A desvalorização da moeda oficial venezuelana, o bolívar, melhorará as contas do Estado, mas terá um impacto negativo na inflação do país, que foi de 20,1% em 2018, a mais alta da região, consideraram analistas.
Na sexta-feira, o ministro do Planejamento e Finanças, Jorge Giordani, anunciou que a cotação do bolívar passará, a partir de quarta-feira, de 4,3 a 6,3 por dólar, uma perda de mais de 40% do valor da moeda venezuelana em relação à divisa norte-americana.
"O grande vencedor acaba sendo o Estado, o ajuste cambial permitirá reduzir o valor em divisas da dívida interna do Governo Central de 42,922 bilhões de dólares a 29,295 bilhões de dólares", disse em um comunicado, a empresa Ecoanalítica.
Assim, o Estado contará com mais bolívares do que os que recebe pelas vendas de petróleo, responsáveis por 96% das divisas da Venezuela.
Os analistas alertavam o quanto a medida era urgente para atender os desequilíbrios das contas públicas: déficit fiscal de 16% do PIB e dívida pública acima dos 150 bilhões de dólares (cerca de 50% do PIB), segundo cifras da Ecoanalítica.
"Melhora as contas fiscais; as receitas do petróleo agora recebem um impacto favorável em termos de bolívares", disse à AFP o economista Orlando Ochoa, professor da Universidade Católica Andrés Bello.
Segundo especialistas, o efeito da desvalorização da moeda local provocará uma alta dos preços no país sul-americano, que depende enormemente das importações e que já registra a inflação mais alta da América Latina.
"Teremos um impacto inflacionário, todos os produtos regulados e da dieta básica têm componentes importados e sofrerão ajustes de preços", disse Ochoa.
"Por isso vemos a desvalorização como uma medida de confisco", disse o diretor da Ecoanalítica, Asdrúbal Oliveros, que prevê como consequência uma queda de 8% do poder aquisitivo dos venezuelanos.
Contudo, a desvalorização do bolívar traz alguns benefícios para o reduzido setor de exportadores não petrolíferos, cujos produtos serão levemente mais competitivos nos mercados estrangeiros.
Além disso, o governo reduziu de 70% para 60% a quota de dólares que essas empresas devem vender ao BCV.
Para o parlamentar governista Ricardo Sanguino, esses estímulos às exportações ajudam a "ir substituindo o conceito de viver da renda petrolífera para passar a ser uma economia produtiva".
A desvalorização do bolívar tenta também aliviar as fortes pressões sobre o mercado cambial, sujeito a um grande controle desde 2003, que alimentou por anos um mercado negro, cujo valor é muito superior ao oficial e não pode ser divulgado por lei.
Um novo Órgão Superior para a Otimização do Sistema Cambial, administrado pelo governo e o Banco Central (BCV), avaliará as prioridades de alocações de divisas, e, segundo Giordani, buscará controlar a inflação.
Segundo Ochoa, porém, o novo organismo "vai trancar a oferta de divisas e reduzir a oferta do mercado negro e isso aumentará" o preço do dólar nesse mercado, do qual depende "pelo menos um terço dos produtos" na Venezuela.
Para este analista, "como o fornecimento de divisas continua sendo escasso, a tarefa de elucidar quais são as importações sensatas e quais não, é uma missão impossível". "É o típico dilema do planejamento socialista que fracassou no século 20", acrescentou.
Na última década, o governo restringiu cada vez mais a entrega de divisas aos empresários e à população, que devem realizar pesados trâmites para obtê-las à taxa oficial pelo governo.
Paralelamente, a PDVSA e o BCV realizaram transferências a fundos especiais, que o governo utiliza para financiar programas sociais como a construção de casas e outros setores, em prejuízo da demanda do setor privado.
"É um modelo cada vez mais restritivo (...) O Executivo vem falando de um orçamento de divisas, de uma quantia justa. Ser justo é relativo, o que é justo para você?, o que é prioritário?", criticou Oliveros em uma entrevista à uma televisão local.
Segundo Ochoa, deve-se "reduzir a inflação, estabilizar o mercado cambial com mais dólares da PDVSA e isso significa reduzir a política clientelista, as transferências da PDVSA e o BCV aos fundos de onde saem os gastos para as eleições".
Comentários