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Direito Brasileiro

Direito brasileiro

1 INTRODUÇÃO

Direito brasileiro, é o conjunto de normas e procedimentos que orientam a vida jurídica do Brasil, com o objetivo de orientar sua organização social, política e econômica. Embora o país, historicamente, tenha sido originado por uma mistura de portugueses, indígenas e negros, aos quais se acrescentaram imigrantes (ver Imigração no Brasil) de outros países nos séculos XIX e XX, como alemães, espanhóis, italianos, poloneses, ucranianos e japoneses, prevaleceu a ordem jurídica de raiz portuguesa. Isto significa dizer que o Direito brasileiro prende-se ao Direito português para a maior parte do Direito privado. Sofreu do constitucionalismo francês para o Direito público.

O direito brasileiro faz parte, portanto, da chamada "família romano-germânica" de sistemas jurídicos, isto é, aqueles sistemas que tiveram sua origem na fusão entre o Direito romano e os direitos germânicos medievais, como o francês, o espanhol, o italiano, o belga e alemão, bem como os direitos dos estados hispano-americanos.

No período colonial brasileiro (1500-1822) funcionou no Brasil o direito português, aplicando-se as Ordenações manuelinas (1520-1603) e as Ordenações filipinas (1603-1822), além de leis que foram sendo editadas posteriormente (Leis extravagantes). Tal direito, com pequenas adaptações às condições locais, quando necessárias, era aplicado pelos juízes ordinários, membros das Câmaras Municipais, que não tinham formação jurídica, pelos juízes de fora (magistrado brasileiro do período colonial), pelos ouvidores de comarcas e pelos tribunais da Relação, que existiam na Bahia, no Rio de Janeiro e no Maranhão. Este direito português no Brasil era, como em Portugal, uma combinação do direito comum (o direito romano revivido na Idade Média), do direito consuetudinário e do direito que ia sendo criado pelos reis absolutistas.

Na época da independência, o Brasil passou a sofrer forte influência dos ideais iluministas, que se traduziram no mundo jurídico pela idéia de uma constituição que resguardasse os direitos civis e políticos e organizasse o estado com base na lei. Predominou, aí, o constitucionalismo francês, embora houvesse também influências da constituição norte-americana. Após a promulgação da primeira constituição brasileira, em 1824, procurou-se ordenar a vida jurídica brasileira em função da nova realidade política e jurídica. Assim, foram estabelecidos os códigos criminal (1830) e de processo criminal (1832) e o código comercial (1850). Não chegou, nesta época, a ser elaborado um código civil, permanecendo em vigor neste aspecto as Ordenações filipinas. Com a proclamação da República, em 1889, foi elaborada nova constituição (1891) e também um novo Código penal (1890), ao qual se seguiu um Código civil (1917).

As transformações do país ao longo do século XX determinaram o surgimento de novas constituições, em 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988, bem como de um novo Código penal (1940), de Códigos de processo (civil e penal) e de uma consolidação das leis trabalhistas (1942). Ao longo do período republicano o país permaneceu ligado à tradição jurídica romano-germânica, com influências em aspectos específicos dos direitos alemão, francês e italiano.

O Direito brasileiro possui, como os demais desta tradição, duas esferas de existência, a do direito público e a do direito privado. A primeira compreende o Direito constitucional, o administrativo, o penal, o processual, o internacional, o tributário e o financeiro. À segunda correspondem o Direito civil e o Direito comercial. Numa área intermediária, segundo alguns autores, encontra-se o Direito do trabalho.

2 FONTES DO DIREITO BRASILEIRO

As fontes do direito brasileiro são as leis, de diversa natureza (leis nacionais propriamente ditas, decretos, tratados e convenções internacionais), o costume, a jurisprudência e a doutrina.

A lei, norma geral a quem todos estão submetidos, é um ato emanado do poder legislativo e sancionado pelo chefe do executivo. Sua vigência é de 45 dias após a publicação oficial (lei de Introdução ao Código civil, artigo 1º), exceto se houver disposição em contrário. Atualmente as leis em geral entram em vigor na data de sua publicação. A validade da lei, a menos que ela própria se limite no tempo é permanente, até que outra lei a revogue (lei de Introdução ao Código civil, artigo 2º).

O desconhecimento da lei não pode ser alegado (lei de introdução ao Código civil artigo 3º), embora no direito penal se admita como atenuante da pena (Código Penal, artigo 5º, II). Os efeitos da lei são imediatos e gerais, respeitado o princípio da irretroatividade, de modo que não sejam prejudicados o ato jurídico perfeito (aquele que era plenamente legal no momento de sua efetivação), os direitos adquiridos (situações jurídicas legalmente consolidadas) e a coisa julgada (sentença da qual não mais cabe recurso) (lei de introdução ao Código civil, art. 6º e Constituição federal, artigo 5º, XXXVI). Nesse caso admitem-se algumas exceções a partir da própria lei, como no Direito penal, quando se permite a retroatividade desde que beneficie o réu.

O costume, apesar da hegemonia da lei, continua sendo admitido no Direito brasileiro. Considerado doutrinariamente como sendo uma regra não escrita caracterizada pelo uso reiterado de comportamentos e procedimentos na realização de certos atos, originou-se no direito português. Este último, na época do absolutismo, passou a exigir que se provasse, para sua aceitação em juízo, a vigência durante pelo menos cem anos (lei da Boa razão, de 18 de agosto de 1769). A lei de Introdução ao Código civil, (artigo 4º), determina que o juiz pode decidir pelo costume, o mesmo o fazendo a Consolidação das leis do Trabalho, (artigo 8º) e o código de Processo civil, (artigo 126º). Este mesmo código determina que, quando alegado pela parte, o costume deve ser comprovado quanto ao teor e à vigência (artigo 337º). Também no direito comercial admite-se o costume.

A jurisprudência é outra fonte relevante do Direito brasileiro, contribuindo para dinamizá-lo e aproximá-lo da realidade social. Ela é constituída pelas sentenças judiciais, decisões dos tribunais e súmulas do Supremo Tribunal Federal. Embora estas últimas não possuam um efeito vinculante, têm influência como indicativo das tendências dominantes no Direito.

A doutrina, constituída por pareceres, tratados jurídicos e textos forenses, é normalmente acolhida pelos juízes e tribunais, contribuindo também para o aperfeiçoamento do judiciário.

Admite-se, ainda, para a integração das normas jurídicas, os tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, a lei estrangeira (por exemplo, a prova dos fatos ocorridos em país estrangeiro rege-se pela lei deste país, exceto se a lei brasileira a desconhecer (lei de Introdução ao código Civil, artigo 13º), o direito comparado (Consolidação das leis do trabalho, artigo 8º), a analogia (exceto nas leis penais, a menos que beneficie o réu) e os chamados "princípios gerais do direito", especialmente as diferentes formas de equidade.

3 CONSTITUIÇÃO E HIERARQUIA DAS LEIS

A hierarquia das leis brasileiras tem a Constituição federal, como lei maior. Ela é composta de 245 artigos, divididos em nove títulos: dos Princípios fundamentais, dos Direitos e garantias invididuais, da Organização do estado, da Organização dos poderes, da Defesa do estado e das Instituições democráticas, da Tributação e do Orçamento, da Ordem econômica e financeira, da Ordem social e das Disposições constitucionais gerais. Complementam a Constituição disposições transitórias, com 70 artigos.

Nos artigos 1º a 4º estão definidos os Princípios fundamentais da Constituição. São a forma de governo (república federativa), a indissolubilidade da união de estados, municípios e distrito federal, o estado democrático de direito, os valores fundamentais (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, trabalho e livre iniciativa, pluralismo político), a soberania popular e os poderes legislativo, executivo e judiciário, "independentes e harmônicos entre si". Constituem também Princípios fundamentais os "objetivos da República Federativa do Brasil" (artigo 3º), que são: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. As normas que devem reger o comportamento internacional do Brasil também estão aí definidas (artigo 4º): respeito aos princípios de independência, direitos humanos, auto determinação, não intervenção, igualdade entre estados, defesa da paz, solução pacífica dos conflitos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos e concessão de asilo político.

Na hierarquia das leis federais encontram-se a emenda constitucional, a lei complementar, a lei ordinária, a medida provisória, a lei delegada, o decreto legislativo e a resolução. Deve ser lembrado que, sendo o país uma federação, existem também as constituições dos estados, as leis orgânicas dos municípios e as leis ordinárias estaduais e municipais.

A emenda constitucional é uma modificação na Constituição que deve ser aprovada por 3/5 das duas casas do Congresso, em dois turnos. Não podem ser objeto de emenda constitucional (artigos 60º § 4º, I a IV) as chamadas "cláusulas pétreas", isto é, as que se referem à federação, ao voto direto, secreto, universal e periódico, à separação de poderes e aos direitos e garantias individuais.

A lei complementar à Constituição é por esta definida quanto às matérias. Requer maioria absoluta de votos nas duas casas do Congresso para aprovação.

A lei ordinária diz respeito à organização do poder judiciário e do ministério público, à nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais, planos plurianuais e orçamentos e a todo o direito material e processual, como os códigos civil, penal, tributário e respectivos processos.

A medida provisória, editada pelo presidente da república, deve ser submetida ao Congresso; não pode ser aprovada por decurso de prazo nem produz efeitos em caso de rejeição.

A lei delegada é elaborada pelo presidente, a partir de delegação específica do Congresso, mas não pode legislar sobre atos de competência do Congresso, de cada casa, individualmente, sobre matéria de lei complementar nem sobre certas matérias de lei ordinária.

O decreto legislativo é de competência exclusiva do Congresso Nacional, sem necessitar de sanção presidencial. A resolução legislativa também é privativa do Congresso ou de cada casa isoladamente, por exemplo, a suspensão de lei declarada inconstitucional (artigo 52º, X).

O conjunto de leis, encimado pela Constituição Federal, deve funcionar harmonicamente. Para isto existe um controle de constitucionalidade, de modo que sejam eliminadas as leis ou atos contrários à Constituição pelo Supremo Tribunal Federal, ou declarada sua inconstitucionalidade pelos juízes e tribunais. Neste último caso, a declaração de inconstitucionalidade tem validade apenas para o caso concreto, permanecendo em vigor até que tenha a sua suspensão decidida pelo Senado, ou até que seja revogada pelo Supremo.

4 O ESTADO BRASILEIRO

A natureza do Estado brasileiro encontra-se definida no artigo 1º da Constituição Federal, quando se afirma que possui caráter federativo, é formado pela união indissolúvel de estados, municípios e distrito federal e se constitui num estado democrático de direito. Este último aspecto compreende os valores jurídicos básicos definidos nos artigos 1º a 4º da Constituição, o voto direto, secreto, universal e periódico e os direitos e garantias individuais.

O estado brasileiro está organizado em três poderes, de acordo com o artigo 2º da Constituição Federal: o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, independentes e harmônicos entre si. Como se trata de um estado federal, esta estrutura repete-se nos estados, que também possuem um legislativo (unicameral, exercido pela assembléia legislativa), um executivo (dirigido pelo governador) e um judiciário (composto pelos juízes e tribunais estaduais) e, repete-se, parcialmente, nos municípios. Estes possuem um legislativo unicameral (a câmara de vereadores) e um executivo (dirigido pelo prefeito), mas não há justiça municipal.

O executivo, sendo o regime presidencialista, é exercido pelo presidente da república, com ministros de sua escolha, existindo um vice-presidente. Sua eleição far-se-á por maioria absoluta ou em dois turnos, sendo o mandato de quatro anos, renovável. São atribuições constitucionais do presidente da república dirigir a administração federal, propor e promulgar leis, vetar projetos de lei, decretar o estado de defesa e a intervenção federal, conceder indulto e comutar penas, enviar ao Congresso o plano plurianual e a proposta orçamentária e o comando supremo das Forças Armadas.

O poder judiciário é composto por diversos tribunais (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais do Trabalho, Tribunais Eleitorais, Tribunais Militares, Tribunais estaduais e do distrito federal) e juízes individuais (artigo 92º).

5 DIREITOS E GARANTIAS

Os direitos e garantias individuais e coletivos estão previstos no artigo 5º da Constituição Federal, os direitos sociais nos artigos 6º a 11º e os direitos políticos nos artigos 14º, 15º e 16º. Baseiam-se, fundamentalmente, nos princípios da isonomia ("todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", artigocaput) e da legalidade ("ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei", artigo 5º, II). Os direitos e garantias individuais e coletivos estão definidos em 77 incisos do artigo 5º, destacando-se dentre eles os seguintes: proibição de tortura ou tratamento degradante; livre manifestação do pensamento; liberdade de consciência e crença; liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação; inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem pessoas; liberdade de trabalho, ofício, ou profissão, atendidas às qualificações profissionais estabelecidas em lei; liberdade de reunião pacífica, sem armas; liberdade de associação; direito de propriedade, com função social; direito de herança; defesa do consumidor; garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada; não existência de crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; lei penal sem retroação, salvo para beneficiar o réu; racismo como crime inafiançável e imprescritível; não concessão de extradição a estrangeiro por crime político ou de opinião; prisão somente em flagrante delito ou ordem escrita e fundamentada de autoridade judicial; direito a habeas corpus, habeas data (livre informação) e mandado de segurança individual e coletivo contra atentado de autoridade pública a direito líquido e certo.

Como direitos sociais afirmaram-se constitucionalmente os de educação, saúde, trabalho, lazer, previdência social, proteção à maternidade e à infância, assistência aos desamparados e livre associação profissional ou sindical. No caso do trabalho foram reconhecidos como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (artigo 7º), entre outros: emprego protegido contra dispensa arbitrária ou sem justa causa, prevista indenização em dinheiro; seguro desemprego; fundo de garantia de tempo de serviço; salário mínimo; remuneração especial de trabalho noturno; salário família para dependentes; repouso semanal remunerado; férias anuais remuneradas; aposentadoria. Foi, também, admitido o direito de greve (artigo 9º).

No capítulo dos direitos políticos, a partir da premissa de que a soberania popular exerce-se pelo sufrágio universal e voto direto e secreto, definiu-se o voto obrigatório para maiores de 18 anos e facultativo para analfabetos, maiores de 70 anos e menores entre 16 e 18 anos. Foram estabelecidas como condições de elegibilidade nacionalidade brasileira, exercício pleno de direitos políticos, alistamento eleitoral, domicílio eleitoral na circunscrição, filiação partidária e idade mínima de 35 anos para presidente, vice-presidente e senador; 30 anos para governadores e vice governadores, 21 para deputados federais e estaduais, prefeitos e vice prefeitos e 18 para vereadores.

6 INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS

Na organização das normas jurídicas brasileiras, com a Constituição federal no topo do sistema jurídico, é evidente que a integração das diferentes normas é aspecto preliminar a qualquer interpretação e aplicação de leis, a fim de prevenir o seu conflito e os efeitos jurídicos danosos daí decorrentes. No caso da interpretação das normas e aplicação ao caso concreto o juiz dispõe, no Brasil, das fontes tradicionais do direito, a lei, a jurisprudência, o costume e a doutrina, com destaque para as duas primeiras. Entretanto, subsidiariamente, pode fazer uso dos tratados e convenções internacionais subscritos pelo Brasil, da lei estrangeira (como citado acima, em Fontes do Direito), do direito comparado (Consolidação das leis do trabalho, artigo 8º), da analogia (com exceção das leis penais, onde só se admite se beneficiar o réu), da experiência comum e da experiência técnica (Código de processo civil, art. 335) e dos princípios gerais do direito (estes podem compreender as diferentes formas de equidade e os preceitos gerais contidos no Direito romano ou mesmo no Direito natural).

A Lei de introdução ao código civil estabelece, além disso, em seu artigo 5º, que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. O próprio Código civil, ao tratar dos atos jurídicos, determina que seja considerada nas manifestações de vontade mais a intenção do autor do que a forma pela qual se expressou.

Tais são as orientações gerais que devem fundamentar o trabalho do juiz ao aplicar a lei no Brasil. Este trabalho é feito, portanto, pela consideração de diferentes normas existentes, sua compatibilização entre si, sua interpretação e sua adequação ao caso concreto.


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