com seu trabalho em um salão de beleza). A unanimidade de Lisa era necessária para que o público aceitasse o fim da união de Diná e Téo, o namoro dele com Lisa e o envolvimento de Diná e Otávio (Antônio Fagundes). (pesquisa: Duh Secco, portal TV História)
Além de ser uma novela extremamente romântica, A Viagem enaltecia as relações familiares e de amizade. O público lembra com carinho da relação fraternal entre as irmãs Diná e Estela (Christiane Torloni e Lucinha Lins), em que uma sentia quando a outra estava próxima, e até mesmo as sensações uma da outra; e a amizade #bff (best friends forever) de Lisa e Carmem (Andrea Beltrão e Suzy Rêgo).
Mais de vinte anos depois da novela, Alexandre, papel que marcou a carreira do ator Guilherme Fontes, virou meme na internet. Proliferam nas redes sociais imagens humorísticas com fotos do “diabo loiro” em frases engraçadinhas. Até hoje o ator é abordado por conta do personagem.
Destaque também para a misteriosa figura do Mascarado, que vivia fantasiado de pierrô e escondia o rosto e o passado atrás de máscaras, enquanto encantava a todos com suas mímicas e performances circenses. Na trama, Mascarado evitava se revelar para Carmem (Suzy Rêgo), um antigo amor que não o reconhecia e não sabia que ele havia sofrido um acidente que o deixou com queimaduras pelo corpo.
O ator era Breno Moroni, cujo rosto, quando não estava com máscara, aparecia sob uma pesada camada de látex que caracterizava a face desfigurada do personagem. Moroni era conhecido da TV dos anos 1980, quando apareceu com a modelo Maria Eugênia na abertura da novela Champagne (1983-1984). Em entrevista ao UOL (publicada em 24/07/2014, por ocasião da primeira reprise da novela no canal Viva), o ator revelou detalhes sobre o personagem:
– no início da trama, ele era apenas uma espécie de palhaço que fazia propaganda em frente às lojas. Aos poucos, o personagem cresceu, cativou o público e até recebeu um nome: Adonay;
– a ideia de ter um personagem se comunicando por mímicas nasceu de um problema técnico: quando o ator falava de dentro da máscara, o som saía ruim. Optou-se então por abandonar a fala;
– antes de ganhar o apelido de Mascarado, o personagem atendia por Sombra (como foi chamado no capítulo 22), nome trocado por causa de um pedido de Fausto Silva, que já tinha um Sombra em seu programa Domingão do Faustão, no quadro em que o ator Santiago Galassi fazia brincadeiras com as pessoas nas ruas;
– as manobras circenses (como andar no arame ou subir em telhados) eram executadas pelo próprio ator, que dispensava dublês por ter experiência em picadeiro e formação profissional como dublê;
– ao final da trama, quando Mascarado tira o disfarce para Carmem, a Globo recebeu inúmeras cartas pedindo a volta da máscara e das pantomimas do personagem.
A versão da TV Tupi tinha um personagem equivalente, o Sombra (como a princípio o Mascarado da Globo foi chamado), vivido por Carlos Augusto Strazzer, mas cuja trama não teve o mesmo desenvolvimento e repercussão que a da novela da Globo.
Para fugir das imagens estereotipadas de representação do céu, a produção escolheu um campo de golfe em Nogueira, distrito de Petrópolis (RJ), para ambientar o Nosso Lar. Já o Vale dos Suicidas, para onde Alexandre (Guilherme Fontes) vai depois de morto, era uma pedreira desativada em Niterói (RJ). (Site Memória Globo)
Ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia” (do Projeto Memória Globo), Miguel Falabella (do elenco da novela) brincou que os atores não desejavam que seus personagens morressem, para não precisar gravar no Céu (que era longe) e que prefeririam que fossem para o Inferno (mais perto, em Niterói).
A equipe de cenografia produziu 50 cenários e mais de 200 ambientes especialmente para a novela. Todo o aparato era montado e desmontado nos estúdios da Herbert Richers, no bairro carioca da Tijuca. Além disso, em Jacarepaguá – período pré-Projac – foi construída a cidade cenográfica para representar a vila na Urca (Zona Sul do Rio) onde moravam Estela, Lisa, Dona Cininha e outros personagens. (Site Memória Globo)
O visual dos personagens seguiu seus perfis psicológicos e características destacando a moda dos meados dos anos 1990: Diná, uma mulher sofisticada, usava modelitos (vestidos, túnicas e pantalonas) retos, longos e esvoaçantes, com colares de cordões e pedras; Lisa, mais jovem e despojada, fazia a linha clubber romântica, com meias três-quartos, saias colegiais curtas, botas e gargantilha ou cordão no pescoço; Otávio (Antônio Fagundes), Téo (Maurício Mattar) e Raul (Miguel Falabella), em momentos de lazer, usavam camisetas de gola canoa, listradas, na moda na época; o músico Zeca (Irving São Paulo), de cavanhaque, costeletas e cabelo desgrenhado no início, ficava com um ar de roqueiro grunge; e o rebelde Alexandre (Guilherme Fontes) vestia-se sempre de preto, com destaque para a jaqueta de couro e a blusa de gola rolê.
Elementos de cena e ambientações da novela remetem ao mais representativo da década de 1990: os primeiros PCs (computadores pessoais), os celulares tijolões, os disc-men (para ouvir CDs), o Kadett GSI conversível vinho de Diná (um sonho de consumo da época) e a videolocadora da qual Diná e Andreza (Thaís de Campos) eram sócias.
Na versão original de A Viagem, o advogado César Jordão (Altair Lima) era um dos protagonistas. Como na novela anterior da Globo no horário das sete, Olho no Olho, já havia um personagem de destaque chamado César (Zapata, de Reginaldo Faria), Ivani, para o remake de A Viagem, mudou o nome de seu protagonista para Otávio César Jordão (ou apenas Otávio Jordão).
Outros personagens também tiveram seus nomes alterados. Dona Josefina (Yolanda Cardoso), mãe de Téo, teve o nome reduzido para Josefa (Tânia Scher). Em um descuido no roteiro do capítulo 6, Alberto (Cláudio Cavalcanti) chama Josefa de Josefina.
Entre outras mudanças de nomes: Maria Lúcia (Suzy Camacho), a filha de Estela na Tupi, chamou-se Bia na Globo (Fernanda Rodrigues); Dona Isaura (Carmem Silva), mãe de Diná, passou a ser Dona Maroca (Yara Côrtes); e a Dona Cidinha (Lúcia Lambertini), proprietária da pensão, passou a ser no remake Dona Cininha (Nair Bello). O sobrenome da família de Diná também foi alterado, de Veloso para Toledo.
Laura Cardoso precisou ausentar-se por mais de um mês das gravações da novela para fazer uma cirurgia. A personagem Guiomar passou a ser apenas citada e sua ausência foi explicada também com uma cirurgia. Logo, tanto atriz quanto personagem recuperaram-se e voltaram à cena.
Na reta final da trama, o ator Miguel Falabella tornou público o seu descontentamento com a novela. Em entrevista à Folha de São Paulo (de 02/10/1994), o ator fez críticas à produção.
“É uma novela muito cansativa de fazer. Tem cenários demais. A ação não é concentrada”, disse Falabella, que não culpou a escritora Ivani Ribeiro, mas sua colaboradora, Solange Castro Neves. “É essa moça que está adaptando. Ela coloca a gente em cenas muitas vezes, em todos os cenários, não sei para quê. Isso é uma técnica que o Cassiano [Gabus Mendes] – que Deus o tenha! – dominava perfeitamente. Ele sabia poupar os atores”, completou.
Solange Castro Neves rebateu: “Tem muito artista que grava muito mais cenas do que ele e nunca reclamou.” Ela ainda citou que a insatisfação do ator se devia ao estilo de seu personagem, Raul. “Ele queria um papel cômico, mas sabia que o papel de Raul não era assim”, enfatizou.
Na época, além de A Viagem, Miguel Falabella também apresentava diariamente o Vídeo Show.
A jovem atriz iniciante Chris Pitsch (que viveu a personagem Bárbara) faleceu em 1995, um ano depois da novela, aos 25 anos de idade, vítima de uma parada cardíaca.
Primeiro trabalho na televisão dos atores Lúcio Mauro Filho, Kiko Mascarenhas, Thierry Figueira e Myrian Freeland (os dois últimos, ainda adolescentes).
Na última semana da novela, houve a participação do ator, diretor e dramaturgo Ronaldo Ciambroni, como um comparsa de Ismael (Jonas Bloch) que o resgata do hospital travestido de avó do personagem. Um dos poucos trabalhos de Ciambroni na Globo. A avó simplória com sotaque italianado – Donana – já era um tipo que o ator fazia no teatro, com o qual retornou depois no humorístico A Praça é Nossa, do SBT.
Cláudio Corrêa e Castro foi o único ator a participar das duas versões de A Viagem: na primeira (em 1976, na Tupi) viveu Daniel, mentor do Nosso Lar, e na segunda (1994, na Globo) fez uma participação como o advogado de defesa de Alexandre.
A novela não deixou de ser exibida durante a Copa do Mundo de 1994, nos Estados Unidos, mas foi remanejada para diversos horários em razão das alterações de grade impostas pelos jogos: 18h30, 19h05, 19h40, 19h55, 20h20.
As edições necessárias para atender as mudanças de grade neste período acabaram por gerar os chamados capítulos “A” – quando um capítulo escrito pelo autor é dividido em dois na edição, ocupando dois dias de exibição. Nos resumos da Globo, constam o 61A, 67A, 70A, 74A e 78A. Além do 37A, que antecede o suicídio de Alexandre, e o 46A. Logo, A Viagem conta com 160 capítulos escritos e 167 exibidos. (pesquisa: Duh Secco, portal TV História)
O crime de Alexandre, no primeiro capítulo, deu início à história da novela. Em seus 160 capítulos escritos (167 exibidos) A Viagem teve três pontos de virada, que movimentaram a trama: o suicídio de Alexandre, no capítulo 39, a morte de Otávio, no capítulo 107, e a morte de Diná, no capítulo 145.
Em uma sessão de regressão (exibida entre os capítulos 106 e 107), Otávio descobre seu envolvimento com Diná em vidas passadas. A última encarnação foi no século 18: Otávio era Lord Jordan, apaixonado por Diana (Diná), filha de um duque, prometida do Conde Alessandro (Alexandre). O duque, não aceitando esse casamento, enviou o jovem conde para o oriente. No dia do casamento de Jordan e Diana, Alessandro retorna. Os dois pretendentes da moça se enfrentam em um duelo e Alessandro é morto. Diana, sentindo-se culpada pelo que aconteceu, afasta-se de Jordan e cai doente, vindo a falecer em seguida, chamando por Jordan.
A lembrança dessa encarnação marca o dia da morte dos personagens, pois tanto Otávio quanto Diná morreram no dia em que lembraram de suas vidas anteriores: Otávio por meio de uma regressão (no capítulo 107) e Diná em um sonho (no capítulo 145).
Em uma encarnação anterior, na Idade Média – exibida no capítulo 152, quando Diná já estava no Nosso Lar -, ela era uma princesa e sua carruagem atropela Otávio, um plebeu – o que ocorreu na atualidade, quando Diná atropelou Otávio com seu carro.
Os casal nunca se casou em nenhuma das encarnações, pois sempre havia um obstáculo. A vida os separou e a morte os uniu.
A abertura de A Viagem apresentava uma animação em que paisagens naturais perdiam o foco e se deformavam, transformando-se em relevos abstratos e nuvens, simbolizando a perda da consciência e o transporte a outras dimensões. A música-tema – que leva o nome da novela, composta por Cleberson Horsth e Aldir Blanc – tornou-se um dos maiores sucessos da banda Roupa Nova e é até hoje associada à novela.
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