Certa vez, em um impulso autobiográfico, o romancista russo Fió-dor Dostoiévski (1821-1881) escreveu: "Felicidade Tão forte e tão doce que por alguns segundos dessa delícia trocaria dez anos de minha vida". Dessa maneira, por incrível que pareça, ele tentava descrever um ataque epilético. O autor de clássicos da literatura, como Irmãos Karamázov, era vítima de um raríssimo tipo de epilepsia, em que, durante o surto, as áreas de prazer do cérebro ficam à beira de um curto-circuito. A pessoa, então, experimenta algo semelhante a orgasmos, enquanto dura a crise. Por sorte, não é preciso padecer do mesmo mal para saber do que o escritor falava. Normalmente, a sensação de prazer intenso é a isca arranjada pela evolução para atrair determinados seres vivos para o sexo, garantindo a reprodução de suas espécies. A maioria dos chamados animais se-xuados cai nessa armadilha do desejo, mas nenhum com tanta freqüência e tamanha intensidade quanto o homem.
A espécie humana pode ser considerada a campeã do prazer sexual. Afinal, é capaz de experimentar o orgasmo em qualquer época do ano, enquanto outros bichos só desfrutam desse prazer no período do cio. Para chegar ao orgasmo, o sistema nervoso ordena, em primeiro lugar, que os batimentos cardíacos acelerem, autorizando um derrame do hormônio adrenalina. A substância faz o coração arrancar, por um bom motivo: não pode faltar sangue para os músculos, na agitação do sexo. Esse mesmo hormônio, despejado pelas glândulas supra-renais, faz ainda com que as artérias se dilatem, facilitando a passagem do sangue. Este precisa estar oxigenado daí que os pulmões também aumentam o ritmo de trabalho; a respiração torna-se rápida e curta. Toda essa superatividade física leva o corpo a esquentar, como um motor prestes a fundir. E, feito a água do radiador de um carro, o suor passa a jorrar na pele, na tentativa de controlar a febre do desejo.
No cérebro, por sua vez, um crescente número de neurônios passa a secretar substâncias ativadoras de certas regiões, que são reconhecidamente o centro das sensações de prazer. Foram elas, aliás, que comandaram aquelas reações do corpo, como o aceleramento do coração. Até que, no limiar do esgotamento físico e da exaustão dos neurônios, outra região cerebral, a do desprazer, contra-ataca com uma descarga de endorfinas, para acabar com a festa e com o risco de pane cerebral. Nos pequenos espaços entre os neurônios, as endorfinas com forte efeito calmante vão se misturar às substâncias excitantes liberadas pelas zonas de prazer. Assim, por alguns instantes, tanto as áreas de prazer como a do desprazer entram no curto-circuito do orgasmo, e mandam faíscas para outras partes do sistema nervoso. Entre elas, as responsáveis pelos movimentos de certos músculos eis o comando para o espasmo da ejaculação, que sempre acompanha o gozo masculino.
Há quem se contorça por inteiro, involuntariamente, até o cérebro se pôr em ordem. Quando isso acontece, sobra o cansaço da intensa atividade física, capaz de consumir a mesma quantidade de calorias de uma partida de tênis, de 420 a 660. Resta, também, o relaxamento provocado pelas endorfinas, que, depois de serem descarregadas em alta dosagem no cérebro, terminam se espalhando pelos músculos, arrastadas pela corrente sangüínea.
No reino animal as coisas funcionam de forma mais ou menos parecida. "Mas, em geral, as fêmeas dos mamíferos só topam o acasalamento quando estão no período do cio", diz o biólogo Ladislau Deutsch, de São Paulo, que afirma já ter "visto sexo até de macacos africanos". Segundo ele, durante a ejaculação, os mamíferos machos demonstram uma forte sensação, semelhante ao orgasmo do homem. "Quanto às fêmeas, é impossível ter certeza de que sentem alguma coisa."
Ou seja, nesse aspecto, até que se prove o contrário, o sexo feminino dos seres humanos é uma exceção. "O fato de a mulher ser privilegiada com a capacidade de sentir prazer sexual nunca foi muito bem compreendido", admite o geneticista Oswaldo Frota-Pessoa, da Universidade de São Paulo, autor de livros sobre sexo e seleção natural. "No macho, por causa da coincidência entre o orgasmo e a ejaculação, conclui-se que a sensação prazerosa tem o papel de impulsionar o organismo a injetar seus espermatozóides na parceira", explica. "Já o orgasmo feminino, à primeira vista, parece não ter função. É claro, porém, que existem algumas teorias para justificá-lo."
Há quem postule, por exemplo, que o orgasmo da mulher surgiu quando seus ancestrais se tornaram bípedes. Isso porque a nova postura criava a possibilidade de a fêmea sair caminhando, logo depois da relação sexual. E, daí, a maioria do sêmen escorregaria rapidamente para fo-ra da vagina, sem dar muita chance de fecundação aos espermatozóides. No entanto, o gozo deixaria os músculos do corpo completamente relaxados. Desse modo, a tendência seria a mulher permanecer mais tempo deitada. A teoria é polêmica afinal, caminhar depois do sexo jamais foi um método anticoncepcional. Estudos recentes mostram, ainda, que os espasmos ocorridos durante o orgasmo transformam o útero numa espécie de sugador, facilitando, mais uma vez, a entrada dos espermatozóides.
Uma coisa é certa: o prazer feminino, ao tornar a fêmea bem disposta para o sexo, foi fundamental para libertar a espécie humana do cio. Para os seus indivíduos, todo dia pode ser dia de acasalamento. A possibilidade do orgasmo, de que só os humanos parecem ter consciência, torna o sexo uma tentação permanente. E, no cérebro, o centro de todas as tentações e de todas as aversões, também, fica no chamado sistema límbico.
Trata-se de uma enorme região, dividida em diversos núcleos, na parte interna da massa cinzenta. Uma de suas principais estruturas é o chamado septo, que governa as sensações de prazer. Na realidade, as emoções agradáveis também são criadas numa área vizinha e maior: o hipotálamo, que ainda se responsabiliza pelas sensações de fome, sede, frio e calor. Um terceiro núcleo desse sistema é o hipocampo, a sede da memória. Finalmente, existe a amígdala, que é o grande centro de desprazer do sistema nervoso. "Quando a gente estimula eletricamente essa área, no cérebro de cobaias, notamos que elas sentem emoções desagradáveis, como medo ou raiva", revela o neurofisiologista Eduardo Pagani,, que faz pesquisas sobre o sistema nervoso na Escola Paulista de Medicina. De acordo com ele, o orgasmo pode ser considerado uma overdose das substâncias produzidas pelas células nervosas dessas quatro estruturas do sistema límbico.
Tudo, no entanto, começa mais na superfície da massa cerebral, ou seja, na camada cinzento-escura conhecida por córtex. Nele, afinal, desembocam as informações nervosas, provenientes dos diversos órgãos sensoriais. É o caso, por exemplo, da imagem do parceiro em potencial, que alcança a retina, no fundo dos olhos. Ali, a luz refletida por essa figura é transformada em impulsos elétricos, que percorrem o nervo óptico até parar no córtex. Os neurônios que tecem essa camada vão analisar a imagem recém-chegada: se é a de uma pessoa gorda ou magra, se ela tem pernas finas ou grossas, se o nariz é arrebitado ou adunco e assim por diante. "O córtex, porém, só processa esses dados, sem emitir nenhum juízo", explica Pagani. "É o sistema límbico que julga se é para gostar ou não dessa imagem."
Não é à toa, a primeira escala das informações nervosas no sistema límbico é justamente o hipocampo, aquela estrutura relacionada à memória. "Ele faz comparações com outras imagens gravadas em seus arquivos, isto é, suas redes de células", diz o pesquisador. A partir disso, vem o veredicto: o hipocampo pode enviar as informações visuais àquelas duas áreas ligadas ao prazer ou para a amígdala, relacionada ao desprazer.
O provável parceiro sexual, é claro, não se limita a estimular a visão. O tom da voz e, mais adiante, quem sabe, o som de gemidos entram no cérebro pela área do córtex dedicada à audição. As carícias chegam pelo tato; o cheiro pelo olfato; o sabor do beijo, pelo paladar. O trajeto, porém, é sempre o mesmo, isto é, dos órgãos sensorias em direção ao córtex e, a partir daí, ao sistema límbico. "Algumas vezes, os órgãos sensoriais podem ser dispensados", diz Pagani. "Pois a imaginação também consegue estimular o córtex e, daí, o sistema límbico. Isso explica por que existem pessoas que se excitam ao ver uma cena de filme ou uma foto de revista."
Provavelmente, é o sistema límbico que dá a primeira ordem para os órgãos sexuais se excitarem, enviando substâncias que os deixam inundados de sangue extra. Este, contudo, não é o único mecanismo. Os cientistas descobriram que a medula espinhal, na altura da região lombar, também é capaz de liberar substâncias da ereção masculina e do intumescimento do clitóris, na vagina. Mas, no caso, essa segunda ordem só é acionada quando existem estímulos táteis pela masturbação ou pelo próprio contato dos genitais.
A partir do momento em que clitóris e pênis são estimulados, surge uma via de mão dupla. Os genitais não apenas recebem as mensagens de prazer, vindas do sistema límbico, como enviam outras, reforçando a sensação agradável. Com isso, o sistema límbico vai ficando cada vez mais acionado e, nessa altura, começa a interferir no funcionamento de outras áreas cerebrais especificamente daquelas ligadas às funções involuntárias do corpo. É como se o cérebro desejasse que essa felicidade não tivesse fim. Tudo se acelera, até que os organismos cheguem ao clímax, algo já comparado a uma explosão, um curto-circuito - e por Dostoiévski à epilesia que o martirizava.
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