Veja — Aos 52 anos, ainda é possível interpretar bem heróis de filmes de ação? Não estaria na hora de passar o bastão a atores jovens?
SCHWARZENEGGER — Antes de mais nada, acho que não cabe a mim passar o bastão adiante. É o público que deve decidir se ainda sirvo ou não para fazer esses filmes. Até agora não ouvi queixas. Na verdade, sinto-me tão ativo quanto na juventude. Exercito-me duas vezes por dia. Sou capaz de correr na mesma velocidade de antes e, se preciso, tenho energia para ficar acordado a noite inteira ou para saltar de pára-quedas.
Veja — Como o senhor vê o público desses filmes?
SCHWARZENEGGER — Acho que, na década de 80, a demanda pelo gênero refletiu uma grande mudança ocorrida na sociedade. A emancipação feminina fez com que os homens se sentissem alijados do lugar que ocupavam. Nesse contexto sócio-psicológico, assistir a filmes de ação foi um dos modos que eles encontraram para viver a fantasia do macho forte e controlador. Nos últimos anos, porém, a situação mudou. Como os homens perceberam que nada lhes foi tirado, e sim acrescentado, os filmes de ação passaram a contar com heróis mais sensíveis, menos descerebrados. Já não há mais necessidade de personagens que encarnem tão fielmente o estereótipo machista. Enfim, havia um vácuo e nós o preenchíamos. Assim como acontece na política, é preciso sempre caminhar junto com o público.
Veja — O senhor faria um filme de arte?
SCHWARZENEGGER — Acho que não. Isso poderia ser interpretado como sinal de decadência, de que topei trabalhar por pouco dinheiro porque não tinha proposta melhor.
Veja — Há um debate em curso nos Estados Unidos sobre a responsabilidade do cinema na violência social. O que pensa a respeito?
SCHWARZENEGGER — Quando há episódios horríveis, como o de jovens que assassinam outros nas escolas, a primeira providência dos políticos americanos é pôr a culpa em Hollywood. Isso é estúpido, porque sugere que alguém sabe por que essas tragédias acontecem. Só que ninguém tem essa resposta. É preciso pensar em tudo o que está errado antes de sair por aí condenando o cinema. Os pais têm dificuldade de transmitir bons valores a seus filhos. Os políticos mostram incompetência para criar programas que
mantenham as crianças ocupadas e criem um ambiente saudável nas escolas. Vendem-se armas indiscriminadamente. Os pais precisam ficar muito tempo fora de casa para ganhar dinheiro. A lista dos problemas é enorme. Nós, da indústria do entretenimento, deveríamos conter nossos abusos, sim. Mas o governo também tem de dar duro para que a educação seja uma prioridade.
Veja — O senhor fala como um político. Pretende se candidatar a algum cargo?
SCHWARZENEGGER — Só quando eu me cansar do cinema.
Veja — Quais são as chances de que isso venha a ocorrer?
SCHWARZENEGGER — Não sei. Já aconteceu com o fisiculturismo. Eu estava no auge da minha carreira como atleta e, de repente, quis parar. As reviravoltas na minha vida não são planejadas.
Veja — Os críticos do sistema americano costumam dizer que Washington é uma extensão de Hollywood. Ambas seriam fábricas de ilusões.
SCHWARZENEGGER — Bem, só o que posso dizer a respeito é que Hollywood e Washington sempre tiveram um caso de amor. Hollywood gosta do poder e da possibilidade de legitimação que a política oferece. Washington gosta da indústria do entretenimento pelo que ela representa e pelo dinheiro que gera.
Veja — Muitos astros reclamam do tratamento que a imprensa lhes dá. O senhor se incomoda com o que sai a seu respeito nos jornais e revistas?
SCHWARZENEGGER — É óbvio que todos nós adoramos ler coisas boas sobre nós mesmos — e detestamos quando sai algo negativo. Por isso mesmo, seria a última pessoa a dizer que os jornalistas não prestam porque publicaram essa ou aquela notícia, ou
porque disseram que meu filme é ruim. É preciso aceitar as críticas. Se você não gosta de calor, saia da cozinha. Por outro lado, há um tipo de jornalismo que vive de procurar e explorar o que há de pior na vida de gente famosa. Nesses casos, em que se publicam afirmações falaciosas e destrutivas, é preciso recorrer à Justiça ou exigir retratação. Por exemplo: um jornal disse que eu não havia me recuperado bem da cirurgia cardíaca a que fui submetido. Que mal conseguia andar depois da operação, imagine só. Mesmo sendo estampada numa publicação não lá muito conceituada, é o tipo de manchete que prejudica a minha carreira. Escrevi, então, ao editor do jornal, pedindo que ele desmentisse a nota.
Veja — E quanto às afirmações de que o senhor é um simpatizante do nazismo?
SCHWARZENEGGER — É incrível: me acusam de ser nazista só porque nasci na Áustria. Sou muito sensível a respeito desse tema, inclusive porque vários de meus amigos são judeus. Evidentemente, não sou nazista. Desprezo tudo o que esse regime representou. Por seis vezes já processei publicações que afirmaram que eu era simpático ao nazismo — e em todas elas ganhei a causa.
Veja — O que o senhor pensa do líder ultradireitista Joerg Haider, cujo partido chegou ao poder na Áustria?
SCHWARZENEGGER — É uma tristeza que a Áustria seja execrada internacionalmente por causa de um homem. Trabalha-se tanto para dar a um país uma boa reputação e, de uma hora para outra, surge um sujeito com um discurso estúpido e põe tudo a perder.
Veja — A cirurgia que o senhor sofreu em 1997 alterou de algum modo a sua maneira de ser?
SCHWARZENEGGER — Não, não modificou em nada. Não tive aquelas visões estranhas que os pacientes descrevem, de nuvens e luzes. Ou talvez seja mais certo dizer que, se as tive, não me lembro. Tudo o que fica na memória é a sensação de cair no sono e depois acordar com um sujeito debruçado sobre você dizendo: "Bem, agora vou puxar este tubo de dentro da sua garganta". Isso e o fato de que, na primeira semana de recuperação, a comida tem um sabor horrível.
Veja — O senhor não passou a dar mais valor à vida depois dessa experiência?
SCHWARZENEGGER — Na verdade, acho que ninguém pensa no valor da própria vida o tempo todo, a não ser que digam que só lhe restam seis meses. No meu caso, logo que saí da cirurgia já estava me sentindo ótimo — e estava me sentindo ótimo antes de passar por ela também. Até que os médicos recomendassem a troca de uma válvula cardíaca, por causa de um defeito congênito, eu pensava que tinha apenas um sopro no coração. Daqui a vinte anos provavelmente terei de substituir essa válvula por outra — e sempre há aquela pequena possibilidade de não sair vivo da mesa de operação. O que me consola é saber que, se o pior acontecer, não vou sofrer. Simplesmente não irei acordar.
Veja — Em seu novo filme, The 6th Day, seu personagem descobre que foi clonado. Qual é a sua opinião a respeito de um tema tão controvertido quanto a clonagem de seres humanos?
SCHWARZENEGGER — Acho que a clonagem apresenta possibilidades maravilhosas. Imagine só, multiplicar aos milhares animais em via de extinção! Quanto à clonagem humana, é um assunto delicado. Quando a técnica estiver inteiramente dominada, o que deve ocorrer num futuro não muito longínquo, é preciso tomar cuidado para que não seja utilizada por psicopatas. Ao contrário do personagem que interpreto, contudo, não tenho objeções de cunho religioso à idéia de clonar seres humanos. O curioso é que, por saber que eu estava trabalhando num filme sobre clonagem, chegaram a me procurar para investir num experimento desses. Recusei, é claro.
Veja — O senhor recebe muitas ofertas desse tipo?
SCHWARZENEGGER — Muitas. Já recebi propostas para entrar nos negócios mais malucos que se possam conceber. Acho que isso acontece porque sou conhecido como um sujeito que administra os próprios ganhos e gosta de faturar um dólar ou outro, ao contrário de outros atores, que entregam tudo a um agente financeiro e depois descobrem que o dinheiro sumiu. É engraçado: às vezes alguém vem se gabar de que, desde que contratou esse ou aquele investidor, está há cinco anos sem pagar impostos. "Claro", digo, "é porque ele roubou o seu dinheiro!" Adoro pagar impostos. Parto do pressuposto de que, se tenho de pagar mais, é porque ganhei mais.
Veja — O senhor tem fama de ser um bom comprador de obras de arte.
SCHWARZENEGGER — Não me arrependo de nem um dólar que tenha gasto em arte ou em imóveis. Tenho um quadro que retrata Russell Means, famoso líder indígena americano, pelo qual paguei 28.000 dólares. Hoje, ele vale milhões. Arte é um investimento imbatível.
Veja — Que grandes artistas podem ser encontrados nas paredes de sua casa?
SCHWARZENEGGER — Não só da minha casa, mas também do meu escritório. Tenho pinturas de Andy Warhol e óleos e litografias de Marc Chagall e Claude Monet. Eram peças caras quando as comprei, mas hoje não têm preço. E imaginar que as pessoas achavam que eu era louco por gastar meu dinheiro com elas! Também tenho muitos quadros e esculturas de Anthony Quinn, o ator. Uma de minhas telas favoritas é a de uma mãe com seu filho, com que presenteei minha mulher quando nossa segunda filha nasceu. A cada filho que tivemos, dei a Maria uma obra com esse tema.
Veja — Há pouco tempo o senhor teve seu quarto filho. O que mais o encanta em ser pai?
SCHWARZENEGGER — Pessoas que gostam de negócios se entusiasmam quando vêem um dólar que investiram multiplicar-se. Pois bem, o cérebro de uma criança é o maior investimento que se pode fazer. Uma das coisas que mais me divertem é ver meu filho, de 6 anos, dizer coisas da maneira que eu as diria. Também gosto de contar à minha filha sobre a Áustria, para que ela possa fazer trabalhos de escola a respeito do lugar em que seu pai nasceu.
Veja — Apesar de viver há mais de trinta anos nos Estados Unidos, o senhor ainda se sente austríaco?
SCHWARZENEGGER — Sim. A cultura e os costumes austríacos estão entranhados em mim.
Veja — O senhor educa seus filhos do modo austríaco ou do americano?
SCHWARZENEGGER — Faço o possível para incutir neles um pouco da cultura do meu país. A disciplina em minha casa é austríaca e também algumas das comidas. Freqüentemente os levo em viagem à Áustria. Muitas vezes conversamos em alemão. Faço questão, ainda, de que eles aprendam a esquiar muito bem. Você sabia que, aos 2 anos, uma criança já é capaz de se equilibrar sobre um par de esquis?
Veja — O senhor é um pai severo?
SCHWARZENEGGER — Há dois anos tento convencer minha filha a se livrar de uma urna com as cinzas de seu cavalo, que ela mantém na garagem de casa em homenagem ao animal de que tanto gostava. Se alguns anos atrás me dissessem que eu toleraria algo assim, daria gargalhadas.
Veja — Se fosse possível, com que ator do passado o senhor gostaria de contracenar?
SCHWARZENEGGER — Com John Wayne. Tive sorte em poder fazer filmes com muitos dos meus ídolos de juventude, como Kirk Douglas e Charlton Heston. Mas John Wayne é um herói para mim. Seria maravilhoso fazer um faroeste com ele.
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