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Ayrton Senna - Entrevista concedida a Veja (25/09/1985), em seu segundo ano na Fórmula 1 - Parte 1



Veja - Depois de duas temporadas na Fórmula 1, a imprensa internacional já o compara ao escocês Jim Clark, um dos maiores talentos da história do automobilismo. Como você recebe esse tipo de comentário?
SENNA - Não conheci o Clark nem o vi competindo, mas sei que ele era um gênio. Então é um privilégio poder ser comparado a ele. Não fiz ainda nem um quarto do que ele alcançou, mas se alguém vê semelhanças entre nós é porque tenho mostrado algo de bom.

Veja - Quem é o melhor piloto do mundo hoje?
SENNA - As diferenças entre os carros são tão grandes que fica difícil dizer quem é o melhor, mas existem uns cinco pilotos que são superiores: o Nélson Piquet, o Keke Rosberg, o Alain Prost e o Niki Lauda, que se está despedindo do automobilismo.

Veja - Falta um...
SENNA- Então são quatro.

Veja - Você não se coloca no mesmo nível desses quatro que citou?
SENNA - Todos eles já foram campeões do mundo, menos o Prost, que deverá ser este ano e já tem 21 vitórias na Fórmula 1. Então eu ainda preciso realizar muita coisa para dizer que estou no nível deles. Acho que estou na direção certa, mas tenho ainda um longo caminho a percorrer.

Veja - No início dessa temporada, em suas primeiras corridas pela Lotus, pilotos mais experientes passaram a criticá-lo com alguma freqüência. Faziam restrições ao seu comportamento na pista. Até seu companheiro de equipe, Elio de Angelis, declarou que não continuaria na mesma equipe que você no próximo ano. Como você explica essa situação?
SENNA - Entendo que a chegada de um novo piloto representa uma ameaça para os outros. Afinal, numa pista cabem apenas 26 pilotos e os que contam mesmo não passam de oito. Aí chega um piloto de apenas 24 anos de idade e, com apenas quatro anos no automobilismo de competição, vai para a Lotus, uma equipe de ponta. É evidente que este piloto incomoda - afinal ele está tirando o lugar de alguém que está há muito tempo esperando uma oportunidade.

Veja - Você se sentiu pressionado?
SENNA - Houve um tipo de campanha, os pilotos iam se revezando. Davam declarações, jogavam indiretas, numa tentativa de me diminuir. Mas de certa forma isso até me ajudou, porque eu deixei bem claro que não estava gostando nem aceitando as insinuações. Mas sabia que só poderia desfazer esse clima hostil com meu trabalho na pista.

Veja - Agora você já é mais respeitado?
SENNA - Acredito que sim. Um caso concreto se deu com o Keke Rosberg. Existia uma certa incompatibilidade entre nós dois. No Grande Prêmio do Canadá nos encontramos na pista. Não tínhamos chances de vitória ou mesmo marcar pontos e fizemos uma disputa particular, correndo o tempo todo junto, um contra o outro,
sensacional. Depois da corrida ressaltei em minhas declarações o que mais me impressionara na prova a maneira veloz, precisa e correta como o Keke dirige. Ele, que nunca me fizera um elogio antes, retribuiu da mesma forma.

Veja - Como é o seu relacionamento com o Piquet?
SENNA - Não diria que somos amigos. Somos apenas colegas de profissão.

Veja - Existe amizade entre os pilotos?
SENNA - É difícil ter amigos na Fórmula 1, porque não existe convivência. Quando estamos juntos, estamos competindo, cada um tem de se dedicar inteiramente ao seu carro, à sua equipe. Então não dá para ficar batendo papo. Tenho amigos do meio automobilístico, como o Chico Serra, Maurizio Sala e o Mauricio Gugelmin, com quem divido minha casa em Londres. Mas ficamos amigos muito mais pelas dificuldades que
enfrentamos juntos ao chegar a um país estranho para tentar uma profissão árdua.

Veja - Existe muita deslealdade nas pistas?
SENNA - Está cheio de pilotos desleais na Fórmula 1. E não é como na Fórmula 3, na qual um piloto prejudica o outro mais por afoiteza ou inexperiência. Na Fórmula 1 são todos maduros e sabem muito bem o que é correto e o que não é.

Veja - E onde fica a fronteira entre a rivalidade e a deslealdade?
SENNA - Você pode tornar a corrida difícil para seu adversário lealmente e nem sempre quando se usa a deslealdade se obtém um bom resultado. Mas a mentalidade que prevalece hoje é não deixar passar quem vem atrás a qualquer custo. Mesmo os retardatários fazem isso. Às vezes você vai ultrapassar um carro numa curva e ele corta a sua frente de maneira imprevisível. Se você não cede, a corrida acaba para os dois.

Veja - Mas são raras as batidas nessas circunstâncias.
SENNA - Quase sempre se dá um jeitinho. Este ano já evitei vários acidentes, e outros pilotos também evitaram, tentando ultrapassar retardatários, às vezes pilotos de nome. Mas depois da corrida eu sempre cobro uma satisfação. É uma maneira de conhecer meus adversários. Da outra vez que acontecer você tem condições de evitar um acidente ou então tirar proveito da situação.

Veja - Este ano, quando o carro não quebrou, você subiu ao pódio. Não é uma performance muito irregular?
SENNA - Quem me viu parando na pista numa seqüência incrível de sete corridas deve ter pensado que eu sou muito afoito, que não sei dosar o ritmo e arrebento o carro por causa de minha inexperiência. Na verdade eu dirigi sempre da mesma maneira, apliquei sempre a mesma tática de corrida. O que aconteceu é que, no primeiro semestre, o carro andou apresentando problemas incríveis, quase sempre falhas simples, mas que me
impediram de completar as provas.

Veja - Parece jogador de futebol que quando perde sempre culpa o juiz.
SENNA - Se fosse torcedor eu também pensaria assim. Eu cometi erros. Em Detroit, por exemplo, descuidei do freio, entrei direto numa curva e bati. Erro meu, não tem desculpa. Mas prova por prova fica bem claro. Fiquei sem gasolina em Ímola, a três voltas do final, porque o motor era incompatível, um modelo antigo que consumia demais mesmo. Na Inglaterra, também parei a seis voltas, sem combustível, por um defeito no computador que controla o consumo. Em Mônaco e na Franca, o motor quebrou. No Rio, queimou a bomba de gasolina, no Canadá, uma braçadeira quebrou e o turbo caiu. Na Alemanha, a transmissão derreteu. Em todos estes casos eu não poderia ter feito nada para evitar a falha.

Veja - Não é um paradoxo que os carros Fórmula 1, autênticas jóias da tecnologia, sejam tão frágeis?
SENNA - O que acontece é que a cada prova são incorporados novos componentes, novas tecnologias ao carro. Além disso, os carros estão sempre trabalhando no seu limite de tolerância. E não é só um problema de resistência. É preciso buscar um equilíbrio da resistência com a velocidade. Quando se consegue um, pode-se prejudicar o outro. São tomados todos os cuidados para evitar problemas. Antes de cada corrida, na noite de sábado para domingo, os carros são totalmente desmontados e substituídas todas as peças que sofrem desgaste. A cada corrida é praticamente um carro novo, diferente até mesmo do carro usado nos treinos oficiais.

Veja - Qual é o papel da informática na Fórmula 1?
SENNA - A mecânica dos motores hoje representa 50%, os outros 50% são eletrônica. Tenho um minicomputador no carro que pega as informações de sensores distribuídos por toda a máquina, analisa e manda de volta para controlar seu funcionamento. Temos também um sistema que grava todas estas informações, numa espécie de fita de eletrocardiograma, para serem analisadas no box pela equipe.

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