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Entrevista: Quentin Tarantino


BRAVO!: Quando todos esperavam um novo Cães de Aluguel ou mesmo um novo Tempo de Violência, você surge com Jackie Brown, um filme menos truculento, mais maduro. Qual a razão da mudança?
Quentin Tarantino: Cada um dos meus filmes é diferente um do outro. Eles têm diferentes andamentos, diferentes sentimentos. Não vejo Jackie Brown como um momento de mudança de direção da minha carreira. Ele apenas expressa um lado diferente de mim. Há muitos filmes diferentes dentro de mim, e todos são parte do que eu sou. Uma carreira interessante é aquela que a gente pode chamar de madura, mas que também proporcione diversão ao cineasta. Aqueles que esperavam que meus filmes virassem uma fórmula não me conhecem realmente. O que me deixa aborrecido é o fato de as pessoas falarem sobre os meus filmes como se eu tivesse feito uns seis. Essa gente não me conhece de verdade porque eu ainda não tenho uma obra considerável para eles provarem suas teorias. Ninguém pode dizer que me conhece bem só porque me viu no programa de entrevistas do Jay Leno. Você vai me conhecer se assistir aos meus filmes. E eles representam faces diferentes do mesmo Tarantino.

Em seus dois primeiros filmes você trabalha com um universo muito particular. Aí surge Jackie Brown. O universo de Elmore Leonard (autor de Ponche de Rum, que inspirou o novo filme) é o mesmo que o seu?
Na verdade, acho que Cães de Aluguel e Tempo de Violência não tratam de um mundo fantasioso. Eu os considero bem realistas. Parte do humor desses filmes vem do fato de que tudo é mostrado como na vida real, e não como ficção. Mas não vejo nada de mais no fato de o meu terceiro filme se passar no universo criado por outra pessoa. Embora eu tenha usado uma fonte alheia, basta uma pequena mudança para torná-lo diferente, meu.

Diminuir o tom de violência no novo filme foi uma decisão consciente?
Não, assim como enfatizá-la em Cães de Aluguel e Tempo de Violência também não o foi. Eles são o que são. Jackie Brown é o que é. O engraçado é que, na época em que Cães de Aluguel foi lançado, as pessoas se referiam a ele como o filme mais violento já feito. Em todas as críticas - e eu tive ótimas críticas - sempre havia um parágrafo alertando sobre o conteúdo violento do filme. Cães de Aluguel parece muito violento na primeira vez que assistimos, mas vai ficando menos e menos violento a cada vez que o revemos. E agora, cinco anos depois, é como se ninguém o interpretasse como um filme violento. Sou fã de melodramas e, logo depois do lançamento de Cães de Aluguel, assisti a um melodrama maravilhoso, feito nos anos 30, chamado Back Street, do John Stahl (Esquina do Pecado, de 1932). Há um grande senso de tragédia nesse filme, é como se um anjo da tragédia pairasse sobre os personagens o tempo todo, mesmo nos momentos mais suaves, porque você sabe que a história vai acabar de modo terrível. Essa é a base do melodrama. A tragédia funcionava como um personagem. Era o caso de Cães de Aluguel: a violência estava sempre presente, mesmo quando a cena não era violenta, mas era como se ela pudesse surgir a qualquer momento.

Seu faro para bons elencos ressuscitou a carreira de John Travolta e agora promete fazer o mesmo com a de Pam Grier e Robert Forster. Por que os filmes de Hollywood sempre mostram os mesmos rostos?
O grande problema de Hollywood é o casting pouco criativo. Mas não é uma atitude maliciosa, pensada para deixar bons atores longe do trabalho, ou uma estratégia puramente comercial. É pura ignorância, mesmo: eles simplesmente não conhecem os atores que têm, só reconhecem os rostos que acabaram de ver no cinema.

Em Tempo de Violência você conseguiu a adesão de grandes nomes do cinema internacional, como Bruce Willis, Uma Thurman e Rosana Arquette. Dessa vez você conquistou Robert De Niro, Michael Keaton e Bridget Fonda. Em geral, eles trabalham por uma percentagem da bilheteria. Essa facilidade cada vez maior para ter estrelas hollywoodianas é conseqüência da repercussão de seus filmes?
Acho que esses atores não são receptivos apenas ao tom da minha voz ao telefone. Eles são receptivos porque conhecem o meu trabalho. As pessoas gostam de trabalhar comigo não porque querem colaborar com um diretor de grandes estrelas de Hollywood; assim como eu não convido De Niro apenas porque preciso de uma superestrela no meu filme. O mais importante é que reagimos uns aos outros como artistas. Tenho vantagem sobre muitos diretores em Hollywood simplesmente porque venho de uma formação dramática. Eu tenho a confiança dos atores porque eles vêem os meus filmes, vêem como as performances são boas, sabem que quem está atrás da câmera é o criador daquele ambiente. Não estou dizendo que sou maravilhoso, mas, sim, que existe um monte de diretores que não sabe falar com os atores. Os atores são mitificados e os diretores não têm a menor idéia de como os atores fazem o que fazem. Eu poderia ter quem eu quisesse nesse filme, todos grandes estrelas, mas eu tento escolher os atores que têm a ver com os papéis. Robert Forster é perfeito para o seu personagem, assim como De Niro é o mais indicado para o dele. E não é legal ver toda aquela mistura?

Você transferiu a ação do livro de Leonard, que se passa em Miami, para South Bay, região de Los Angeles que tem uma grande comunidade negra, na qual você foi criado. Jackie Brown, aliás, é uma versão modernizada dos velhos blaxploitation movies dos velhos filmes feitos por negros, com negros e para negros?
É uma questão de afinidade com os negros. Quando você cresce cercado de muitos negros, você acaba se sentindo como um deles. Não é como se você quisesse ser um negro, você apenas se sente como se fosse um deles. É muito fácil para qualquer pessoa criada numa determinada sociedade assimilar traços daquela cultura. Ela se torna parte de você. É o que eu sou. E não tem nada a ver com política, com racismo. Falo de mim, de como me sinto em relação aos negros. Não falo do ponto de vista político, mas do ponto de vista do coração.

Seus filmes são protagonizados por pequenos e grandes bandidos. De onde vem esse fascínio por tipos criminosos?
Definitivamente, as figuras marginais são mais fáceis de trabalhar quando você quer criar uma história. A partir do momento em que você introduz uma arma numa determinada situação, você consegue ter uma história. Se, nesse instante, eu tirar uma arma carregada do meu bolso, colocá-la na mesa e girá-la, você tem uma história para contar. Para os cidadãos comuns, ordeiros, os criminosos são fascinantes porque representam o caminho que eles não escolheram na vida. Nós, que respeitamos a lei, fizemos a escolha oposta, preferimos o mais difícil. Somos fascinados pelos que fazem a opção pelo crime mas, ao mesmo tempo, eles nos aterrorizam, nos exasperam, nos cansam, e ainda assim os romantizamos.

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