Chacrinha - Entrevista concedida a Veja (6/08/1969), a Tárik de Souza, na época em que é um dos maiores fenômenos da televisão brasileira. – Parte 1
Veja – Chacrinha, você foi até o terceiro ano de Medicina. Não acha que como médico seria mais útil ao Brasil do que como animador de TV?
CHACRINHA - É uma resposta que só a Deus pertence. Não sei, eu poderia ser útil ao Brasil, mas poderia também ser um médico ruim pra burro...
Veja - Segundo um psicólogo, você estimula o espírito de competição das pessoas através de seus concursos e sua buzina é um verdadeiro grito de guerra. Que acha disso?
CHACRINHA - Em todo e qualquer programa de calouros tem que haver competição. Tudo na vida é uma competição. O calouro se sente bem, o público gosta e participa. Talvez o meu grande defeito seja ter a coragem de buzinar o calouro. Eu jogo o meu nome, o pouco nome que tenho, numa buzina. E quando buzino o calouro, buzino com o coração. Não buzino o calouro com raiva, nem quero humilhar. Por isso todos os calouros voltam ao meu programa. Eu poderia botar uma pessoa para buzinar, como existia o macalé do gongo, o pato que fazia qüém, qüém, qüém, como tem programas de buzina por aí em que o camarada - prrrréc! - só aperta um botão. Fiz A Hora da Buzina baseado na Hora do Pato do rádio. Como não tinha o pato, usei a buzina. Todo
sujeito que vê, diz: Ah, o Chacrinha é um cara chato, um cara horrível, ele buzina. Toda a raiva do povo é porque eu buzino o calouro. Se eu botasse uma outra pessoa para buzinar seria mais cômodo para mim - aí eu passaria a ser um grande cara.
Veja - Você gosta que os carros buzinem nas ruas? Ou acha que isso deve ser proibido?
CHACRINHA - Acho que devia ser proibido buzinar nas ruas. Faz muito barulho. Ou só buzinar comedidamente. Na hora exata, de maneira sensata, não buzinar com nervosismo, aquilo irrita. É prova evidente do nervoso da pessoa. Se o trânsito está parado, você vai buzinar pra quê?
Veja - Antigamente você era considerado um grosso por toda a imprensa. Hoje os jornais o chamam de grande comunicador, fenômeno da comunicação de massas. Como explica isso?
CHACRINHA - Tudo que eu faço hoje na TV eu sempre fiz. A mesma coisa. No rádio, quando comecei com O Cassino do Chacrinha, só havia programas de penumbra, de poesia e de tangos, para o pessoal dormir. Então eu inventei um programa para acordar o povo: eu batia lata, apertava buzina, tocava sino, fingia que tinha gente dançando - aqueles troços todos. Já naquele tempo todo mundo me achava um louco. Meu maior desejo na vida, que levei vinte anos para concretizar, era que o povo reconhecesse que eu fazia apenas um papel como qualquer outro. Pense bem, não é possível: um cara de noite sozinho dentro de um estúdio de rádio, de cuecas, tocando sino, batendo gongo, gritando Tereziiiiinha!, interrompido por anúncios e começando tudo de novo com
gargalhadas e ruídos de grilos no meio do mato, vozes cochichando num salão de baile, etc. Aquilo não existia naquele tempo... A mesma coisa fiz quando comecei na TV. Me chamaram de doido, de grosso, porque fui o primeiro cara na TV que fugiu da marcação de câmara. Eu não aceitava a câmara, não aceitava nada. Defendia meus pontos de vista para ver se o povo me aceitava. Aos poucos foram aparecendo esses estudos aí de
psicó1ogos, essas coisas todas, e foram descobrindo que eu fazia esta loucura por fazer uma loucura, por ser um palhaço. Ora, se o Charles Chaplin veste roupa, se o Golias veste roupa, por que é que eu também não posso vestir uma roupa? É um tipo que criei e tinha certeza de que um dia o povo ia me aceitar.
Veja - Afinal, você conhece seu público? Quem faz parte dele?
CHACRINHA - O público mesmo. Todos os públicos fazem parte do meu público. Quer dizer, modéstia à parte, não estou aqui para querer me enaltecer, me vangloriar. Mas em qualquer lugar que vou sinto profundamente as reações. Vamos supor que o auditório não dá o trono para aquela caloura final. Quando vou chegando em casa a
reação é a mesma, a do porteiro do edifício, a do médico meu vizinho, a da namorada do meu filho, a do professor do meu filho: Mas Chacrinha, como é possível, aquela moça não podia perder... Meu médico faz a pergunta, meu chofer também. O meu grande público, quando o cara não quer dizer que é ele mesmo, diz: Chacrinha, a minha mãe te adora, é uma velhinha... e o meu filho... No fundo, a família dele me adora. Porque a
mãe é a principal coisa que um cara tem, ou não é verdade? Eu faço rir a mãe, faço rir o pai, dou momentos de alegria.
Veja - Os anúncios de jornal dizem que os programas do Chacrinha são recomendados pelo analista para divertir e acalmar. Mas psicanalista é para as classes mais privilegiadas. Você atinge também esse público?
CHACRINHA - Olhe, na verdade os grã-finos são tão fãs quanto os fãs pobres. Quando vem um artista estrangeiro, um Sammy Davis Jr, por exemplo, você encontra filas de automóveis, Oôou! beijinhos, abracinhos, vai-jantar-lá-em-casa. Você vai na Boate Sucata, a boate bem do Rio, é igualzinho. Cantando Gal Costa na Sucata, a reação do público é a mesma que cantando Jerry Adriani em Madureira. É a mesmíssima coisa. Elis! Elis! Elis! É só grito e assovio, sendo que na classe rica é pior, porque assoviam. Assoviam mesmo, a gente vê pelos festivais. No fundo, é a mesma coisa quando chega um artista lá em Pernambuco.
Veja - Você ganha 80 milhões por mês só na TV. Isso representa oitocentas vezes a renda média de cada brasileiro. Como você se sente em relação a seu auditório, que é um auditório pobre?
CHACRINHA - Na pior das hipóteses, estou dando àquelas 1 500 pessoas alguma coisa para elas verem, se distraírem. Eu dou a eles o Jair Rodrigues, dou a Gal Costa, dou Ed Lincoln, dou Marcos Valle, dou a Elis Regina pra ver, dou a Eliana Pittman, Os Caçulas, Os Demônios da Garoa. Artista custa dinheiro. Eles pagam 1 conto de réis para assistir tudo aquilo. Não é bom? Pelo menos estão se divertindo, coitados... Não podem ir para Teresópolis, nem para Petrópolis, Friburgo ou Guarujá. Têm que ver aquilo ali. É melhor do que ir ao cinema, que sai mais caro. E afinal meu auditório não é assim tão pobre. O pobre que vai ali é o pobre que tem 1 conto de réis para pagar a entrada.
Veja - Um sociólogo escreveu que você não passava de um maestro regendo o grande espetáculo do sado-masoquismo brasileiro.
CHACRINHA - Como é que é mesmo? Não sei nem o que quer dizer isso, palavra de honra.
Veja - O espectador vibra e se diverte à custa do sofrimento do calouro.
CHACRINHA - Mas o calouro não sofre apenas. Ele se realiza. Ele ganha.
Veja - E quando perde? A maioria perde.
CHACRINHA - Sim, mas em tudo na vida existe o ganha e perde, não é verdade? Não faço o programa com a intenção de humilhar ninguém. Por exemplo, nunca permiti cantar gente com defeito físico, cego nem aleijado.
Não é questão de imagem negativa. É que eu não vou buzinar uma pessoa defeituosa. Botar uma pessoa defeituosa cantando mal não fica bem, não é?
Veja - E aquelas velhinhas que você colocou no concurso da mãe mais idosa?
CHACRINHA - Mas eu não explorei as velhinhas. Apenas dirigi a escolha. Quem é a mãe mais velha? A senhora? Sua idade? 63 anos. E a sua? Setenta anos. Muito obrigado. Paaaalmas para ela!... Agora, eu não pego a velhinha, não mostro a ferida da velhinha, onde é que ela mora, se está mal de vida. Não entro naqueles detalhes de manchete de jornal. Não me comovo nem faço o povo se comover.
Veja - De que é que você tem medo? Da velhice? Da morte?
CHACRINHA - Tenho muito medo da velhice. Mas estou sabendo envelhecer. O medo é de não poder fazer mais o que faço, de ter que deixar esta vida trepidante, para lá e para cá. Da morte, sim, tenho muito medo, porque sou um cara eminentemente pessimista.
Veja - Mas seus programas são justamente o contrário: você se diz um animador, um sujeito alegre.
CHACRINHA - Pois é, não é? Como explicar isso?
Veja - Você se considera jovem?
CHACRINHA - De espírito, sim. Fisicamente, já dobrei o cabo da Boa Esperança.
Veja - Está cicatriz que você tem nas costas o que é?
CHACRINHA - Foi uma operação no pulmão,
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