Invisível e impalpável, a música é certamente a mais maleável de todas as formas de expressão. Essas qualidades tornam extremamente difícil e ingrata a tarefa de descrevê-la, classificá-la e rotulá-la. Dá para dizer, porém, que sua base é o ritmo, ou pulsação - que deve ter sido a primeira manifestação musical humana. Muito antes de existirem tambores, o homem provavelmente já dançava, marcando o ritmo com palmas ou batendo o pé. "As primeiras músicas compostas pelo ser humano acompanhavam danças ligadas a cerimônias religiosas", diz o antropólogo Rafael de Menezes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Não é à-toa, portanto, que os diferentes tipos de ritmo sempre ajudaram a definir gêneros e estilos. O segundo elemento básico de uma composição musical é a melodia (seqüência de notas), que deve ter surgido com o canto também muito antes de existirem os primeiros instrumentos: flautas feitas de osso, datadas do final da Idade da Pedra, entre 10 mil e 20 mil anos atrás.
Só muito tempo depois se desenvolveu a harmonia - a arte e a ciência de combinar as notas musicais em um todo coerente, não só em melodias, como em acordes (blocos de notas tocadas simultaneamente). "Foi uma evolução de séculos, que se deu principalmente a partir da Idade Média, quando a harmonia passou a adquirir maior relevância", afirma o maestro Júlio Medaglia. A relação entre ritmo, melodia e harmonia seria, assim, o primeiro passo na definição de um estilo musical - mas, muitas vezes, isso ainda não basta. Há vários estilos cuja identidade está ligada também a outros fatores - dos instrumentos utilizados à origem étnica (razão pela qual se fala em ritmos latinos e africanos), ao conteúdo emocional das letras (como os lamentos do blues ou do fado português) e até ao modo de interpretação (como a improvisação, característica essencial do jazz). Para complicar, hoje em dia ocorre todo tipo de fusão de estilos.
"Essa é uma arte que pode tudo", diz o musicólogo David Horne, diretor do Institute of Popular Music, em Liverpool, na Inglaterra. Segundo ele, não existe mais uma fronteira clara nem entre gêneros como o clássico e o popular, que historicamente sempre foram bem diferentes. "As fronteiras entre os estilos musicais estão cada vez mais indefinidas e essa flexibilidade é uma característica da própria música enquanto forma de arte", afirma Horne.
Ingredientes de uma composição
RITMO
O compasso define a marcação rítmica. Um dos mais comuns é o quaternário, ou 4/4 - uma batida forte e três fracas - que também pode ser representado por este símbolo
HARMONIA
A arte e a ciência de combinar notas em um conjunto coerente é o elemento mais complexo da música. Ela se expressa na formação de acordes, blocos de notas tocadas ao mesmo tempo - por isso, diz-se que é o aspecto vertical da música. A harmonia define também o tom de uma peça. Aqui, a clave de sol sozinha, sem nenhum sinal de bemol ou sustenido, indica que a tonalidade é dó maior
MELODIA
A seqüência de notas, enfileiradas como as palavras em uma frase, compõem a melodia. Costuma-se dizer que são o aspecto horizontal da música
O flamenco - anatomia de um estilo musical
Um dos elementos mais usados para identificar um estilo é sua origem étnica e regional. No caso do flamenco, por exemplo, começaríamos dizendo que é uma música tipicamente espanhola: nasceu no século XV, da fusão do canto cigano com a música folclórica da Andaluzia, de forte influência moura.
O ritmo, muitas vezes acompanhado de uma dança própria, é outra característica que ajuda a definir um estilo. Para o flamenco, essa descrição também encaixa perfeitamente: tem uma batida de marcação forte e sua coreografia reforça esse ritmo com o sapateado das dançarinas
Nem sempre os instrumentos utilizados caracterizam um estilo, mas no flamenco eles certamente fazem parte da sua identidade musical - basicamente a soma do violão tocado no estilo chamado rasqueado com a percussão das castanholas, das palmas e das batidas dos sapatos de salto alto no chão
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