ENTREVISTA: JEAN PAUL JACOB
As pessoas querem poder falar com o computador
Para cientista, reconhecimento de voz avança, mas ainda é insuficiente para permitir um diálogo com as máquinas
Pesquisador emérito do Centro IBM de Pesquisas de Almaden, Califórnia, o cientista brasileiro Jean Paul Jacob, 71, sempre atuou como uma espécie de futurólogo, analisando tendências da tecnologia e imaginando cenários de sua evolução. Nesta entrevista, feita por telefone, ele aponta desafios que a indústria e a sociedade ainda precisam enfrentar.
FOLHA - Quais as grandes inovações tecnológicas dos últimos 25 anos?
JEAN PAUL JACOB - A primeira observação é que todos os destaques desse período não eram previstos há 25 anos. Vou dar apenas dois exemplos. O primeiro é a web, o aparecimento de uma interface gráfica na internet. E 25 anos atrás, nem internet existia. Existiam algumas redes particulares de comunicação, muito limitadas, sem interface gráfica, muito difíceis de utilizar. Então, em 1993, grande surpresa: surge a web, que explode e muda o mundo da informática.
E o outro destaque, que afeta todos nós, é a intimidade que nós desenvolvemos no nosso relacionamento com átomos, moléculas, bactérias etc. Essa intimidade era impossível de prever, porque o átomo tem dimensões tais que não pode ser visto com o microscópio óptico.
Quando eu estudei no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica), em 1960, nós sempre ouvimos falar que o átomo não era visível porque tinha uma dimensão menor do que o menor possível comprimento de onda de luz visível.
De repente, nós começamos a vê-lo, colocando o nosso dedo, por assim dizer, sobre sua superfície e sentindo a presença do átomo como uma pequena montanha. As duas disciplinas que mais impactarão nossa vida no futuro, a nanotecnologia e a bioinformática, começaram exatamente no desenvolvimento da nossa intimidade com o átomo.
FOLHA - E que produtos marcaram o período? O celular? O notebook?
JACOB - O celular. Mas, mais genericamente, uma categoria de produtos que chamo de assistentes pessoais digitais, que eu chamo de Asped. O Asped faz tudo por nós. Então, nessa categoria, há o celular, o notebook, o GPS, as coisas como o iPod etc., produtos cujo sucesso não previmos, mas, também, não nos surpreenderam tanto.
O que mais me surpreendeu, pessoalmente, foi o telefone celular. Em 1987, houve uma demonstração, nos EUA, de telefonia celular. A tecnologia já existia, mas o aparelho era um receptor de rádio que tinha o tamanho e o peso de um tijolo.
FOLHA - Um monstro...
JACOB - Ficava no carro, porque era tão grande: tinha o tamanho, o peso e a inteligência de um tijolo. Às vezes pegava, às vezes não pegava. Então, a evolução do celular se deveu à tecnologia, que foi diminuindo o tamanho dos circuitos.
FOLHA - Aconteceram também fracassos, como o Simon, da IBM, e o Newton, da Apple...
JACOB - Você mencionou dois que foram fracassos, mas não grandes. O maior fracasso dos últimos 40 anos é algo chamado videofone. São telefones que tinham uma tela de vídeo, onde você veria o seu interlocutor.
Foram lançados os primeiros em 1964. Foram relançados uns 60 modelos-eu, pessoalmente, tenho uns 15 deles. Esses relançamentos sempre foram baseados em pesquisa de opinião mostrando que iam ser um sucesso. Nunca foram. Mudavam a estrutura de marketing: "Agora, vai pegar". E nunca deu certo.
FOLHA - E quais são os grandes desafios de hoje? Bill Gates sempre falava de linguagem natural e até hoje não temos nada próximo...
JACOB - Não só o Bill Gates, muitas outras pessoas sempre disseram isso. Era uma vontade esmagadora. Eu raramente vi tanta uniformidade quanto em pesquisas de opinião em que a gente perguntava qual é a tecnologia que você mais quer ver aparecer. Era sempre o reconhecimento da voz pelo computador. "Eu quero conversar com o meu computador, não quero ter que teclar, porque eu converso com outras pessoas", diziam. É uma das ambições mais antigas.
Já se fez um bom progresso nisso. Há, por exemplo, um sistema usado pelo Exército dos EUA, um sistema para traduzir do inglês para o idioma árabe, para que soldados americanos no Iraque possam se comunicar com os locais. Os soldados falam em inglês, o sistema traduz e reproduz, por meio de uma voz sintética, algo em árabe e vice-versa. É um sistema bastante especializado, porque a conversa de um soldado com um local se refere à saúde, à segurança etc.
FOLHA - Funciona em um contexto pré-definido.
JACOB - Exatamente, porque a linguagem é cheia de complicações. Há palavras que soam igual, mas têm significado diferente e só podem ser compreendidas em um contexto. A frase em português "eu vim verificar" pode ser entendida também como "eu vim ver e ficar". A mesma coisa com a frase "o livro da Vanessa": ela é dona ou autora do livro? Haverá progresso, mas muito lento. Os idiomas têm ambigüidades. Se você ler um poema que eu tenha escrito para mim mesmo, pode interpretá-lo de maneira totalmente diferente. A interpretação de uma frase, de uma conversa, depende do contexto social, depende do grau de intimidade dos interlocutores. Se você diz: "As galinhas estão prontas para comer", pode significar que elas estão prontas para se alimentar ou estão prontas para serem servidas em um almoço...
FOLHA - Quais outros grandes desafios para a próxima década?
JACOB - Outro grande desafio é encontrarmos alternativas a computadores que não utilizem a tecnologia de hoje, que está chegando ao seu limite.
Nós vamos precisar de um poder computacional muito superior ao de hoje, e não temos tecnologia, não podemos fazer transmissores e circuitos mais rápidos. Então, estamos adotando soluções tipo paralelismo, múltiplos processadores, múltiplos núcleos etc., e podemos, também, pensar em computador quântico.
Ou seja, o desafio é conseguirmos computadores que sejam de mil vezes a 1 bilhão de vezes mais poderosos que os de hoje. E as pessoas perguntam: por quê? E a resposta que eu dou é muito simples: a tecnologia tem que servir para resolver problemas sociais, econômicos, culturais ou políticos.
Os problemas que eu tenho em mente são problemas de saúde, por exemplo, de pragas, de doenças etc. Seria muito bom se nós conseguíssemos pesquisar proteínas que combatessem essas pragas e as doenças em nível individual, levando em consideração a higiene de um indivíduo.
Para fazermos isso computacionalmente, o poder requerido dos computadores é muito, mas muito maior do que o que temos hoje.
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