Engajado ao longo da vida em todas as lutas pela liberdade contra o colonialismo francês na Indochina, o fascismo na Espanha, o nazismo alemão escritor que ataca a miséria dos homens e exalta sua grandeza, André Malraux (1901-1976) foi também um esteta e um crítico de arte, que revelou ao público francês a riqueza das civilizações extra-européias.
De André Malraux, nós somos tentados muitas vezes a lembrar apenas os engajamentos apaixonados por todas as causas que inflamaram o século XX, sobretudo os vôos líricos do brilhante ministro da Cultura que ele foi, ao lado do general de Gaulle, entre 1958 e 1969, e da última epopéia, no final da vida, que o fez ir até Bangladesh devastada pela guerra, como mensageiro e precursor de um impulso humanitário que não levava ainda o nome de ajuda humanitária.
Seria esquecer um pouco rápido demais que ele é, antes de mais nada, um maravilhoso romancista e que prazer autêntico, simples e imediato proporciona hoje a leitura de narrativas onde a aventura não exclui a reflexão, onde se misturam, num estilo arquejante, contido e cortado por diálogos rápidos o romantismo dos combates solitários e a exaltação, paradoxal à primeira vista, da solidariedade do grupo.
Dos romances à fraternidade
Toda a obra, é verdade, segue a onda das ideologias contemporâneas, da revolução chinesa nacionalista e comunista dos anos 1920 à guerra da Espanha de 1936, passando pela luta obstinada, pertinaz contra o nazismo. Podemos ler Os conquistadores (1928), A condição humana (1933), A esperança (1937), Os afogados de Altenbourg (1934) tendo presentes em mente os grandes dramas da história. E no entanto, muito menos do que em conformidade com os movimentos políticos ou suas chances de vitória, é mais ao homem, à maneira antiga, ao que o eleva e o rebaixa, que André Malraux se interessa.
Pensador, ele se mantém a meio caminho entre a generosa meditação de Albert Camus e a serena harmonia com o mundo de Antoine de Saint-Exupéry, o pai do Pequeno príncipe (1943): assim como eles, Malraux representa uma dessas mentes para as quais a nobreza de alma dá um sentido ao destino humano.
Outra dimensão, mais raramente salientada, da obra de Malraux é o clima de erotismo ardente que envolve toda a obra, contraponto da coragem, da abnegação, da morte sempre presente. O herói (mais raramente a heroína) de Malraux regenera suas forças, sua fé na vida, seu gosto pelo jogo amoroso, os ritos refinados inspirados na Ásia, um código de relações que por si só já esboça uma sabedoria em relação à vida.
Pois este é o terceiro e não menos singular aspecto dessa obra breve e abundante: a busca de uma estética, a vontade de seguir com paixão e como quem faz a investigação dos fios condutores que, através da arte, conduzem aos mitos. Nada do que André Malraux escreve nesse campo é indiferente. Acredita-se que ao falar pela centésima vez dos baixos-relevos dos templos de Angkor, no Camboja, ele repisa o assunto; que evocando sua amizade com Picasso, ele demonstra complacência. Não é nada disso: "A cabeça obsidiana", seu ensaio sobre Picasso, "As anti-memórias" (1967-1972), que é um texto autobiográfico apesar do título, "O museu imaginário da escultura mundial" (1952-54), são ocasiões para se estabelecer correspondências sutis entre o primitivo e o contemporâneo, de balizar um percurso onde o impulso inovador anda lado a lado com a tradição fundadora.
A nobreza que os homens ignoram neles mesmos
Ao partir à descoberda da Indochina khmer no início dos anos 20, André Malraux entrará em contato com os revolucionários comunistas na China em 1925. A partir de 1935, em O tempo do desprezo, ele denuncia o totalitarismo nazista e ataca o fascismo espanhol em A esperança (1937). Mas, não se contentando com a arma da escrita, ele combate, com sua esquadrilha de vinte aviões, ao lado dos republicanos espanhóis durante a guerra civil ("O homem é definido pelo que faz e não pelo que sonha"). Ele será chefe de maqui durante a segunda guerra mundial e se tornará um companheiro de estrada do general de Gaulle.
Atraído desde muito cedo pela Ásia – o Camboja, a Índia e o Japão – ele revoluciona o discurso sobre a arte no pós-guerra, abolindo as fronteiras tradicionais entre arte "nobre" e arte "primitiva". Ele amplia à pintura japonesa da Idade Média, à arte sumeriana, à escultura pré-colombiana ou budista o Museu Imaginário das obras que devem ser vistas por todos, trazendo ao conhecimento do público francês, através de exposições a arte da Índia (essa "civilização da alma"), do México ou do Irã. Admirando no artista um demiurgo capaz de fazer concorrência à realidade criando seu próprio universo, André Malraux vê na arte uma luta contra a morte ("o verdadeiro Museu é a presença, na vida, do que deveria pertencer à morte") fazendo a grandeza do homem. Sua trilogia da arte, intitulada A Metamorfose dos Deuses, reúne O Sobrenatural, (sobre a arte grega e cristã), O Irreal (a arte do Renascimento e Rembrandt) e O atemporal (a arte moderna, mas também as criações dos doentes mentais).
In: Label France – Revista de informação do Ministério das Relações Exteriores. Brasília, nº 25, set. 1996, pp. 42-43.
De André Malraux, nós somos tentados muitas vezes a lembrar apenas os engajamentos apaixonados por todas as causas que inflamaram o século XX, sobretudo os vôos líricos do brilhante ministro da Cultura que ele foi, ao lado do general de Gaulle, entre 1958 e 1969, e da última epopéia, no final da vida, que o fez ir até Bangladesh devastada pela guerra, como mensageiro e precursor de um impulso humanitário que não levava ainda o nome de ajuda humanitária.
Seria esquecer um pouco rápido demais que ele é, antes de mais nada, um maravilhoso romancista e que prazer autêntico, simples e imediato proporciona hoje a leitura de narrativas onde a aventura não exclui a reflexão, onde se misturam, num estilo arquejante, contido e cortado por diálogos rápidos o romantismo dos combates solitários e a exaltação, paradoxal à primeira vista, da solidariedade do grupo.
Dos romances à fraternidade
Toda a obra, é verdade, segue a onda das ideologias contemporâneas, da revolução chinesa nacionalista e comunista dos anos 1920 à guerra da Espanha de 1936, passando pela luta obstinada, pertinaz contra o nazismo. Podemos ler Os conquistadores (1928), A condição humana (1933), A esperança (1937), Os afogados de Altenbourg (1934) tendo presentes em mente os grandes dramas da história. E no entanto, muito menos do que em conformidade com os movimentos políticos ou suas chances de vitória, é mais ao homem, à maneira antiga, ao que o eleva e o rebaixa, que André Malraux se interessa.
Pensador, ele se mantém a meio caminho entre a generosa meditação de Albert Camus e a serena harmonia com o mundo de Antoine de Saint-Exupéry, o pai do Pequeno príncipe (1943): assim como eles, Malraux representa uma dessas mentes para as quais a nobreza de alma dá um sentido ao destino humano.
Outra dimensão, mais raramente salientada, da obra de Malraux é o clima de erotismo ardente que envolve toda a obra, contraponto da coragem, da abnegação, da morte sempre presente. O herói (mais raramente a heroína) de Malraux regenera suas forças, sua fé na vida, seu gosto pelo jogo amoroso, os ritos refinados inspirados na Ásia, um código de relações que por si só já esboça uma sabedoria em relação à vida.
Pois este é o terceiro e não menos singular aspecto dessa obra breve e abundante: a busca de uma estética, a vontade de seguir com paixão e como quem faz a investigação dos fios condutores que, através da arte, conduzem aos mitos. Nada do que André Malraux escreve nesse campo é indiferente. Acredita-se que ao falar pela centésima vez dos baixos-relevos dos templos de Angkor, no Camboja, ele repisa o assunto; que evocando sua amizade com Picasso, ele demonstra complacência. Não é nada disso: "A cabeça obsidiana", seu ensaio sobre Picasso, "As anti-memórias" (1967-1972), que é um texto autobiográfico apesar do título, "O museu imaginário da escultura mundial" (1952-54), são ocasiões para se estabelecer correspondências sutis entre o primitivo e o contemporâneo, de balizar um percurso onde o impulso inovador anda lado a lado com a tradição fundadora.
A nobreza que os homens ignoram neles mesmos
Ao partir à descoberda da Indochina khmer no início dos anos 20, André Malraux entrará em contato com os revolucionários comunistas na China em 1925. A partir de 1935, em O tempo do desprezo, ele denuncia o totalitarismo nazista e ataca o fascismo espanhol em A esperança (1937). Mas, não se contentando com a arma da escrita, ele combate, com sua esquadrilha de vinte aviões, ao lado dos republicanos espanhóis durante a guerra civil ("O homem é definido pelo que faz e não pelo que sonha"). Ele será chefe de maqui durante a segunda guerra mundial e se tornará um companheiro de estrada do general de Gaulle.
Atraído desde muito cedo pela Ásia – o Camboja, a Índia e o Japão – ele revoluciona o discurso sobre a arte no pós-guerra, abolindo as fronteiras tradicionais entre arte "nobre" e arte "primitiva". Ele amplia à pintura japonesa da Idade Média, à arte sumeriana, à escultura pré-colombiana ou budista o Museu Imaginário das obras que devem ser vistas por todos, trazendo ao conhecimento do público francês, através de exposições a arte da Índia (essa "civilização da alma"), do México ou do Irã. Admirando no artista um demiurgo capaz de fazer concorrência à realidade criando seu próprio universo, André Malraux vê na arte uma luta contra a morte ("o verdadeiro Museu é a presença, na vida, do que deveria pertencer à morte") fazendo a grandeza do homem. Sua trilogia da arte, intitulada A Metamorfose dos Deuses, reúne O Sobrenatural, (sobre a arte grega e cristã), O Irreal (a arte do Renascimento e Rembrandt) e O atemporal (a arte moderna, mas também as criações dos doentes mentais).
In: Label France – Revista de informação do Ministério das Relações Exteriores. Brasília, nº 25, set. 1996, pp. 42-43.
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