Máquina vai entender o conteúdo de fotografias
Segundo inventor da câmera digital, aparelhos vão saber de quem, quando e em qual contexto uma imagem foi feita
Em 1975, o engenheiro Steve Sasson criou a primeira câmera digital da história nos laboratórios da Kodak, empresa onde continua a trabalhar -lidando com propriedade intelectual. A história e o futuro da fotografia foram alguns dos assuntos abordados por Sasson nesta entrevista
FOLHA - Quais mudanças o senhor espera em tecnologia fotográfica para as próximas décadas?
STEVE SASSON - Há um velho ditado em que os engenheiros tendem a superestimar o que eles podem alcançar em cinco anos e subestimar o que pode ser feito em 20. As próximas décadas trarão avanços importantes em câmeras e telas. Espere para ver grandes avanços na habilidade para identificar e categorizar as imagens digitais automaticamente. A interpretação automática baseada no conteúdo da cena em si permitirá a existência de uma auto-organização da coleção de imagens. Uma simples consulta na coleção de imagens de sua vida lhe permitirá selecionar todas as figuras de sua filha quando ela era adolescente em uma viagem para a Europa, por exemplo.
FOLHA - Quais são os obstáculos e desafios?
SASSON - Os problemas em tornar o processamento de imagens mais fácil para a pessoa comum continuará conosco por algum tempo. Combinar a funcionalidade de aparelhos (celulares, câmeras digitais, dispositivos de GPS, portais de internet) desafiará os limites ergonômicos de nossos designers industriais. A crescente necessidade de energia de dispositivos multifuncionais continuará a desafiar a tecnologia de baterias. O crescente ritmo de mudança demandará projetos de dispositivos recicláveis por causa de sua vida útil mais curta.
FOLHA - O que direciona a evolução tecnológica em fotografia?
SASSON - Qualquer desenvolvimento em uma área (como fotografia) sofrerá impacto de outros campos. Há tantas dessas conexões imprevisíveis que é difícil prever o futuro impacto de um simples avanço. Quando nós desenvolvemos o protótipo original da câmera digital, pensávamos em um sistema fotográfico sem filme ou um que não exigisse a compra de vários filmes. Naquele tempo, não antecipamos o desenvolvimento da internet, as conexões sem fio e as impressões fotográficas de baixo custo.
Perceba como esses avanços imprevistos aumentaram drasticamente a utilidade das câmeras digitais que utilizamos. Hoje não há invenções isoladas porque o mundo inteiro está inventando junto com você.
FOLHA - Quais foram os avanços mais importantes nos últimos 25 anos?
SASSON - A mudança para uma tecnologia completamente nova para captura e exibição de imagens é, na minha opinião, a mais importante realização nos últimos 25 anos. Esse desenvolvimento, ligado ao desenvolvimento da internet, da impressão fotográfica local e dos suportes para imagens digitais, combinou-se de forma a oferecer aos nossos consumidores uma flexibilidade sem precedentes na captura e no compartilhamento de imagens.
Além disso, a combinação do telefone celular com câmeras digitais permitiu que a captura de imagens e vídeos se tornasse parte das nossas relações cotidianas. As imagens se tornaram uma forma de comunicação mais comum, e as fotos são capturadas como nunca.
FOLHA - Quais foram as principais dificuldades?
SASSON - Provavelmente o esforço mais duradouro tem sido o de fazer a nova tecnologia ser tão fácil de usar -e ter um desempenho tão bom- quanto o sistema baseado em filme que ela está substituindo. Houve imagens digitais com qualidade muito boa capturadas no meio da década de 1990, mas você precisava ser um engenheiro para utilizar aquelas câmeras.
FOLHA - Como está a tecnologia fotográfica hoje?
SASSON - Apesar de a arte de capturar aquela imagem especial ainda ser importante, a tecnologia que usamos para realizar isso foi integrada à infra-estrutura geral da computação do mundo. Fotografias hoje são arquivos -mas elas são especiais no sentido de que, quanto mais envelhecem, mais aumentam de valor. É nesse ponto que uma questão como a obsolescência de um formato torna-se uma das grandes desvantagens e ameaças da era digital.
À medida que acompanhamos as capacidades cada vez maiores das câmeras modernas, precisamos lembrar que os arquivos que produzimos são nossas preciosas memórias, e ser possível compartilhá-las no futuro é importante.
FOLHA - O que as pessoas querem em fotografia muda com o tempo?
SASSON - As figuras das pessoas representam sua posse mais preciosa: suas lembranças. A fotografia proporciona as ferramentas que nos permitem tê-las e compartilhá-las. Acho que isso continua ser verdade hoje e amanhã. Avanços tecnológicos permitem custos mais baixos, melhor performance e operação mais fácil dessas ferramentas. Esses são desejos universais e provavelmente serão os objetivos de investimento técnico por algum tempo.
FOLHA - Qual é a história da criação da primeira câmera digital?
SASSON - A primeira foto tirada por uma câmera digital "hand held" [compacta] foi em dezembro de 1975, em um laboratório de pesquisa em Rochester (EUA). A câmera era um protótipo grosseiro, mais ou menos do tamanho de uma torradeira, e pesava 3,85 kg.
Ela usava um dos primeiros [sensores] CCDs disponíveis da Fairchild, que produzia uma imagem de 10 mil pixels organizados em uma matriz de 100x100. A óptica foi fornecida por uma montagem de lente de uma câmera de vídeo Kodak XL 55 que estava em produção naquela época.
A imagem em preto-e-branco era capturada em 50 ms [milissegundos] digitalizando cada pixel em palavras de 4 bits e armazenando-as em um sistema de memória interno feito de 12 chips de memória RAM de 4.096 bits. A imagem era salva em uma fita cassete.
Levava 23 segundos para gravar a imagem digitalizada em uma fita de áudio padrão.
A imagem era então vista removendo-se a fita da câmera e colocando-a em um dispositivo de reprodução adaptado, que gerava um sinal para TV.
O protótipo gerou muito interesse e várias questões: Quando um conceito desses será viável para o consumidor? Por que alguém gostaria de ver suas imagens em um televisor? Como você salvaria suas imagens? A visão naquela época, baseada em uma estimada resolução aceitável para o consumidor de 2 Mpixels, era de que esse conceito estava 15 ou 20 anos distante da realidade.
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