Ao trocar a Wired por uma fábrica de drones, Chris Anderson viu como o México contribui para o setor de tecnologia nos EUA
Em novembro, larguei meu emprego de editor-chefe da revista Wired para dirigir a 3D Robotics, uma companhia de San Diego que produz veículos aéreos não tripulados (drones) e que fundei com um sócio há três anos como um projeto paralelo. Nós produzimos tecnologia de pilotagem automática e aeronaves pequenas – tanto aviões quanto helicópteros multirrotores – que podem voar sem tripulação. Os drones, que são vendidos por algumas centenas de dólares, são para usos civis: eles apenas tiram fotos e filmam. E são incrivelmente divertidos de construir (o que fazemos com a ajuda de robôs). Não foi uma decisão difícil trocar o trabalho editorial por isto.
Mas minha empresa, como muitos fabricantes, enfrenta um desafio conhecido: seus principais competidores são fabricantes chineses que têm a dupla vantagem de mão de obra barata e engenharia de alto nível. Por isso, naturalmente, quando buscamos financiamento no ano passado, alguns investidores exigiram uma explicação plausível sobre como nossa pequena empresa poderia vencer suas rivais chinesas. A resposta foi tão surpreendente para os investidores como foi para mim alguns anos atrás: México. Mais especificamente, Tijuana.
Até recentemente, quando eu ouvia falar em Tijuana só pensava em carteis da droga e tequila barata. “TJ”, contudo, é uma cidade de mais de 2 milhões de habitantes (maior que a vizinha norte-americana San Diego), e se tornou a central de montagem de eletrônicos da América do Norte: a maioria das TVs de telas plana vendidas nos Estados Unidos, de fabricantes como Samsung e Sony, é feita ali, e também todo tipo de produto, de dispositivos médicos a peças aeroespaciais.
Jordi Munoz, o jovem esperto que me ensinou tudo sobre drones e depois começou a 3D Robotics comigo, é de Tijuana – e ele me convenceu a construir uma segunda fábrica na cidade para complementar o trabalho feito em San Diego.
Viajando entre as duas fábricas – San Diego, onde planejamos os drones, e Tijuana, onde os montamos – me lembrei de uma experiência parecida que tive uma década atrás. No final dos anos 1990 e início dos 2000, eu vivia em Hong Kong (trabalhando para a revista Economist) e vi como aquela cidade havia feito uma parceria com a zona econômica especial de Shenzhen do outro lado da fronteira com a China continental na província de Guangdong. Juntas, as duas regiões asiáticas criaram um centro manufatureiro de impacto internacional: negócios, planejamento e finanças em Hong Kong, e fabricação em Shenzhen. A clara divisão de trabalho tornou-se um modelo para a China moderna.
Hoje, o que Shenzhen é para Hong Kong, Tijuana está se tornando para San Diego. É possível ir do nosso centro de engenharia em San Diego para nossa fábrica em Tijuana em 20 minutos, sem exigência de passaporte. (É necessário passaporte para voltar, mas há pistas de trânsito rápido para empresários).
Alguns de nossos funcionários cruzam a fronteira todos os dias entre suas casas e o trabalho. Bons médicos são mais baratos e mais fáceis de encontrar em Tijuana, assim como escolas particulares, embora em geral seja mais charmoso viver em San Diego. De certo modo, a fronteira se parece mais com as fronteiras nacionais da União Europeia do que uma divisão entre o mundo desenvolvido e o em desenvolvimento.
E não é apenas Tijuana. A leste, em Juarez, computadores Dell são montados pela Foxconn, a companhia que fabrica mais de 40% dos eletrônicos mundiais (entre eles o iPhone e o iPad da Apple). Ao sul, em Queretaro, uma fábrica produz as transmissões que a General Motors instala em seus Corvettes. O projeto da turbina para jatos GEnx da General Electric e a produção de peças internas do avião Dreamliner 787 da Boeing também são feitos no México. Os produtos manufaturados são a principal exportação do país, e o investimento privado nesse setor está entre os mais altos do mundo. A noção de que o México oferece apenas mão de obra barata é completamente errada. O México forma cerca de 115 mil engenheiros por ano – aproximadamente três vezes mais que os Estados Unidos numa base per capita.
Competição. Um resultado disso é que, tipicamente, é mais fácil encontrar alguns especialistas em Tijuana do que em muitas cidades grandes norte-americanas. Entre eles, estão contadores experientes em economia de produção e outros trabalhadores altamente especializados. Essas peças todas se somam num modelo capaz de deter a tão procurada resposta de como fabricantes dos Estados Unidos podem competir com os seus concorrentes da China, da Índia e da próxima geração de potências econômicas. E essa é também uma maneira de criar milhares de bons empregos nos Estados Unidos.
Quando começamos a 3D, produzíamos tudo na China e precisávamos encomendar milhares de unidades para conseguir um preço bom. Isso significava que tínhamos de gastar quantias grandes de dinheiro para produzir em grandes lotes – dinheiro que não veríamos de novo até que todos os produtos fossem vendidos, às vezes um ano ou mais depois. Agora que fazemos nossa produção localmente, podemos fazer apenas o que precisamos entregar naquela semana.
Segundo, há menos risco. Se cometermos algum erro de projeto, perdemos no máximo o valor de alguns dias de produção. Se houver algo errado no processo de produção, podemos resolver o problema com rapidez.
Controlamos o estoque de componentes, de modo que sabemos que tipo de peça será usada nos nossos produtos, e sabemos também que elas não são peças pirateadas ou usadas. E, se quisermos proteger nossa propriedade intelectual, podemos fazê-lo sem ter de confiar que outras empresas defendam nossos interesses acima de todos os outros. E isso sem falar no risco político, no risco ambiental e no risco de problemas com as relações públicas sobre os quais empresas como Apple e Walmart aprenderam na China da maneira mais dura.
Terceiro, é mais rápido. Ainda encomendamos algumas peças da China. E, apesar de usarmos o FedEx (serviço de entregas rápidas), a entrega sempre parece demorar semanas a mais, e às vezes meses, do que tínhamos planejado.
Esta não é uma crítica à China: é simplesmente algo intrínseco a qualquer relação entre pequenos compradores e grandes fabricantes. Se fôssemos a Apple, teríamos o serviço do dia para a noite. Mas não somos, por isso, temos de esperar.
Quando se terceiriza a fabricação de enormes quantidades de um produto, não se pode mudar o projeto até ter vendido todos os estoques que já foram produzidos. Isso com frequência significa que teremos de esperar que a Versão 1 seja totalmente vendida antes de fazer a Versão 2. Mas quando se produz pequenas quantidades em uma fábrica próxima, pode-se mudar o produto todo dia se for essa a vontade – seja para aproveitar algum componente melhor ou mais barato, ou para melhorar o projeto.
Se fatores como esses serão suficientes para transformar as empresas norte-americanas é uma questão em aberto. Mas estou apostando meu dinheiro que sim. A sensação que tive quando cruzei de Hong Kong para Shenzhen em 1997 é o que sinto agora quando cruzo a fronteira de San Diego para Tijuana. É possível fazer as coisas. As rotas comerciais do século 21 não precisam seguir Marco Polo, do Ocidente para o Oriente. Aliás, no novo panorama industrial, as rotas nem precisam nos levar para longe.
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