O filme de Walter Salles Jr., Central do Brasil, teve sua estréia internacional disputada pelos festivais de Sundance e de Berlim e foi visto, em mais de 30 países, inclusive o Vietnã. "É a prova", diz o diretor, "de que um filme em língua portuguesa pode romper a barreira do mercado". A primeira grande barreira, a da crítica estrangeira, ele já rompeu: Janet Maslin, a principal crítica do The New york Times, destacou-o como o melhor drama exibido no Sundance. O público presente disse amém.
BRAVO!: Havia dez anos você sonhava em trabalhar com Fernanda Montenegro. Como foi a experiência?
Walter Salles Jr.: O filme existe por causa dela. É uma homenagem que gostaria de prestar por toda a admiração que tenho por ela e também pelo seu companheirismo e entusiasmo. Fernanda não é fantástica só por causa do seu talento, mas sobretudo pela maneira emotiva e afetiva como trabalha. Ela facilitou o trabalho de todos nós. Hasteava a bandeira e o grupo seguia atrás. Com entusiasmo e a certeza de que valia a pena o que estávamos fazendo naquele momento.
Como você descobriu Vinícius de Oliveira?
Costumo dizer que ele me encontrou. Já tínhamos feito cerca de 1.500 testes, em todas as escolas de teatro das cidades grandes, nos Cieps do Rio de Janeiro, nos grupos de teatro das favelas e até com meninos experientes. Precisava de um garoto de 9, 10 anos, mas com uma dureza entranhada, algo seco e dolorido, e uma personalidade própria já marcada, diferente do atorzinho global com aqueles cacoetes que se vêem na televisão. Um dia, enquanto esperava a ponte-aérea para São Paulo, um menino engraxate me pediu que completasse o que lhe faltava para um hambúrguer e um suco de laranja. Olhando para ele, pensei: "Esse garoto tem o tipo físico que estou procurando há dez meses, mas a chance de ter talento é ínfima". Ainda assim, minha alma de documentarista não resistiu e eu perguntei se ele gostaria de fazer um teste para cinema. "Nunca fui ao cinema", foi a resposta. "Olha, é que nem televisão, só que muito maior e muito melhor." Ele quis saber para quantos papéis era o teste. Para um, respondi. E ele pediu para levar os coleguinhas. Sua generosidade me cativou. Seu gesto tinha tudo a ver com Josué. Seu teste foi surpreendente. Deu logo para notar que ali havia um talento que poderia ser lapidado no tempo de que dispúnhamos, pouco menos de um mês.
Quais foram as maiores dificuldades que você enfrentou para fazer o filme?
De longe, foi encontrar o garoto. A segunda foi logística. Tivemos de procurar novas locações, pois as escolhidas estavam verdejantes, e não era bem disso que precisávamos. Fizemos deslocamentos colossais no Nordeste, de 1.500 a 2.000 quilômetros.
A crítica achou seu primeiro filme, A Grande Arte, bem-feito, porém frio. Ninguém acusou o segundo, Terra Estrangeira, de frio, pelo contrário, mas nada fazia prever que Central do Brasil fosse um filme tão emocionante, tão comovente. Há alguma explicação para essa mudança?
Não sei dizer por quê, mas certamente Socorro Nobre foi um divisor de águas. Depois veio Terra Estrangeira e o prazer de filmar ficção com uma equipe mínima, do jeito que eu aprendi a trabalhar, dirigindo documentários. Fiz coisas na base da intuição do momento, que não conseguira fazer no primeiro filme por me sentir de mãos atadas pela envergadura da produção e pela inexperiência.
Foi o prazer que liberou seu sentimento?
Foi. Hoje, tenho a sensação de não estar dirigindo um filme, mas de ser parte dele. Devo muito à Daniela (Thomas) a descoberta de que ensaiar é tão importante no cinema como no teatro.
Para você, que viveu muitos anos no exterior, fazer Central do Brasil foi uma maneira de conhecer melhor o país?
Terra foi uma tentativa de entender o momento em que 1 milhão de brasileiros saíram daqui. Em Central, é a migração. Se você reparar bem, Central complementa Terra. O último fala da emigração, e Central, da migração interna. O motor narrativo de ambos é uma perda: a perda de um país e a perda de um pai.
O que você acha da entrada da TV Globo no mercado cinematográfico?
Acho que a Globo está entrando nisso por oportunismo. Ela se mete em todas as áreas em que exista viabilidade econômica. E, pela primeira vez, existe essa possibilidade no cinema brasileiro. Número um: isso é proibido por lei. As emissoras de TV são proibidas de captar recursos da lei do audiovisual para fazer cinema. A lei que está aí deveria, na verdade, gerar pluralidade na produção audiovisual brasileira, e não aumentar a concentração que hoje existe.
E fazer cinema para a televisão? Você acha que poderia melhorar o nível da TV e levar o cinema para mais gente?
É uma questão complexa. Nos Estados Unidos, as televisões são proibidas de fazer ficção. Só podem fazer jornalismo e esporte. Uma indústria se formou para alimentar não só as estações de sinal aberto como as de TV a cabo. Isso gera emprego e também uma pluralidade de pontos de vista. Não há esperança de que, no Brasil, a coisa vá mudar. No fundo, é uma questão que diz respeito à democracia.
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