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Conflitos no Mercosul

Na ausência de uma política agrícola que vise ao desenvolvimento regional de uma maneira mais integral e que leve em consideração os atores mais sensíveis envolvidos, o processo de integração do Mercosul vem produzindo impactos em diferentes níveis dos sistemas produtivos. Porém, também começa agora a produzir reações, como o surgimento de barreiras "não tarifárias" ao intercâmbio comercial entre os países, ainda que os governos tenham negado estar adotando esse tipo de restrição ao comércio com Argentina.
No entanto, a proibição pelo Brasil de importar maçã argentina, alegando problemas fito-sanitários, teve como resposta desse país a proibição da entrada de frutas brasileiras como a banana, melão e outras.
A rapidez com que se está operando a abertura das fronteiras, junto à lentidão com que opera o processo de harmonização de políticas agrícolas, provoca a concorrência entre produtores com profundas assimetrias nos seus sistemas produtivos. Surgem tensões na área agrícola, como o conflito envolvendo produtores de arroz no sul do país, que bloquearam as estradas na fronteira com Uruguai e Argentina para impedir a entrada de arroz a preços mais baixos que seus custos de produção.
A mobilização, levada pela Federação de Associações de Produtores de Arroz (Fedearroz), pelo Sindicato das Indústrias (Sindarroz) e pela Federação de Cooperativas (Fearroz), propunha-se a defender a colocação da safra local no mercado e questionava a concorrência de seus vizinhos, que teriam uma carga de impostos indiretos mais reduzidos.
Os efeitos desse tipo de concorrência dentro do Mercosul dificilmente poderão ser evitados. Da mesma forma que a exportação brasileira de frango provocou protestos na Argentina, as melhores condições de produção e menores custos no trigo naquele país têm colaborado para desincentivar o cultivo do cereal no Brasil, que já chegou a ser auto-suficiente, mas que este ano deve colher menos de um terço do consumo nacional.
Ante situações como essa, entidades representativas de pequenos produtores do Sul do país, como o Fórum dos Departamentos Estaduais de Trabalhadores Rurais do Sul, vêm propondo a criação de um fundo de investimentos para a agricultura familiar, destinados a financiar melhoras produtivas nas propriedades, possibilitando maiores condições de competição, para iniciar processos de reconversão agrícola neste segmento da população rural, mais sensível ao impacto do Mercosul.
A proposta que, em diferentes instâncias, vem sendo levantada por esse Fórum, parece que pode encontrar hoje alguns espaços em nível governamental. Pelo menos, essa parece ser a posição do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que defendeu a criação de um fundo especial para a reconversão agrícola e industrial de alguns setores, que poderiam ser prejudicados com a implementação do Mercosul. Ainda que defendendo a integração regional como "vantajosa no conjunto", reconhece que "topicamente, pode haver perdas", o que demandaria a criação do fundo de reconversão, a exemplo do que existe na Comunidade Européia. Destacou que a "desintegração em alguns setores deve ser corrigida".
Paralelamente, o subgrupo de trabalho-8 (Política Agrícola) continua o processo de negociações do setor. Em reunião que tinha como meta harmonizar alguns pontos da pauta de intercâmbio para diminuir o impacto do processo de integração, foram tomadas decisões em relação a vários produtos, das quais destacamos as seguintes:
Maçã – discutiram-se as normas de padronização, com base na legislação européia.
Cebola – os brasileiros alertaram sobre a necessidade de planejamento integrado da safra para evitar a superprodução. Os argentinos vão levar o assunto aos produtores.
Alho – foi acordado que as normas de padronização e comercialização seguirão o projeto do Conasur. Solicitou-se que o Paraguai revogue a proibição de importação de alho.
Feijão – o Brasil sugeriu à Argentina a substituição de parte das lavouras de feijão preto por outras variedades, a fim de evitar a concorrência.
Hortaliças – o Brasil solicitou à Argentina a autorização para o ingresso de produtos hortícolas pelas fronteiras de São Borja e Santo Tomé.
Batata – o Brasil sugeriu prioridade na retirada do produto da lista de exceções do Uruguai e Paraguai.
Milho – as delegações avaliaram a necessidade de ações conjuntas para evitar práticas desleais do comércio.
O processo de descapitalização que vem sofrendo a agricultura familiar vem de longa data e agrava-se na conjuntura do Mercosul, que pode ser caracterizada como uma dimensão de uma nova fase de desenvolvimento do capitalismo no campo. Portanto, torna-se cada vez mais urgente implementar medidas que viabilizem a pequena produção articulando lutas no campo da política agrícola com aquelas que, em nível da produção, possam traduzir as necessidades imediatas dos trabalhadores rurais.

Fonte: Instituto de Estudos Sócio-Econômicos (Inesc).
Guillermo Rogel é mestre em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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