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Perfeccionismo não é uma virtude

 Minha família sempre se referiu a mim como perfeccionista, às vezes com um que de orgulho, outras de zombaria. Amigas adotavam a tese que ser virginiana explicava tudo. Como não faço o tipo que justifica nuances da personalidade pelo zodíaco, decidi reconhecer que perfeccionismo é um vício, e como tal, podia ser combatido.

Há quem ache que trata-se de uma qualidade. Quando pergunta-se a alguém qual seu maior defeito, muitos alegam o perfeccionismo a fim de dar uma “aura” de virtuosidade à detestável incumbência de apontar os próprios deméritos. Para dar a entender ao interlocutor que procura fazer tudo bem feito.

Não é bem assim. O perfeccionista notório nunca acha que seu trabalho está bom. Perde um tempo absurdo em minúcias, quase sempre irrelevantes. Por isso nunca conclui em tempo aquilo que começou. É uma praga que mina com a produtividade e compromete a imagem profissional.

Sou formada em odontologia, área que é um reduto de perfeccionistas. Repare no seu dentista e suas dezenas de caixinhas, de todos os tamanhos, com instrumentais e brocas minúsculas, guardados e devidamente etiquetados. É algo que começa a ser exercitado já na faculdade. Legiões de acadêmicos vasculham lojas de embalagens, tupperwares e caixas organizadoras com o mesmo empenho com que procurariam um novo jogo de jantar para sua casa. A necessidade de ser organizado, já que dentista bagunceiro não vai pra frente, vira fetiche.

Há algum tempo percebi que minha tendência ao perfeccionismo beirou a patologia. Além de dentista, passei a fazer atendimento homecare, o que elevou às alturas a obsessão por organização. Tanto esmero até tinha uma justificativa: se eu chegasse num asilo distante e não tivesse um instrumento crucial, não conseguiria fazer nada naquele paciente. Aconteceu no início de certa luva de procedimento ter ficado para trás, ou de ter esquecido uma agulha de determinado calibre e ter tido que improvisar com outra. Aquilo me mortificava.

Dediquei-me a manter listas específicas, que guardava em meu dispositivo móvel. Imprimia em cores os meus esquemas, junto à central de esterilização. Montei tabelas relacionando jogos de instrumentais, categorizados e catalogados numa metodologia baseada em cores. E ainda assim, sempre achava que faltava alguma coisa. Antes de sair para o atendimento domiciliar, revisava todos os meu arsenal para ter certeza que nada havia ficado para trás. Mesmo estando ciente que havia feito uma revisão bem detalhada já no dia anterior.

Resultado? Eu passava mais tempo organizando o material e revisando minhas listas do que dando atenção aos pacientes. Claro que como boa perfeccionista, achava que o que fazia era o certo, até passar por uma autocrítica pelo tempo perdido e a falta de produtividade.

A saída? Criar um único método. Decidi que esterilizaria todo o material necessário no dia anterior, acondicionando-o em suas embalagens, e levaria para minha casa. Assim, quando saísse na manhã seguinte ia direto para o atendimento, não precisando ir ao consultório e ceder à compulsão de revisar tudo outra vez.

O mesmo começou a acontecer com meus textos. Além do blog, escrevo para outros veículos, impressos e online — como o Produzindo.net — e ainda falo na rádio CBN, gravo meu podcast e respondo a pelo menos umas 3 ou 4 entrevistas toda semana, a maioria por email. Recebo muitos aparelhos para testar e resenhar. Estando afastada dos pacientes por licença médica, deveria estar dando conta de tudo. No início atribuía meus atrasos à imprevisibilidade da minha própria saúde. Contudo, depois de boa melhora, continuei perdendo-me nos prazos, o que me deixava, além de tudo, culpada. Os reviews de produtos simplesmente nem saíam dos esboços, porque sempre achava que havia algum detalhe que passava batido. Fiquei mal. Me senti uma irresponsável. Mesmo com um laptop mais leve (para levá-lo às minhas constantes idas a médicos e hospitais), e algumas mudanças na minha sistemática de trabalho, o problema continuava. O que estaria acontecendo?

Foi o momento de fazer mais uma autoavaliação. Não tardei a descobrir que ele, o perfeccionismo, estava empacando minha vida outra vez.

Percebi que, embora tenha facilidade para escrever, demorava uma semana para concluir um reles artigo de opinião. Porque as constantes revisões simplesmente não deixavam eu terminá-lo! A cada revisão, mudava milhares de coisas. E, como tenho tendência a ser prolixa, a cada releitura procurava enxugá-los mais, tornando-os mais objetivos. Mas depois de várias enxugadas, achava que tinha ficado excessivamente vago. E a ciranda recomeçava…

Quando e por que tive essa recaída? Recentemente ganhei muitas citações na mídia e até premiações importantes. Claro que ser reconhecida é uma honra, mas eu passei a me sentir pressionada, mais do que nunca, a buscar a excelência.

Não é fácil reconhecer que sofre-se deste mal. O perfeccionista só nota que está prejudicando a si mesmo quando os problemas, irreversíveis, viraram uma bola de neve. Como consertar ? Novamente, a resposta foi: fixar-me num único método.

Agora, depois que faço meu mind-map (que muitas vezes nasce semanas antes, quando surge a idéia da pauta), sento e escrevo o primeiro rascunho de uma vez só. A primeira revisão é para checar a estrutura do texto e gramática. A segunda é o “teste de mãe”, ou seja, colocar-me no lugar da minha mãe para ver se ela entenderia o que escrevi (isso é praxe há anos, quando percebi que meu ponto forte era levar a tecnologia ao entendimento dos leigos, sem jargões). Só então faço os ajustes finais, inserindo imagens, links e detalhes estéticos. E nunca mais vou de encontro ao texto, para ter certeza absoluta que não irei modificá-lo novamente!

Outro inimigo do perfeccionista é não gostar de delegar tarefas. Simplesmente abri mão da gana centralizadora e coloquei alguns aspectos técnicos e administrativos do meu trabalho na mão de terceiros. Foi ótimo, sobrou mais tempo para o conteúdo criativo, que é o que de fato interessa.

E por fim, as entrevistas: quando não são pessoalmente (no caso da TV) ou por telefone, são por email, o que para muitos jornalistas é interessante quando suas fontes tem agenda complicada. Passei a respondê-las gravando um arquivo de áudio. Como tenho a curiosa habilidade de saber organizar melhor meu pensamento quando utilizo a linguagem oral, não são necessárias revisões. As entrevistas mais longas, em especial, ficam perfeitas. Semana passada respondi a 4 delas em cerca de 15 minutos. Um sucesso!

E você, é um perfeccionista? Quem é fã de metodologias de gerenciamento do tempo e organização pessoal costuma gastar muito tempo experimentando as novidades, numa eterna busca por um ideal de eficiência. Mas, ironicamente, gasta-se tanto tempo estudando o “como fazer” que nada acaba feito. Se você está passando por problemas semelhantes, avalie-se. Se eu fosse uma entrevistadora de candidatos a vaga de emprego, não contrataria alguém que se declarasse perfeccionista…

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