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Quais são os benefícios da faxina para a saúde mental?


 Imagine um quarto com a cama desfeita, sobras de comida e canecas na escrivaninha e roupas sujas espalhadas pelo chão. Imaginou? Para uma parcela de pessoas, essa cena é capaz de despertar sentimentos negativos. Isso porque a desordem tende a ser associada à confusão, irritabilidade, ansiedade e até preocupação.

“O ser humano demanda o mínimo de organização e previsibilidade“, explica o psicólogo Wagner de Lara Machado, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). “Tanto que uma das primeiras orientações dos pediatras para os pais é: tenha uma rotina. E ela só vai ficando mais complexa ao longo do desenvolvimento.”

Um estudo publicado no The Journal of Neuroscience examinou como o cérebro humano funciona em meio ao caos e os resultados mostraram que organizar o ambiente ao redor pode ser uma maneira de garantir que a nossa capacidade mental (que é limitada) seja usada da melhor maneira possível.

Em resumo, se o campo de visão estiver cheio de objetos que não têm nada a ver com nosso objetivo, mais o cérebro precisará trabalhar para manter cada um deles fora de foco. “O nosso cérebro é meio acomodado. Ele gosta de saber onde estão as coisas e o que vai acontecer. Em um lugar muito bagunçado, ele não consegue processar aquele tanto de informação, e gasta muita energia tentando entender tudo o que está acontecendo”, ensina a neuropsicóloga Camilla Monti Oliveira.

A estudante Luciana Saravia, de 23 anos, conhece bem esse sentimento. “Em um espaço arrumado fico em paz. No meio da bagunça, me sinto inútil e acho que nada que fizer ali sairá direito”, declara. A prática da arrumação vem desde os seus 12 anos de idade – em grande parte imposta pela mãe, que fazia questão de ter uma rotina regrada de limpeza. Mas Luciana só entendeu como o hábito afetava o seu próprio bem-estar quando se mudou para fazer faculdade.

Giullia e Nicole, amigas de Luciana e também moradoras da casa, ajudam nas tarefas da casa. “Não tem como sempre estar do jeito que cada uma gosta. Mas você aprende a se comunicar e entende que a sua regra de limpeza não é universal”.

A organização da casa diz muito sobre cada um. “É a externalização de um funcionamento interno. Ou seja, o ambiente vai ser uma forma de representar conflitos e de materializar o que acontece dentro de nós”, explica Machado. Assim como pessoas ansiosas e estressadas aprendem exercícios de respiração ou relaxamento, começar a organizar o ambiente que nos cerca pode ser um bom jeito de colocar pensamentos e emoções em ordem.

“À medida que controlamos o ambiente, tornando ele mais previsível, criamos um estado de alívio de tensões, e isso garante condições melhores para lidar com tudo. Começamos a ter mais tempo disponível, menos estresse e mais foco em nós mesmos”, descreve Machado.

Claro que se concentrar somente na organização do lar não é suficiente para lidar com transtornos mais graves. Aqui, estamos falando de questões transitórias ou fases iniciais de algum sofrimento psicológico. “A pessoa deprimida não consegue ter nem a motivação para dar esse pontapé inicial. Mas nada impede que isso faça parte do plano terapêutico, como um exercício”, pontua o psicólogo da PUCRS. Nesses casos, a arrumação pode ser uma tentativa de regular as emoções e não transformar isso em algo mais grave.

Viver em um quarto desorganizado não implica necessariamente na existência de um problema. O impacto da bagunça na rotina depende bastante da personalidade de cada um. Indivíduos criativos, por exemplo, costumam se entender bem dentro da sua baderna. Porém, se a desordem for algo inédito e/ou começar a atrapalhar a vida de alguma maneira, a situação pode ser diferente.

A advogada Larissa Braga, de 38 anos, por exemplo, admite que sempre foi bagunceira, mas isso não trazia grandes dilemas. “Mas, ao ter o meu primeiro filho durante a pandemia, e em um outro país, as coisas saíram do controle”, diz. Larissa passou a comprar coisas compulsivamente – muitas, inclusive, tinham o objetivo de ajudar na arrumação da casa, como produtos de limpeza e organizadores. “Me sentia sufocada em meu próprio lar.”

A incapacidade de ordenar a casa minou sua autoconfiança. Somado a isso, tinha a saudade da família brasileira e o diagnóstico de depressão pós-parto. “A porta da organização acabou abrindo outras muito maiores. Me questionei o que era essencial para mim, o que de fato me fazia feliz, e entendi que as compras eram uma tentativa de me preencher”, conta ela, que voltou a morar na Paraíba, perto da família.

“Hoje, me sinto orgulhosa de mim. Minha vida é mais funcional, leve e prática. Mas foi um trabalho de formiguinha. Primeiro, precisei entender o que estava acontecendo comigo”, relata.

Um estudo publicado na revista Personality and Social Psychology descobriu que, ao dar uma volta pela própria casa, as pessoas que consideravam o ambiente desordenado eram mais propensas a se sentir constantemente cansadas e a exibir sintomas de depressão. Os efeitos estavam ligados ao hormônio cortisol, que desempenha um papel importante na forma como respondemos ao estresse.

“É a sensação de não poder desligar, relaxar. A pessoa sente que sempre tem algo a ser feito. E, na maioria das vezes, tem mesmo: um acúmulo de poeira, uma louça, uma roupa a ser dobrada. Esse sentimento somado às características de uma personalidade mais preocupada podem favorecer quadros de ansiedade ou depressão”, justifica Camilla.

Para uma parcela da população, a bagunça generalizada pode afetar mais do que o bem-estar mental. Um estudo publicado no jornal científico Environment and Behavior, em 2016, mostrou que uma cozinha caótica aumentou a probabilidade de voluntárias consumirem uma quantidade maior de biscoitos. Em comunicado à imprensa, Lenny Vartanian, principal autor da pesquisa, observou: “É como se pensassem: ‘tudo está fora de controle, por que eu não deveria estar também?’”.

Para muitas pessoas, manter os ambientes organizados pode resultar em uma sensação de controle e ordem que, no fim das contas, alivia o estresse e promove o bem-estar. Mas é importante notar que a necessidade excessiva de arrumação também traz danos. Segundo Machado, trocar atividades relevantes e prazerosas por uma faxina pode ser um sinal de que o hábito de limpeza passou do limite.

A criadora de conteúdo Giovana Antunes Teixeira, de 40 anos, conta que, quando o relógio batia 17 horas, começava uma sensação de agonia. Em sua cabeça, ela precisava ir para casa e ajeitar as coisas. “Às vezes, nem tinha o que arrumar, mas eu me cobrava internamente”, comenta. Aos 26 anos, recém-casada, foi a primeira vez que ela se viu como responsável pelo próprio lar. “Foi bem estressante. Muitas vezes, não ia nem em eventos, aniversários, porque ‘precisava fazer as coisas da casa’. Me sentia sobrecarregada e ansiosa”, compartilha.

Com o passar dos anos, Giovana entendeu que essa rotina não estava funcionando para ela. Aproveitou sua formação em administração e fez uma planilha com divisões de tarefas separadas por dia. “Percebi que dava tempo de sair e também conseguia passar um tempo de qualidade com os meus filhos. Me trouxe muita paz”, diz. Hoje, ela divide seus aprendizados em seu canal no Youtube.

“A recomendação é sempre a pessoa achar o seu limite em termos de desorganização/organização e procurar manter isso. Não precisa ser nada extremo”, aconselha Machado.

Segundo os especialistas, a hora da limpeza inclusive pode servir como um momento de reflexão e tranquilidade. Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Estadual da Flórida, nos Estados Unidos, e publicado na revista científica Mindfullness, sugere que lavar a louça com atenção plena na atividade pode reduzir o nervosismo em 27% e aumentar a inspiração mental em 25%. “Muitas vezes, quando estamos focados em algo mecânico, nosso cérebro descansa da imensa carga de pensamentos cotidianos e, em segundo plano, continua trabalhando naquilo que ele precisava pensar ou solucionar”, explica Camilla.

Se a bagunça da mesa do escritório te estressa de segunda a sexta-feira, talvez ela seja um bom ponto de partida. O cérebro cansado contribui para a diminuição da nossa energia, o que consequentemente pode causar estresse em casos de prazos de trabalhos ou estudos. Também é interessante se livrar de tudo aquilo que você não precisa mais. Afinal, a cada coisa nova que entra, menos espaço temos.

É muito mais fácil arrumar algo que está só um pouco bagunçado do que mexer no caos. Quando seu espaço estiver limpo e relativamente organizado, tente dedicar alguns minutos todos os dias para mantê-lo assim. E lembre-se: nem sempre será fácil. “A organização não é necessariamente uma coisa intrínseca, mas algo que você tem que criar na sua rotina e se obrigar a fazer”, aconselha Luciana.

Algumas normas podem te ajudar. Giovana, por exemplo, criou a regra dos 10 minutos. “Antes de me deitar, sempre dou uma organizada no que é possível dentro desse período de tempo. Pode ser a louça, guardar os brinquedos, tirar o lixo ou descongelar a comida do dia seguinte. Quando acordo, me sinto mais motivada”, conta.

No mundo ideal, cada um cuidaria da sua bagunça da maneira que acreditasse ser a melhor. Porém, em um cenário onde muitas pessoas dividem apartamentos e dormitórios, pode ser difícil chegar em um acordo. Organize aquilo que você pode: seja sua mesa de trabalho ou sua gaveta de roupas. Isso já pode te dar um senso de ordem e controle.

Ao mesmo tempo, esteja aberto para a maneira com que o outro se organiza. “É difícil, mas temos que entender que o importante é cada um estar fazendo sua parte”, avalia Giovana. Segundo ela, se a gente fica criticando o jeito do(a) colega ou companheiro(a), ocorre um desconforto. “É questão de empatia: assim como ele não faz do meu jeito, eu não faço do jeito dele”, entende.

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