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Por que sucesso da música sertaneja e dos rodeios dependem um do outro

 Gustavo Lima 


não cantou na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, no interior de São Paulo, este ano. Artista sertanejo mais bem-sucedido da atualidade, com um cachê que pode chegar a R$ 1 milhão, ele ficou caro demais para o principal rodeio do Brasil, que também abriga um dos maiores festivais de música do país.

"Não chegamos a um denominador comum em termos de valores", diz Hussein Gemha Júnior, presidente de Os Independentes, associação que organiza o evento. "Estamos vivendo o momento pós-pandêmico, então coisas que a gente aguentava pagar no passado, hoje fica mais difícil."

Dá para contar nos dedos o número de sertanejos, como Gusttavo Lima, cujas carreiras não giram em torno dos rodeios e feiras agropecuárias. Tirando essa elite, os maiores cachês do gênero, todo o ecossistema da música sertaneja mantém uma relação de interdependência com esses eventos.

"As feiras são o carro-chefe de qualquer artista", diz Marcinho Costa, um dos maiores contratantes de shows da música sertaneja. "Quando começa a carreira, o objetivo é estar nas feiras agropecuárias, rodeios e festas do peão. É o maior campo de vendas hoje."

É uma questão de demanda, diz Costa. Barretos é a principal festa do peão, mas só este ano, segundo dados da CNAR, a Confederação Nacional de Rodeio, a previsão é de que sejam realizados 1.200 eventos —contra 900 do ano passado.

O setor ainda projeta receitas de cerca de R$ 10 bilhões em 2023. Até o ano passado, o valor era estimado em pouco mais de R$ 8 bilhões.

As regiões que recebem a maior quantidade de festas do peão são também as que concentram o maior número de artistas da música sertaneja. São os estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Paraná e Mato Grosso do Sul. A estimativa é que pelo menos 400 dos 645 municípios paulistas tenham rodeios ao longo deste ano.

"O rodeio veio antes dos shows terem a dimensão e importância que têm hoje nas festas de peão", diz Gemha Júnior. "Mas, hoje, eles andam lado a lado. São irmãos siameses que você não pode mais fazer cirurgia para separar."

Uma festa de rodeio sem música, diz o presidente de Os Independentes, "não é uma festa". E um show sertanejo, sem rodeio, "também sofre muito".

A festa de Barretos acontece há quase 70 anos, mas a montaria em touros ganhou força no fim dos anos 1970. A relação entre os rodeios, hoje reconhecidos como esporte, e as apresentações de música foi se estreitando a partir dos anos 1980.

Foi o que disseram Chitãozinho e Xororó a este repórter, em entrevista no ano passado. A dupla no começo da carreira tinha o costume de tocar em circos, mas especialmente depois de "Fio de Cabelo", de 1982, ficaram grandes demais para esses eventos, e passaram a ser chamados para as festas do peão.

"Antigamente, as duplas não vendiam cachê", diz Chitãozinho. "Fomos um dos primeiros a ser contratados com cachê por exposição agropecuária, como a de Uberaba."

Xororó lembra-se que quando eles se apresentaram em Barretos pela primeira vez, não tocaram na arena projetada por Oscar Niemeyer —com capacidade para 35 mil pessoas sentadas, e 50 mil em pé, inaugurada em 1985. "Era num estádio de futebol, com um tablado no meio do campo, gente de todos os lados", diz. "E o som era ‘qualquer coisa’."

A música sertaneja e o rodeio cresceram a partir de então, paralelamente à incorporação da estética do country dos Estados Unidos —de onde, aliás, os rodeios foram importados. Chitãozinho e Xororó iam a Nashville e se inspiravam nos instrumentos, como o banjo, e na moda, como o chapéu e as calças franjadas.

Nos anos 1990, o sertanejo ascendia para se tornar a música mais ouvida do país, especialmente na mão dos Amigos —com Zezé di Camargo e Luciano e Leandro e Leonardo, além de Chitãozinho e Xororó. Em 1995, o Brasil passou a transmitir o CMT, ou Country Music Television, espécie de MTV da música country.

Um ano antes, Adriano Moraes ganhou o primeiro de seus três títulos mundiais de rodeio, no evento da PBR (Professional Bull Riders). Desde então, em edições anuais, só brasileiros e americanos ganharam o prêmio —a exceção é um australiano, em 1998.

"O rodeio começou a ter força mesmo quando começamos a sair do país, a mostrar lá fora quem são os competidores brasileiros", diz Gemha Júnior, citando alguns dos 13 títulos conquistados por peões daqui, além das mais de 200 etapas da elite do campeonato.

Entre 2001 e 2002, a legislação passou a reconhecer o rodeio como prática esportiva. Para Gemha Júnior, esse período na virada do século foi quando o rodeio se firmou de vez.

É o ápice de um processo que vem desde a migração em massa da população do interior para as grandes cidades, passa pelas evoluções estéticas do gênero e pelo domínio do rádio. Desde então, é possível dizer que não existe —ou, pelo menos, do jeito que conhecemos— música sertaneja sem as festas de peão, e nem o contrário.

Hoje, há um panteão de artistas com cachês que circulam em torno de meio milhão de reais, ou daí para cima. Salvo alguma exceção, são eles Jorge e Mateus, Henrique e Juliano, Zé Neto e Cristiano, Hugo e Guilherme e a mais nova integrante desse time, Ana Castela, além de Gusttavo Lima.

São grandes vendedores de ingressos, rodam o país, e não dependem tanto das festas do peão, que devem representar cerca de 20% a 30% de sua agenda, segundo pessoas da indústria ouvidas pela reportagem. No caso de artistas de médio porte, esse número pode chegar a 80%, e entre os menores chega a bater quase 100%.

"Na maioria dos casos, os artistas médios e pequenos ganham nesses eventos mais do que num show normal, enquanto os grandes ganham menos", diz JP Ferolla, que é empresário do setor e presta serviços de marketing para nomes como Gustavo Mioto e Bruno e Marrone.

Ele conta que, mesmo sendo menos vantajoso financeiramente do que lucrar com a bilheteria num show solo, há uma importância extra para os artistas maiores estarem atrelados a festas maiores, como Barretos. São vitrines, oportunidades de consolidar um repertório, e rendem popularidade e prestígio a quem faz parte delas.

Há inclusive uma época de alta temporada, quando chove menos no sudeste e no centro-oeste do país, entre abril e novembro. "Tem artista que faz praticamente só o mercado de feiras, então ele fica em casa de dezembro até passar o carnaval", diz Marcinho Costa, o contratante.

Costa, que está há 35 anos atuando nesse meio, viu crescer o número de cidades pequenas que passaram a ter as festas do peão. Especialmente nesses casos, há um aporte de dinheiro público, comum na maioria desses eventos, em proporções maiores do que o investimento privado.

"Toda prefeitura tem verba para cada setor, como saúde, educação e também cultura", diz Costa. "O cara que trabalha a semana inteira, quando chega no fim de semana, ele se diverte. Ele tem condições de ver um show na cidade dele."

Para determinar o valor de um cachê, a prática comum é o artista apresentar três notas fiscais de contratos prévios provando que ele vale aquele preço. Portanto, para cantores médios e pequenos, é possível lucrar mais do que ele arrecadaria num evento privado —basta conseguir as notas fiscais.

Já os grandes nomes acabam custando mais do que as prefeituras de pequenas cidades podem pagar, e os cachês têm de ser complementados por patrocinadores. É, portanto, mais conveniente para eles lucrar com bilheteria e venda de bebidas em eventos privados.

Mas para chegar a esse patamar, um nome como Gusttavo Lima passou anos tocando nas festas do peão. Ou seja, mesmo quando ele não depende mais dos rodeios, eles o ajudaram a chegar nessa posição.

É uma relação benéfica para ambas as partes, que se retroalimentam. Sem os shows, os rodeios não teriam a mesma capacidade de reunir público e movimentar a economia de uma cidade.

E se as festas do peão não existissem, diz Marcinho Costa, a música sertaneja teria que se "reinventar completamente". "A demanda por shows seria muito menor", ele afirma. "É assim: quanto mais artista tiver, melhor. Principalmente depois da pandemia, a demanda está muito alta."

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