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Medicina ocupacional

INTRODUÇÃO

Medicina ocupacional é também chamada de medicina do trabalho, especialidade médica responsável pela prevenção e tratamento de doenças e ferimentos decorrentes do ambiente de trabalho. A saúde e a segurança industriais são os seus principais problemas. Nos Estados Unidos, por exemplo, são registradas aproximadamente 14 mil mortes relacionadas ao trabalho e mais de 2 milhões de ferimentos incapacitantes a cada ano. Entretanto, visto que não se registram todas as mortes e ferimentos desse tipo, o número verdadeiro de casos é mais alto. Estima-se que, na verdade, os números registrados só representem 60% das mortes relacionadas ao trabalho e 10% dos ferimentos relacionados ao trabalho. Além disso, os dados não incluem os indivíduos afetados por doenças debilitantes relacionadas ao trabalho que se desenvolvem lentamente ao longo de muitos anos.

No Brasil, dados oficiais de 1996 indicam que, naquele ano, morreram mais de 3 mil trabalhadores por causa de acidentes de trabalho e mais de 17 mil receberam benefícios da Previdência Social por terem ficado parcialmente incapacitados ou com invalidez permanente. Esses dados também não incluem as doenças resultantes da atividade laboral.

HISTÓRIA

Já no século 4 a.C., Hipócrates reconheceu e descreveu o envenenamento por chumbo entre mineiros. Aproximadamente 500 anos depois, Plínio I e Galeno, em Roma, fizeram referência ao envenenamento decorrente do trabalho com enxofre, zinco e vapores ácidos. Apesar de algumas doenças relacionadas ao trabalho terem sido reconhecidas cedo, as autoridades não forneceram solução para elas. Essa situação se manteve até o final da Idade Média.

Em 1473, na Alemanha, Ulrich Ellenbog escreveu sobre a doença do ourives provocada pelos gases usados no seu trabalho, e em 1556, os escritos do médico alemão Georgius Agricola, que lidava com doenças de mineiros, foram publicados postumamente. O tratado de referência no campo da medicina industrial, entretanto, só surgiu em 1713. Foi o trabalho do médico italiano Bernardino Ramazzini. O estudo de Ramazzini, intitulado De morbis artificium diatriba, descrevia com riqueza de detalhes as numerosas doenças ocupacionais, mas a sua principal contribuição foi enfocar a ocupação como causa da doença.

Apesar do trabalho de Ramazzini, e do de outros na Inglaterra o de Percival Pott (1775) sobre o câncer de limpadores de chaminés; o de Thomas Beddoe (1801) sobre as condições de higiene do trabalho; e o de Charles T. Thackrah (1831) sobre doenças relacionadas ao trabalho em geral, com muita freqüência as doenças e ferimentos ocupacionais eram consideradas riscos inevitáveis. Trabalhadores tinham de aceitar a probabilidade de sofrer de uma doença relacionadas ao trabalho. Por exemplo, pintores de paredes que absorvessem o chumbo das tintas ficavam sujeitos a cãibras abdominais, conhecidas como “cólica de pintor”. Mineiros que inalassem poeira de sílica poderiam se enfraquecer seriamente pela “tísica” (silicose). Chapeleiros que fossem expostos a vapores de mercúrio do nitrato de mercúrio usado no seu ramo tinham a tendência de desenvolver “tremedeiras de chapeleiros”. Foi só com a promulgação do Ato das Fábricas inglês de 1833 que tais doenças ocupacionais passaram a ser consideradas evitáveis.

Muitas das provisões do Ato das Fábricas foram direcionadas à melhoria das condições de trabalho, mais do que a fornecer compensações a trabalhadores depois de terem sido feridos ou terem adoecido. Adições posteriores ao ato seguiram amplamente o mesmo rumo, mas, mais tarde, a compensação tornou-se o foco da legislação. Outros países europeus desenvolveram atos legislativos semelhantes, e a compensação após o fato continuou sendo o objetivo central dessas medidas.

Nos Estados Unidos, as ferrovias e minas começaram a fornecer tratamento médico aos seus empregados cedo, tanto para doenças ocupacionais, como para doenças não ocupacionais. Visto que os acidentes eram freqüentes e graves e que os trabalhadores estavam amplamente distribuídos por regiões remotas, as ferrovias desenvolveram um corpo de médicos e de hospitais. Por motivos semelhantes, os empregadores contratavam médicos nas minas e nas fundições remotas. Entretanto, com o advento das leis de compensação ao trabalhador, em 1911, surgiram outros motivos para o tratamento médico industrial; médicos de tempo parcial ou integral eram contratados para tratar dos empregados feridos. Além disso, foram instituídos exames admissionais para eliminar aqueles que não estivessem aptos. Essas medidas foram tomadas para limitar os riscos da empresa e o custo do seguro de compensação.

ESCOPO E RESPONSABILIDADES

O ponto de vista do profissional de saúde ocupacional é preventivo, e a base de toda a atividade médica deveria ser voltada para a prevenção de doenças e de ferimentos no ambiente de trabalho. Portanto, os relatos dos médicos devem ser usados para indicar quais são os indivíduos em condições que poderiam se agravar ou se acelerar pelo estresse do ambiente de trabalho, os quais, conseqüentemente, deveriam ser colocados em funções que não piorem suas condições. Da mesma forma, os indivíduos devem ser examinados periodicamente para avaliar o seu estado de saúde à medida em que envelhecem; o objetivo, mais uma vez, deve ser a colocação em função que não agrave as anormalidades em desenvolvimento. Além disso, a determinação precoce de alterações no estado de saúde provocado pelo envelhecimento pode freqüentemente ser útil para evitar maior deterioração. Empregados em determinadas funções, tais como operador de guindaste, nas quais um defeito funcional, como, por exemplo, uma falha de visão, poderia resultar no ferimento dele ou de outros, também devem ser examinados periodicamente. Esses exames devem ser acompanhados de testes de laboratório apropriados, que incluem exames radiológicos, testes de função dos pulmões e outros. À medida em que mais testes são obrigatórios por lei, a complexidade e a sofisticação dos programas de exames ultrapassam as medidas usuais da clínica-médica geral.

O escopo do conhecimento necessário ao médico na indústria tornou-se muito mais amplo à medida em que aumentava a complexidade dos processos de trabalho. O médico tem de estar completamente familiarizado com todos os processos e materiais empregados na empresa. Tem de conhecer a toxicologia de materiais potencialmente nocivos: por exemplo, os metais e os seus sais ou óxidos podem ferir ou afetar o funcionamento de várias partes do corpo; o chumbo, por exemplo, afeta a medula óssea; solventes e hidrocarbonetos alifáticos, o fígado; vapores de cádmio, os pulmões; e sais de níquel, a pele. De maneira semelhante, os mesmos sistemas de órgãos podem ser afetados por nitro- e aminohidrocarbonetos, álcoois alifáticos, ésteres, cetonas e outras substâncias químicas empregadas nos processos industriais. Os pós de sílica encontrados nas fundições, nas minas e em muitas outras operações provocam danos graves e progressivos nos pulmões após anos de inalação. Certos precursores dos plásticos orgânicos podem provocar doenças pulmonares indistinguíveis da asma. A pele é o órgão mais freqüentemente afetado pelos irritantes químicos e físicos, que incluem todas as substâncias químicas previamente citadas. O mais grave é que vários cânceres podem ser produzidos por compostos encontrados na indústria química ou em outras: por exemplo, a exposição à benzina pode provocar tumores na bexiga, a inalação de partículas de amianto pode resultar em tumores nos pulmões, e a absorção do gás cloreto de vinil pode provocar tumores no fígado. Estes e outros cânceres são tipicamente insidiosos, com tumores que só são identificáveis de 15 a 25 anos após o início da exposição. É óbvio que, visto que o tratamento médico efetivo de muitas dessas doenças não existe, a exposição mínima é o único método eficaz de prevenir o desenvolvimento desses problemas.

Os efeitos potenciais de agentes físicos também têm de ser compreendidos pelo médico na indústria. Os efeitos potencialmente danosos das altas temperaturas e do trabalho pesado requerem uma investigação no próprio local de trabalho. Problemas radiológicos devidos à radiação alfa, beta, gama e de nêutrons podem ocorrer na indústria de energia nuclear e em várias outras aplicações industriais. A radiação ultravioleta associada à solda pode provocar ardência na pele e nos olhos e uma radiação muito intensa de microondas, tais como as de aparelhos de radar, pode provocar a formação de catarata. É muito comum haver ruído em instalações industriais. Se os trabalhadores expostos não forem protegidos por protetores de ouvidos — orelheiras e tampões, ou outros recursos, podem desenvolver a perda de audição nas freqüências altas.

PROFISSIONAIS DE SAÚDE ASSOCIADOS

Dada a diversidade dos riscos, a reação do corpo às condições ou às substâncias químicas depende da sua intensidade ou dosagem. O corpo geralmente consegue lidar bem com baixas intensidades ou com baixas quantidades de agentes químicos ou físicos, mas exposições mais extensas podem ser nocivas. Do mesmo modo, para avaliar a segurança do ambiente de trabalho, é preciso medir a quantidade de agentes nocivos presentes no ambiente de trabalho. O higienista industrial, que toma tais medidas, integra a equipe de proteção à saúde e geralmente é um engenheiro ou um químico com treinamento específico. É somente com tais dados quantitativos que o médico pode avaliar os danos potenciais adequadamente. De modo semelhante, os médicos avaliam os riscos da radiação. Tanto os higienistas industriais quanto os médicos são responsáveis pela prescrição de máscaras, luvas, roupas protetoras e outras barreiras apropriadas entre o trabalho e o risco do ambiente de trabalho. Por fim, o projeto ótimo para a proteção do trabalhador depende da construção de barreiras físicas, da ventilação do ambiente de trabalho ou da substituição por materiais menos nocivos. O médico e o higienista industrial precisam trabalhar juntos para criar o ambiente menos arriscado possível.

A enfermeira também é um membro importante da equipe de proteção da saúde. Enfermeiras fazem o contato direto e diário mais freqüente entre o departamento médico e o trabalhador. Cada vez mais, tem-se reconhecido o papel vital do enfermeiro na modificação do comportamento de saúde, isto é, na orientação para que as pessoas alterem hábitos potencialmente nocivos à saúde. O enfermeiro pode orientar e influenciar as pessoas a pararem de fumar, a diminuir a ingestão de calorias, a reduzir o consumo de sal e geralmente a adotar hábitos mais saudáveis.

RESPONSABILIDADES ADMINISTRATIVAS

O médico pode ser empregado em horário integral, parcial ou cobrar por consulta. De qualquer modo, sua relação com a administração é de aconselhamento. Ele fornece as informações médicas à administração para auxiliar a tomada de decisões, mas tais informações não podem ser de medicina pessoal. Os registros médicos são mantidos no departamento médico e são confidenciais; eles não estão à disposição da gerência. Por outro lado, o médico entende que, como consultor, não pode tomar decisões administrativas. Ele não “emprega ou demite”; é com base em outras necessidades da empresa, incluindo as considerações médicas, que tais decisões são tomadas. Mas o médico é responsável perante o empregador e o empregado por fornecer uma avaliação honesta e abrangente da saúde e da realidade médica em questão.

Modernamente, os profissionais que se dedicam à medicina ocupacional têm se voltado também para a saúde do trabalhador em empresas prestadoras de serviços. Lesões de esforço repetitivo, as chamadas LER, provocadas pelo uso excessivo de equipamentos de informática e telecomunicações têm sido objeto de estudos e pesquisas. Da mesma forma, alergias e doenças respiratórias causadas pelo acúmulo de impurezas e bactérias nos dutos de ar-condicionado de edifícios de escritórios foram identificadas e começam a ser objeto de legislação específica. Além disso, grupos estabelecidos em universidades e centros de pesquisa, inclusive brasileiros, têm se dedicado a investigar os efeitos do trabalho sobre a saúde mental dos trabalhadores.

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