O pensamento
A essência que permeia todo o pensamento de Confúcio é o ren, que pode ser traduzido como "benevolência" ou "humanismo". Aos discípulos que lhe perguntaram o que era o ren, o mestre teria respondido: "A principal virtude está em amar os homens". Para que não se pense que Confúcio está plagiando outro famoso pensador, lembre-se que ele proferiu essa frase 400 anos antes do nascimento de Cristo.
Embora com os passar dos séculos o confucionismo tenha se tornado uma religião para muitos - um pouco diferente das demais, é verdade, uma vez que não há corpo sacerdotal, por exemplo -, não parecia ser essa a intenção do mestre. Sua verdadeira vocação era a política. "Se o homem não consegue nem se relacionar corretamente com os vivos, por que se preocupa com o culto aos espíritos?", teria dito. Apesar de viver reverenciando o céu, principalmente por meio de sua música, ele não escondia de ninguém o quanto considerava a maioria das práticas religiosas de seu tempo superstições absurdas.
O sábio, no entanto, pagou a língua, uma vez que suas próprias origens ganharam versões fantásticas. A mais conhecida delas diz que um unicórnio teria aparecido no dia do seu nascimento segurando na boca uma tabuleta de jade com a inscrição: "Nascerá uma criança pura como o cristal para dar continuação ao povo Chou que está em decadência. Ele se tornará um rei sem reino". Dizem que outros sinais misteriosos também teriam aparecido: cinco dragões vigiaram o céu até o romper da aurora para evitar que qualquer influência maléfica perturbasse as primeiras horas do recém-nascido.
Lendas à parte, o que parecia mesmo mover Confúcio em sua juventude era uma busca insaciável por conhecimento. Assim, aos 22 anos, logo depois de fundar sua primeira escola, decidiu beber na fonte e ir ao encontro do maior sábio da época: Lao-tsé.
Fundador do taoísmo, Lao-tsé também tinha as origens envoltas em misticismo. Diz a lenda que o mestre teria ficado 81 anos no ventre de sua mãe, de onde saiu já velho e sábio.
O encontro em nada lembra a imagem clássica do mestre recebendo o aprendiz. Ao ouvir os pedidos de Confúcio, Lao-tsé teria, de fato, lhe passado um sabão: "O senhor afaste o seu ar arrogante, seus desejos excessivos e suas intenções libertinas. Nada disso é de proveito para sua pessoa. É só isso que tenho a lhe dizer e nada mais".
Envergonhado e ao mesmo tempo fascinado, Confúcio se retirou. Mais tarde, aos seus discípulos, teria assim descrito a experiência: "Eu sei que a ave pode voar, que o peixe pode nadar, que os animais selvagens podem correr. Não posso saber como o dragão sobe aos céus, galgando vento e nuvens. Mas hoje eu vi Lao-tsé. E como ele se assemelha ao dragão!".
A razão de tal rispidez talvez possa ser explicada pelas diferenças entre as duas doutrinas. Enquanto o confucionismo é essencialmente voltado para os aspectos práticos da vida, o taoísmo tem um lado metafísico mais acentuado. O primeiro trata de como se deve viver no âmbito pessoal e social, fala de regras de comportamento em sociedade, de ética e de política. Segundo o confucionismo, é possível viver em harmonia em qualquer lugar, desde que o acesso à educação seja garantido.
O taoísmo vem da palavra chinesa tao ("caminho") e sempre foi considerado uma religião. Para Lao-tsé, o caminho era um conceito místico, uma vez que para entrar em harmonia com o tao deveríamos nos livrar das futilidades, viver com simplicidade e tranqüilidade, de preferência junto à natureza. Para muitos estudiosos, no entanto, são essas diferenças que tornam as doutrinas complementares.
É bom lembrar que no mesmo século (4 a.C.) o budismo se expandia na Índia e rapidamente chegava à China. Estava pronta a salada religiosa que até hoje toma conta do país. "As teorias foram se misturando ao longo dos séculos. Hoje em dia, é difícil encontrar um chinês que seja apenas budista, taoísta ou confucionista. Todo mundo é um pouco de tudo", diz Chen Tsung Jye, professor de língua chinesa da USP. "Todo chinês é confucionista na rua, taoísta em casa e budista na morte", afirma o sinólogo André Bueno.
O homem
Confúcio era um sujeito brilhante. Mesmo assim passou a vida inteira procurando emprego e morreu sentindo-se um fracassado. "Aos 15 anos, só estava interessado em estudar; aos 30, comecei minha vida; aos 40, era presunçoso; aos 50, compreendi meu lugar no vasto esquema das coisas; aos 60, aprendi a desistir de discutir; e agora, aos 70, posso fazer o que bem entender sem acabar com a minha vida", teria dito ao descrever a si mesmo.
Kung-Fu-Tzu (Confúcio é a latinização desse nome, que significa "Venerável Mestre Kung") nasceu em Tsou, pequena cidade no estado de Lu, onde hoje é a província de Shantung. Filho caçula de uma família nobre, mas decadente e empobrecida, seu pai morreu quando ele tinha apenas 3 anos. Criado pela mãe, pouco se sabe sobre sua infância, só que ele adorava brincar de arrumar vasos rituais e demonstrava ser um estudante entusiasmado. Tanto que, aos 15 anos, já era considerado erudito, com certa preferência pela arqueologia.
O mestre parecia ser também precoce com as mulheres: casou aos 19 anos, jovem para os homens da época, e, no ano seguinte, nasceu seu único filho. Para equilibrar o orçamento, trabalhou como cocheiro e tratador de animais e ocupou cargos públicos de pequena importância. Em seu tempo livre, estudava história, música - era um exímio tocador de alaúde - e liturgia. Além disso, era adepto dos esportes ao ar livre, os radicais da época: adorava cavalgar, praticar arco-e-flecha, caçar e pescar.
Ambicioso, o que Confúcio queria mesmo era um emprego no governo para colocar suas idéias em prática. Enquanto não atingia seu objetivo, abriu uma escola onde ensinava seu código de conduta a futuros governantes.
A chance que tanto esperava chegou quando o mestre estava por volta dos 50 anos. Um de seus ex-alunos subiu ao poder e resolveu convidá-lo para o cargo de ministro da Justiça. De acordo com Paul Strathern, professor de filosofia na Universidade de Kingston, na Inglaterra, Confúcio foi bem-sucedido, apesar da rigidez excessiva. "Ele chegou a aplicar pena de morte por ‘invenção de roupas fora do comum’", afirma. Por essas e outras, logo pipocaram intrigas, boicotes e manobras até que o mestre, ofendido, enfim pediu demissão, partindo em uma expedição de 13 anos pela China. No fundo, o que Confúcio buscava era uma nova chance de mostrar sua capacidade como administrador em um outro cargo público.
"Ele era considerado o homem mais sábio da China e freqüentemente era procurado para dar conselhos ou mesmo discutir idéias com governantes e membros da aristocracia, mas sempre acabava frustrado por não conseguir um cargo público", afirma o biógrafo e sinólogo americano H.G. Creel.
Depois de sua intrépida viagem pelo interior do país, o mestre, então com 65 anos, resolveu voltar a Lu, seu estado natal. Melancólico, passou seus últimos anos de vida editando e comentando os cinco livros clássicos considerados sagrados para os chineses. Cada um expressa uma visão diferente dos acontecimentos: poética, histórica, política, social e metafísica.
Deprimido, em 479 a.C., aos 72 anos, Confúcio morreu no mesmo lugar onde nasceu. Um de seus discípulos registrou o que teriam sido suas últimas palavras: "A grande montanha terá que desmoronar! A forte viga terá que quebrar! O homem sábio murcha como a planta! Não existe ninguém no império que me queira como mestre! Meu tempo de morrer chegou".
A expansão
O maior temor de Confúcio era que seus ensinamentos se perdessem e não atingissem as gerações posteriores. Depois de sua morte, no entanto, discípulos se encarregaram de fundar oito escolas confucianas, que se empenharam em passar o conhecimento adiante.
O confucionismo andava de vento em popa até a dinastia Qin tomar o poder (221-207 a.C.). Em 213 a.C., o imperador Shi Huangdi - que construiu os famosos guerreiros de terracota - ordenou a incineração dos livros a fim de forçar uma subordinação completa à sua autoridade. Perseguidos, professores confucionistas foram enterrados vivos por defenderem suas idéias.
Com a queda da dinastia Qin, o confucionismo renasce das cinzas com o advento da dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), talvez a mais poderosa da história da China. "Um dos primeiros atos dos novos soberanos foi restituir a escola de Confúcio, concedendo-lhe um lugar importante junto à corte", diz o sinólogo André Bueno.
Mas como o confucionismo rompeu as muralhas chinesas e chegou aos vizinhos Japão, Coréia e Vietnã, entre outros? É bom lembrar que cultura não é igual a arroz ou macarrão, que podem ser levados de lá para cá por umas poucas pessoas. As teorias confucionistas foram se infiltrando aos poucos por conta de um intenso intercâmbio e pelo fato de a China ser considerada a grande referência cultural na época. "Era a pátria-mãe, e até a escrita por ideogramas foi importada por outros países, como o Japão", diz Mario Sproviero, da faculdade de Letras da USP. Os japoneses, por sinal, dão até hoje particular importância às teorias confucionistas que se referem a honra, lealdade e relações sociais e familiares. Isso pode ser visto, inclusive, como fator de sucesso econômico do país. "Autoconfiança, coesão social, subordinação do indivíduo, educação para a ação, tradição burocrática e convicção moralizante são uma mistura poderosa para fins de desenvolvimento", diz o economista Roderick McFarquhar, professor da Universidade de Harvard.
No entanto, 2 mil anos após o imperador dos soldados de terracota, o filósofo se via novamente em apuros. Em 1949, ao assumir o governo, o Partido Comunista de Mao Tsé-tung resolveu proibir o confucionismo, acusando sua tradição de impedir a renovação da vida chinesa. Dizia-se até mesmo que o filósofo defendia o escravagismo e os interesses dos grandes proprietários de terra. Durante a Revolução Cultural (1966-1976), de novo, os livros clássicos foram queimados. Analistas da época disseram que Mao não queria que eles fizessem sombra ao Livro Vermelho - o único que deveria ser estudado nas novas escolas chinesas.
O Partido Comunista, no entanto, faria, anos mais tarde, as pazes com o mestre numa grandiosa comemoração de seu aniversário. Semanas depois do massacre da praça da Paz Celestial, pipocaram discursos inflamados de políticos apoiando a transição para o confucionismo. Será que a imagem do homem parado em frente aos tanques mexeu com a cabeça dos dirigentes chineses? Não se sabe. Tudo bem. Confúcio mesmo dizia que somente os sábios e os idiotas não mudam de idéia.
A essência que permeia todo o pensamento de Confúcio é o ren, que pode ser traduzido como "benevolência" ou "humanismo". Aos discípulos que lhe perguntaram o que era o ren, o mestre teria respondido: "A principal virtude está em amar os homens". Para que não se pense que Confúcio está plagiando outro famoso pensador, lembre-se que ele proferiu essa frase 400 anos antes do nascimento de Cristo.
Embora com os passar dos séculos o confucionismo tenha se tornado uma religião para muitos - um pouco diferente das demais, é verdade, uma vez que não há corpo sacerdotal, por exemplo -, não parecia ser essa a intenção do mestre. Sua verdadeira vocação era a política. "Se o homem não consegue nem se relacionar corretamente com os vivos, por que se preocupa com o culto aos espíritos?", teria dito. Apesar de viver reverenciando o céu, principalmente por meio de sua música, ele não escondia de ninguém o quanto considerava a maioria das práticas religiosas de seu tempo superstições absurdas.
O sábio, no entanto, pagou a língua, uma vez que suas próprias origens ganharam versões fantásticas. A mais conhecida delas diz que um unicórnio teria aparecido no dia do seu nascimento segurando na boca uma tabuleta de jade com a inscrição: "Nascerá uma criança pura como o cristal para dar continuação ao povo Chou que está em decadência. Ele se tornará um rei sem reino". Dizem que outros sinais misteriosos também teriam aparecido: cinco dragões vigiaram o céu até o romper da aurora para evitar que qualquer influência maléfica perturbasse as primeiras horas do recém-nascido.
Lendas à parte, o que parecia mesmo mover Confúcio em sua juventude era uma busca insaciável por conhecimento. Assim, aos 22 anos, logo depois de fundar sua primeira escola, decidiu beber na fonte e ir ao encontro do maior sábio da época: Lao-tsé.
Fundador do taoísmo, Lao-tsé também tinha as origens envoltas em misticismo. Diz a lenda que o mestre teria ficado 81 anos no ventre de sua mãe, de onde saiu já velho e sábio.
O encontro em nada lembra a imagem clássica do mestre recebendo o aprendiz. Ao ouvir os pedidos de Confúcio, Lao-tsé teria, de fato, lhe passado um sabão: "O senhor afaste o seu ar arrogante, seus desejos excessivos e suas intenções libertinas. Nada disso é de proveito para sua pessoa. É só isso que tenho a lhe dizer e nada mais".
Envergonhado e ao mesmo tempo fascinado, Confúcio se retirou. Mais tarde, aos seus discípulos, teria assim descrito a experiência: "Eu sei que a ave pode voar, que o peixe pode nadar, que os animais selvagens podem correr. Não posso saber como o dragão sobe aos céus, galgando vento e nuvens. Mas hoje eu vi Lao-tsé. E como ele se assemelha ao dragão!".
A razão de tal rispidez talvez possa ser explicada pelas diferenças entre as duas doutrinas. Enquanto o confucionismo é essencialmente voltado para os aspectos práticos da vida, o taoísmo tem um lado metafísico mais acentuado. O primeiro trata de como se deve viver no âmbito pessoal e social, fala de regras de comportamento em sociedade, de ética e de política. Segundo o confucionismo, é possível viver em harmonia em qualquer lugar, desde que o acesso à educação seja garantido.
O taoísmo vem da palavra chinesa tao ("caminho") e sempre foi considerado uma religião. Para Lao-tsé, o caminho era um conceito místico, uma vez que para entrar em harmonia com o tao deveríamos nos livrar das futilidades, viver com simplicidade e tranqüilidade, de preferência junto à natureza. Para muitos estudiosos, no entanto, são essas diferenças que tornam as doutrinas complementares.
É bom lembrar que no mesmo século (4 a.C.) o budismo se expandia na Índia e rapidamente chegava à China. Estava pronta a salada religiosa que até hoje toma conta do país. "As teorias foram se misturando ao longo dos séculos. Hoje em dia, é difícil encontrar um chinês que seja apenas budista, taoísta ou confucionista. Todo mundo é um pouco de tudo", diz Chen Tsung Jye, professor de língua chinesa da USP. "Todo chinês é confucionista na rua, taoísta em casa e budista na morte", afirma o sinólogo André Bueno.
O homem
Confúcio era um sujeito brilhante. Mesmo assim passou a vida inteira procurando emprego e morreu sentindo-se um fracassado. "Aos 15 anos, só estava interessado em estudar; aos 30, comecei minha vida; aos 40, era presunçoso; aos 50, compreendi meu lugar no vasto esquema das coisas; aos 60, aprendi a desistir de discutir; e agora, aos 70, posso fazer o que bem entender sem acabar com a minha vida", teria dito ao descrever a si mesmo.
Kung-Fu-Tzu (Confúcio é a latinização desse nome, que significa "Venerável Mestre Kung") nasceu em Tsou, pequena cidade no estado de Lu, onde hoje é a província de Shantung. Filho caçula de uma família nobre, mas decadente e empobrecida, seu pai morreu quando ele tinha apenas 3 anos. Criado pela mãe, pouco se sabe sobre sua infância, só que ele adorava brincar de arrumar vasos rituais e demonstrava ser um estudante entusiasmado. Tanto que, aos 15 anos, já era considerado erudito, com certa preferência pela arqueologia.
O mestre parecia ser também precoce com as mulheres: casou aos 19 anos, jovem para os homens da época, e, no ano seguinte, nasceu seu único filho. Para equilibrar o orçamento, trabalhou como cocheiro e tratador de animais e ocupou cargos públicos de pequena importância. Em seu tempo livre, estudava história, música - era um exímio tocador de alaúde - e liturgia. Além disso, era adepto dos esportes ao ar livre, os radicais da época: adorava cavalgar, praticar arco-e-flecha, caçar e pescar.
Ambicioso, o que Confúcio queria mesmo era um emprego no governo para colocar suas idéias em prática. Enquanto não atingia seu objetivo, abriu uma escola onde ensinava seu código de conduta a futuros governantes.
A chance que tanto esperava chegou quando o mestre estava por volta dos 50 anos. Um de seus ex-alunos subiu ao poder e resolveu convidá-lo para o cargo de ministro da Justiça. De acordo com Paul Strathern, professor de filosofia na Universidade de Kingston, na Inglaterra, Confúcio foi bem-sucedido, apesar da rigidez excessiva. "Ele chegou a aplicar pena de morte por ‘invenção de roupas fora do comum’", afirma. Por essas e outras, logo pipocaram intrigas, boicotes e manobras até que o mestre, ofendido, enfim pediu demissão, partindo em uma expedição de 13 anos pela China. No fundo, o que Confúcio buscava era uma nova chance de mostrar sua capacidade como administrador em um outro cargo público.
"Ele era considerado o homem mais sábio da China e freqüentemente era procurado para dar conselhos ou mesmo discutir idéias com governantes e membros da aristocracia, mas sempre acabava frustrado por não conseguir um cargo público", afirma o biógrafo e sinólogo americano H.G. Creel.
Depois de sua intrépida viagem pelo interior do país, o mestre, então com 65 anos, resolveu voltar a Lu, seu estado natal. Melancólico, passou seus últimos anos de vida editando e comentando os cinco livros clássicos considerados sagrados para os chineses. Cada um expressa uma visão diferente dos acontecimentos: poética, histórica, política, social e metafísica.
Deprimido, em 479 a.C., aos 72 anos, Confúcio morreu no mesmo lugar onde nasceu. Um de seus discípulos registrou o que teriam sido suas últimas palavras: "A grande montanha terá que desmoronar! A forte viga terá que quebrar! O homem sábio murcha como a planta! Não existe ninguém no império que me queira como mestre! Meu tempo de morrer chegou".
A expansão
O maior temor de Confúcio era que seus ensinamentos se perdessem e não atingissem as gerações posteriores. Depois de sua morte, no entanto, discípulos se encarregaram de fundar oito escolas confucianas, que se empenharam em passar o conhecimento adiante.
O confucionismo andava de vento em popa até a dinastia Qin tomar o poder (221-207 a.C.). Em 213 a.C., o imperador Shi Huangdi - que construiu os famosos guerreiros de terracota - ordenou a incineração dos livros a fim de forçar uma subordinação completa à sua autoridade. Perseguidos, professores confucionistas foram enterrados vivos por defenderem suas idéias.
Com a queda da dinastia Qin, o confucionismo renasce das cinzas com o advento da dinastia Han (206 a.C.-220 d.C.), talvez a mais poderosa da história da China. "Um dos primeiros atos dos novos soberanos foi restituir a escola de Confúcio, concedendo-lhe um lugar importante junto à corte", diz o sinólogo André Bueno.
Mas como o confucionismo rompeu as muralhas chinesas e chegou aos vizinhos Japão, Coréia e Vietnã, entre outros? É bom lembrar que cultura não é igual a arroz ou macarrão, que podem ser levados de lá para cá por umas poucas pessoas. As teorias confucionistas foram se infiltrando aos poucos por conta de um intenso intercâmbio e pelo fato de a China ser considerada a grande referência cultural na época. "Era a pátria-mãe, e até a escrita por ideogramas foi importada por outros países, como o Japão", diz Mario Sproviero, da faculdade de Letras da USP. Os japoneses, por sinal, dão até hoje particular importância às teorias confucionistas que se referem a honra, lealdade e relações sociais e familiares. Isso pode ser visto, inclusive, como fator de sucesso econômico do país. "Autoconfiança, coesão social, subordinação do indivíduo, educação para a ação, tradição burocrática e convicção moralizante são uma mistura poderosa para fins de desenvolvimento", diz o economista Roderick McFarquhar, professor da Universidade de Harvard.
No entanto, 2 mil anos após o imperador dos soldados de terracota, o filósofo se via novamente em apuros. Em 1949, ao assumir o governo, o Partido Comunista de Mao Tsé-tung resolveu proibir o confucionismo, acusando sua tradição de impedir a renovação da vida chinesa. Dizia-se até mesmo que o filósofo defendia o escravagismo e os interesses dos grandes proprietários de terra. Durante a Revolução Cultural (1966-1976), de novo, os livros clássicos foram queimados. Analistas da época disseram que Mao não queria que eles fizessem sombra ao Livro Vermelho - o único que deveria ser estudado nas novas escolas chinesas.
O Partido Comunista, no entanto, faria, anos mais tarde, as pazes com o mestre numa grandiosa comemoração de seu aniversário. Semanas depois do massacre da praça da Paz Celestial, pipocaram discursos inflamados de políticos apoiando a transição para o confucionismo. Será que a imagem do homem parado em frente aos tanques mexeu com a cabeça dos dirigentes chineses? Não se sabe. Tudo bem. Confúcio mesmo dizia que somente os sábios e os idiotas não mudam de idéia.
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