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FHC: Entrevista concedida a Veja (29/06/1988), ao sair do PMDB para formar o PSDB.

Veja - O Partido Democrático Popular não é uma sigla de perdedores? Os políticos que ali estão perderam os quatro anos de mandato para o presidente José Sarney, perderam no debate sobre parlamentarismo e também estão ficando mais fracos em seus Estados.
FERNARDO HENRIQUE - Quem está perdendo mesmo, nos últimos anos, é o país. Não somos nós, políticos. O país perdeu as esperanças de mudança com a Nova República. A população, hoje, perdeu até mesmo as ilusões que possuía. Então, é possível dizer que nós, que estamos formando esse novo partido, até perdemos em várias lutas políticas travadas de uns tempos para cá. Nosso problema maior é o do país, não de quarenta parlamentares que resolvem formar um partido novo.

Veja - O senhor, que está deixando o PMDB para fundar o PDP, tem evitado, nas últimas entrevistas e discursos, pronunciar o nome do governador Orestes Quércia, de São Paulo, peemedebista, um amigo adversário. Isso faz parte de alguma estratégia?
FERNARDO HENRIQUE - Não sei por que eu deveria pronunciar o nome do governador de São Paulo. Não se trata de falar de uma pessoa, mas de avaliar uma obra. Como obra, o governo de São Paulo é medíocre, trata-se de uma das piores administrações dos últimos tempos. O governo de Paulo Egydio, por exemplo, foi muito melhor. Construiu mais escolas, mais postos de saúde que o governo atual. O governador de São Paulo é especialista, hoje, em viabilizar casas populares pela TV sem construí-las. Como garoto-propaganda, tem grande futuro.

Veja - A Constituinte marcou a eleição presidencial para o final do ano que vem, pelo sistema de dois turnos. Vamos supor que, nessa disputa, fiquem Orestes Quércia e Leonel Brizola para o segundo turno. Quem o senhor apoiaria?
FERNARDO HENRIQUE - Pensar nessa hipótese é torcer contra o Brasil. Supondo que isso venha a acontecer, de fato, seria preciso avaliar a campanha de cada um, a proposta dos dois.

Veja - Vamos supor, em outra hipótese, que ocorra um segundo turno entre Brizola e Jânio Quadros. Quem o senhor apoiaria?
FERNARDO HENRIQUE - Creio que este é o grande espantalho que estão construindo para as eleições presidenciais, uma campanha polarizada entre dois políticos arcaicos. O Jânio é um espantalho ainda mais produzido do que o Brizola. Sua candidatura reflete, acima de tudo, o medo de nossa direita, sua dificuldade para disputar o voto dos brasileiros. Por que a direita não escolheu alguém do PFL ou mesmo do PMDB? Simples: porque não confia na democracia. A direita acha que se for pela democracia vai dar Brizola mesmo. Então, ela quer um outro espantalho, o seu, que é o Jânio Quadros. O novo partido nasce com a finalidade de quebrar essa situação, esse páreo entre fantasmas do arcaísmo. Creio que nós temos condições de oferecer uma opção a uma nação cada vez mais desiludida.

Veja - Onde que o senhor enxerga a raiz desses problemas que o país atravessa?
FERNARDO HENRIQUE - Creio que chegamos, três anos depois, a uma situação igual à que havia no governo Figueiredo. Há uma ruptura entre a sociedade brasileira e o governo, entre o dia-a-dia da população e aquilo que fazem os políticos. O governo é uma coisa, e o país, outra. Felizmente, porém, o país é tão forte que, apesar disso, consegue avançar.

Veja - Como assim?
FERNARDO HENRIQUE - Penso que a maioria das pessoas encara o governo como um sujeito meio trapalhão, não permite que isso altere seu cotidiano. Ou seja: na universidade, as pesquisas continuam sendo feitas. Nos sindicatos, assistimos a um processo de modernização. Nas empresas, também. Essa massa de recursos que existe na sociedade faz com que os cidadãos possam olhar para quem está no poder, os políticos, com desconfiança até porque estão conseguindo ir para a frente sem a governo. Por um lado, isso não é de todo mau, porque diminui a arrogância do Estado.

Veja - Quando o senhor compara o governo do presidente José Sarney com o governo Figueiredo, qual a vantagem de um e de outro?
FERNARDO HENRIQUE - Há diferença evidente, que é a liberdade. Antes, não tínhamos liberdade agora, a possuímos. É um dado essencial, mas que não muda tudo. Mesmo porque nós podemos dizer que temos um regime de liberdade, mas não vivemos sob um regime de democracia. As pessoas podem dizer o que quiserem. Também podem se manifestar. Mas as decisões tomadas a nível de governo não são democráticas. Nós não achamos, até agora,
instituições capazes de funcionar democraticamente. Então, a população pode se expressar, mas quem resolve o que vai ser feito, e faz, é o governo. Um governo que mantém nossa pior tradição política, que é aquela de olhar para o calendário eleitoral, descobrir que há uma eleição marcada para breve e, então, sair correndo em manobras para adiá-la. Num outro aspecto, contudo a comparação fica pior.

Veja - E qual aspecto é esse?
FERNARDO HENRIQUE - É indiscutível que, sob o regime autoritário, houve um surto de modernização provocada pelo Estado. Ao menos em algumas coisas, o país melhorou. No campo das telecomunicações, por exemplo. E em outras. Agora, não. Temos um Estado canhestro, atônito, cuja ação é simplesmente patética. Antes, a população tinha medo do governo. Agora, não tem mais, e é bom ter um governo que não provoca medo nas pessoas. O grave é que temos um governo desprezado pela sociedade. Boa parte das pessoas acha que tudo ficou pior, agora. É possível compreender porque elas pensam assim. Não é porque as coisas tenham ou não piorado, efetivamente. É que agora se pode ver como elas são, como o governo age. As pessoas estão vendo como é e estão decepcionadas.

Veja - O senhor acredita que a população esperava desse governo um comportamento de alguma forma parecido com o dos governos anteriores?
FERNARDO HENRIQUE - É claro que não. Os eleitores esperavam o Estado como o promotor de mudanças. E o que estamos vendo é o contrário, um Estado paralisado, burocratizado, que não tem política para a indústria, para a tecnologia, para coisa alguma.

Veja - O senhor fala do governo como se não tivesse nada a ver com o que ocorre no país. No entanto, o senhor, até há pouco, era líder do PMDB no Senado. Sua legenda também dispõe de vários ministérios. O senhor não está numa posição muito confortável?
FERNARDO HENRIQUE - Não vejo por que minha atitude atual seria confortável. Até pelo contrário: ao deixar o PMDB, estou abrindo mão de uma liderança no Senado em que a maioria dos membros da bancada sempre se alinhou com as propostas que defendi. Outras pessoas, que estão ingressando no novo partido, estão abrindo mão, também, de postos e posições importantes. Então, por esse lado, não é um problema de conforto. Se fosse olhar a coisa
apenas do ponto de vista pessoal, nada mais conveniente, para mim, do que permanecer no PMDB. Até porque, em 1986, fui eleito para um mandato de sete anos. Quer dizer: Sarney já terá passado, os governadores já terão passado, mas eu continuarei senador.

Veja - Mas, diante de uma crise econômica como a atual, não é confortável assumir uma postura oposicionista?
FERNARDO HENRIQUE - Há meses eu dizia que quem quisesse ganhar a eleição no Brasil só precisava falar mal do Sarney. Acho que isso é verdade até hoje, e será assim até o final de seu governo. O problema, nesse caso, não é da oposição mas da situação. E aí temos um dado fundamental, que é o papel que o presidente Sarney escolheu para si próprio. Ele poderia ter sido o fundador da democracia brasileira. Seria um papel com dimensões históricas. Mas ele preferiu marcar sua passagem pelo poder com uma postura de rotina. Ficou tão igual aos outros presidentes que toda vez que enfrenta dificuldade faz questão de ser fotografado ao lado dos comandantes militares. A dificuldade, no entanto, é que o presidente Sarney nunca explicou o fundamental. Para que ele queria cinco anos? Ninguém sabe. Essa questão, aliás, está na origem de uma outra perversão.

Veja - E que perversão é essa?
FERNARDO HENRIQUE - E o dando que se recebe. Veja que, até certo ponto, a troca de cargos e favores é um dado normal de qualquer sistema político. O que se tornou anormal em nossa situação política atual é que se faz o favor pelo favor, o cargo pelo cargo. Ou seja: não há mais política, não há mais debate político. Para que este cargo? Aquele favor? O resultado é que nós estamos assistindo a uma restauração do poder oligárquico, o mesmo tipo de poder que foi utilizado em 1964 para conter a pressão popular.

Veja - A discussão sobre a duração do mandato não teve, por trás dos debates públicos, o temor de boa parte dos políticos e da elite brasileira de uma vitória do ex-governador Leonel Brizola?
FERNARDO HENRIQUE - Brizola é só pretexto. Na realidade, há pessoas que não gostam de eleição, que não querem eleições de forma alguma. Para elas, Brizola foi um pretexto, apenas. Boa parte de nossa elite, um segmento importante dos empresários, comporta-se assim. Tanto na questão eleitoral como em outras.

Veja - O senhor poderia dar um exemplo?
FERNARDO HENRIQUE - O que está na essência desse comportamento é uma cultura política segundo a qual é sempre melhor um sistema levemente corrupto a uma negociação às claras. Foi o que aconteceu, por exemplo, na discussão sobre a proteção ao emprego, na Constituinte. Nós, da liderança do PMDB, fechamos um acordo com as lideranças dos empresários a esse respeito. Estava tudo bem amarrado e todos estavam de acordo. Os empresários saíram da sala e preferiram dar uma guinada, abandonando a proposta acertada. Eles acabaram perdendo na votação, mas veja como é esse comportamento. Há uma preferência por uma ação isolada, pela ruptura do acordo, do consenso.

Veja - Como o senhor avalia os trabalhos da Constituinte, agora que ela está chegando à fase final dos trabalhos?
FERNARDO HENRIQUE - Acho que vamos enfrentar uma fase necessária de ajustamentos. A Constituição que estamos elaborando tem como base a criação de um Estado de bem-estar. Essa é uma antiga aspiração dos brasileiros, um ideário que se forjou, entre nós, nos anos 50 e início dos anos 60. Todas as nações desenvolvidas criaram seu Estado de bem-estar e é justo fazermos uma Carta com essa preocupação. O problema é que, trinta anos depois, o Estado do bem-estar, nos países desenvolvidos, se transformou no Estado da crise fiscal, no Estado ameaçado de ir à falência. O que eu penso é que, após a promulgação da nova Constituição, teremos de fazer um ajuste, pois o Estado brasileiro entrou em sua crise fiscal, num quadro de falência, antes de promover o bem-estar. Tenho certeza de que não será fácil. Mas terá de ser feito.

Veja - A Constituinte aprovou medidas como os juros tabelados a 12% ao ano, a nacionalização dos minérios. Boa parte dos parlamentares sempre falou contra essas medidas, mas, na hora de votar, acabou dando seu apoio. Como o senhor explica esse comportamento?
FERNARDO HENRIQUE - Mesmo agora, na discussão da anistia financeira aos pequenos e médios empresários, esse problema apareceu. Eu penso que o deputado tem um comportamento diferenciado. Ele até não concorda com a proposta. Mas na hora em que vai apertar o botão para votar ele pensa: Mas é tudo muito injusto... Com isso, creio que acaba apoiando muitos projetos que racionalmente considera errados. Não concordo com esse comportamento, mas consigo compreendê-lo.

Veja - O senhor acredita que, encerrada a Constituinte, estará terminado, também, o debate sobre os rumos que terá o país para vencer a crise?
FERNARDO HENRIQUE - O debate vai prosseguir, e o centro do problema será saber para onde vai o Brasil: continuaremos sendo um país do Terceiro Mundo ou seremos capazes de engatar no Primeiro? Essa é a questão. Eu não acho que estamos no caminho de nenhuma catástrofe geral, até porque já temos, aqui, as bases de uma economia capaz de se desenvolver, com um mínimo de capacidade de produzir. O país não vai desabar. O que é preciso é dar o salto. No passado, essa discussão afetava, especialmente, a direita. Hoje, essa questão também corta a esquerda em grandes fatias.

Veja - Como assim?
FERNARDO HENRIQUE - Existe uma parte da esquerda que é, sinceramente, terceiro-mundista. Não se trata de solidariedade, apenas. É mais do que isso. São aquelas pessoas que pensam o Brasil como um país africano e gostam disso. Acham que o Primeiro Mundo é negativo, é ruim. Identificam país desenvolvido com exploração dos outros. É uma visão de país como autarquia, em que a nacionalidade se constrói na base daquela unidade do tudo contra a exploração estrangeira. Penso que isso é anacrônico.

Veja - Há dois anos, o senhor esteve na TV e pediu votos para o governador Orestes Quércia, que hoje classifica como medíocre. Também pediu votos para o PMDB, legenda que agora está abandonando. O que o senhor vai dizer a seus eleitores, agora?
FERNARDO HENRIQUE - O que eu tenho a dizer é que, como muita gente, fiz uma aposta na mudança mas ela não ocorreu. Eu não acreditava, na época, que o resultado pudesse ser esse. Tentei, dentro do PMDB, uma outra opção que não fosse o governador de São Paulo. Apoiei o governo do presidente Sarney em seu início e também durante o Plano Cruzado. O Cruzado tinha de ser apoiado, porque era um projeto que estava dentro daquilo que o PMDB sempre defendeu, como mudanças sociais. Mas o fato é que o PMDB se transformou. Hoje, é um carimbo para se conseguir empregos no governo. Respeito, e sempre vou respeitar, o deputado Ulysses Guimarães. Também respeito os militantes do PMDB, e sei que eles fazem política não porque
gostem de mordomias. Mas o fato é que o partido não criou uma postura nova, contra a fisiologia, contra o empreguismo. Transformou-se numa máquina que está colada ao governo, e não vai afastar-se dali.

Veja - No final deste ano, haverá eleições municipais. O que o novo partido vai prometer aos eleitores, agora?
FERNARDO HENRIQUE - Se depender de mim, não vamos prometer nada. Até porque o eleitor não quer promessas. O que a sociedade deseja são compromissos com as mudanças. O novo partido é parlamentarista e vai se bater pela implantação dessa forma de governo no país. Também somos favoráveis àquele conjunto de reformas do Estado, que começa por uma mudança completa na administração, que precisa tornar-se democrática. Mais importante do que isso, no entanto, é o nosso compromisso com a mudança. E isso pode ser visto em função do perfil de quem está no partido.

Veja - O que não falta, no novo partido, são pessoas apresentadas como presidenciáveis: o senador Mário Covas, o ex-governador Franco Montoro e o senhor, também. Isso não é candidato demais para partido de menos?
FERNARDO HENRIQUE - Um partido com muitos candidatos é melhor do que aquele que não tem nenhum. Na realidade, daqui até a eleição não será inventado nenhum novo candidato. O Brasil tem dez nomes para a disputa, todo mundo sabe quem são. Entre todos eles, cinco serão escolhidos e outros cinco vão ficar à margem. Se me perguntassem quem é meu candidato, eu diria: é aquele político que for um novo Juscelino Kubitschek. Alguém que queira desenvolver o país. Não como JK de 1950, mas o de 1990.

Veja - Em fevereiro de 1986, quando faltavam 48 horas para o anúncio do Plano Cruzado, o senhor deu uma entrevista pregando a ruptura com o governo. Mais tarde, o senhor apoiou o Cruzado e o governo. E agora, ao sair do PMDB, não teme que possa repetir a mesma situação?
FERNARDO HENRIQUE - Eu estava certo naquele momento. Mas a história muda e quem tem razão é a História. Depois daquela entrevista, de fato, muita coisa mudou no Brasil. Mudou tanto que a maioria das pessoas hoje me diz que eu estava certo.

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