Também o número de cartas que o cliente tira, o número de rodadas e o tempo gasto na leitura variam. Para Namur, que se considera bom entendedor, doze cartas e uma rodada bastam. Já os clientes de Kucho devem escolher 28 cartas em quatro rodadas; na última, se quiserem, podem fazer perguntas. Claudine interpreta no mínimo 44 cartas. Mas nenhum deles gasta menos de uma hora na operação. Nesse complicado jogo as interpretações dos arranjos que as cartas formam variam de acordo com cada pessoa e a situação que ela vive em determinado momento, dizem os tarólogos. Por isso, se o ermitão (arcano IX) sair para uma criança, poderá simbolizar timidez; já para um homem de 50 anos será símbolo de riqueza interior.
O enforcado (arcano XII), brinca Namur, é o arcano do brasileiro, sempre com a corda no pescoço. Normalmente, os tarólogos não brincam em serviço, certamente para manter a aura de seriedade em torno daquilo que para os mais desconfiados não passa de um jogo - antigo, complexo e sofisticado, mas apenas um jogo. Para o professor Namur, os fundamentos do tarô "são o pensamento mágico, não racional, e a intuição" - seja lá o que isso signifique. Os tarólogos tomam o cuidado de advertir aos mais deslumbrados que o tarô não é um jogo de adivinhação do tipo bola de cristal.
Aponta caminhos, mas não dá soluções. Por isso, quem consultar um tarólogo na esperança de descobrir o que vai acontecer no dia seguinte estará perdendo tempo.
"A verdadeira intenção do tarô", teoriza Namur, "é fazer com que as pessoas se auto-analisem, já que as cartas mostram o que está ocorrendo com elas." Ele afirma que "se as pessoas não souberem mudar sua relação com o passado, cuja resultante é o presente, acabam se repetindo; então não adianta mudar de marido, de emprego ou de casa, pois o problema permanece o mesmo". Curioso do tarô, o escritor Caio Fernando Abreu, autor de Morangos mofados, conta que na primeira vez em que consultou um tarólogo ficou espantado "porque entre tantas cartas saíam exatamente aquelas cuja interpretação tinha a ver com o que eu estava vivenciando".
Ao que parece, o tarô e mesmo o I Ching o livro das mutações que surgiu na China no período anterior à dinastia Chou (1150-249 a.C.) têm como meta principal levar as pessoas a refletir sobre o que estão vivendo. Talvez por isso, um dos fundadores da psicanálise, o suíço Carl Gustav Jung (1875-1961), tenha se interessado pelo tarô, entre outras simbologias. Seja como for, o fascínio que as várias formas de esoterismo exercem sobre as pessoas independe de sexo, religião ou atividade. Os homens, na maioria, procuram tarólogos para saber de dinheiro e negócios. Já as mulheres se preocupam com o trabalho e as questões afetivas. A curiosidade que o tarô sempre despertou nos artistas moveu o pintor espanhol e mestre do surrealismo Salvador Dali a desenhar um baralho.
Na literatura, a simbologia contida nessas cartas foi tema de poemas do francês Gérard de Nerval (1808-1855) e do norte-americano T.S. Eliot (1888-1965). E o pintor sergipano; radicado no Rio Antônio Maia, que sempre retratou temas ligados à crendice popular, decidiu comemorar seus 60 anos com uma exposição de 22 telas, onde estarão pintados, em bom tamanho, um a um, os arcanos maiores do tarô.
Esse futuro que não chega nunca.
Desde o começo dos tempos, brinca Woody Allen, o homem vive às voltas com algumas dúvidas insuperáveis: quem sou eu, de onde vim e onde será que vamos jantar esta noite. Ainda mais do que isso, o que as pessoas querem saber de verdade é o que lhes reserva o dia de amanhã. A busca insaciável do futuro, velha como o medo e a esperança, faz a felicidade dos tarólogos, jogadores de búzios, quiromantes, astrólogos, cartomantes e videntes de todas as categorias quando se trata de mexer com o desconhecido, jamais algum deles deve ter perdido dinheiro subestimando a credulidade alheia.
O que nem sempre se percebe é que correr atrás do futuro é fazer como o cachorro que dá voltas atrás do próprio rabo. Não se trata nem de dizer que é preciso estar muito aflito ou ter muita boa vontade inocente para acreditar que o futuro pode ser previsto pela magia ou pela ciência, assim ou assado. O problema é outro. Se o futuro já está pronto e acabado em alguma misteriosa dimensão das coisas, podendo portanto ser conhecido por qualquer vidente cinco-estrelas como parecem achar os que acreditam que a vida é apenas o desenrolar de um destino imutável, então que valia tem conhecer algo que não se poderá modificar? Ou, se o futuro só fica pronto quando acontece, como dizem os partidários da idéia de que são as pessoas, a cada escolha que fazem, que vão construindo sua história, então é possível conhecer algo que se modifica sem cessar?
No fundo, muita gente intui que não existe saída para esse paradoxo do contrário, bastaria ter uma bola de cristal desembaçada para fazer a quina da Loto toda semana e ainda assim freqüenta seus videntes de estimação. É que nesse ato, nesse jogo, a ansiedade diante dos rumos da vida encontra algum alívio. Se o ocultista procurado não for um charlatão, a pessoa poderá até sair dali com algo de valioso em troca do seu tempo e dinheiro. "Se um tarólogo lhe disser que ela fantasia muito", exemplifica o psiquiatra Antônio Carlos Cesarino, "certamente a pessoa vai parar para pensar nisso, e tudo que ajuda a refletir é bom."
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