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Entrevista da Quinzena: Henrique Meirelles


Os comentários de que o investidor estrangeiro começa a manifestar um mal-estar com as intervenções do governo no setor privado estão aumentando. O sr. já ouviu algo assim?
O nível de preocupação geral do investidor estrangeiro aumentou muito. A situação da economia mudou bastante e os investidores estão muito mais cautelosos no mundo todo. Não há dúvida de que aquela euforia com o Brasil e mesmo com outros países não existe mais hoje. O que, de certa maneira, acho saudável.
Mas o sr. tem percebido nos investidores apreensão com a interferência do governo na vida das empresas ou não?
Existe, sim, essa preocupação. Me perguntam de fato muito sobre isso nas minhas palestras para investidores internacionais. Procuro chamar a atenção desses investidores para as questões institucionais básicas do Brasil. O País tem a mesma estrutura institucional, pratica uma economia de mercado, existem garantias de contrato. Pode haver questões pontuais e aí a história vai dizer até que ponto são reações conjunturais à crise ou uma tendência no futuro. Prefiro acreditar que são reações à crise e que a tendência é voltar à normalidade.
O PIB do primeiro trimestre cresceu só 0,2%. Por que o Brasil está crescendo tão pouco?
Estamos vivendo uma situação de retração econômica global importante. E não há dúvida de que isso impactou a economia brasileira. O governo está adotando uma série de medidas contracíclicas e vamos aguardar os desdobramentos para ver a reação da economia nos próximos meses. Estamos crescendo bem abaixo do potencial. Há espaço para aumentar o crescimento sem pressões que gerem desequilíbrio.
Desequilíbrio é inflação?
Exatamente. Minha expectativa é que a economia tenda a reagir nos próximos semestres. Não será algo muito rápido. Será uma reação gradativa.
O estímulo ao crédito, como o governo fez na crise de 2008 e tenta repetir agora, é o melhor caminho?
É um caminho, mas não é suficiente. Em 2008, estávamos numa situação específica, houve uma queda muito rápida da demanda em função do colapso do crédito internacional, com reflexo no Brasil. Agora houve um pouco disso, só que estamos enfrentando também questões de oferta. Acho que entramos na fase de estimular o investimento e elevar a oferta.
Alguns analistas entendem que no governo Dilma o Banco Central perdeu autonomia. O sr. concorda?
Eu tenho uma decisão autoimposta de, durante pelo menos dois anos depois de sair do Banco Central, não fazer comentários sobre meus sucessores.
A relação do governo com os bancos está quente por causa dos juros. Eles foram criticados pela presidente Dilma e pressionados pelo ministro Guido Mantega. É o modo mais eficiente para lidar com os bancos? 
Prefiro não entrar nessa questão pontual. Os spreads brasileiros de fato são muito altos. Toda estratégia de se baixar os spreads no devido tempo é positiva. Como fazer isso é uma questão de tática de atuação, prefiro não comentar.
Os oito anos como presidente do BC valorizaram o seu passe?
Não senti muita diferença entre a fase em que deixei o BankBoston e hoje. Naquela época tive muitas propostas. Talvez agora tenha recebido um ou outro convite para instituições multilaterais ou para assessorar algum governo, mas não aceitei.
Quantos convites o sr. recebeu agora?
Recebi algo como 25. Para participar ou presidir conselhos de administração, assumir cargos executivos e até ser sócio de fundos de investimento.
A Lazard será seu terceiro conselho de administração. O sr. está virando conselheiro profissional?
É diferente ser membro de conselho e ser chairman ou presidente de conselho. O primeiro participa de uma reunião a cada um, dois meses, vota, dá algum palpite. Chairman tem função decisória, participa das decisões importantes, lida com estratégia, governança e relacionamento com o mercado. Eu sou chairman do Lazard e presidente do conselho do J&F, além de conselheiro da Azul.
Como sua rotina mudou após a saída do BC?
Hoje minha rotina é mais intensa do que era no Banco Central. O setor privado é diferente do setor público. Trabalho todos os dias das 8 da manhã às 8 da noite no J&F e agora no Lazard.
O grupo J&F começou com um açougue e virou uma potência. É difícil imaginar como seria a convivência com empresários que construíram isso a partir do zero, do jeito deles, delegando agora poder para alguém de fora...
O grupo está cada vez mais num processo de profissionalização. A Eldorado (empresa de celulose em fase de construção), a Flora (higiene e limpeza), a Vigor, são todas profissionais. A JBS, nos Estados Unidos, tem executivos americanos, experientes. Estou muito confortável lá.
O sr. participou da negociação com a Delta (envolvida em escândalos de corrupção)?
Não. Da negociação direta, não.
Por que a J&F desistiu de comprar a Delta?
Quando o grupo decidiu avaliar a Delta, o fez baseado numa série de premissas, como fluxo de caixa, ativos e perspectivas futuras. De lá para cá, essas premissas mudaram e o grupo resolveu desistir do negócio.
O negócio com a Delta era consequência de um interesse do grupo em entrar na área de infraestrutura. Esse plano está mantido?
Está. Há três alternativas em análise, mas nenhuma delas envolve empreiteiras de obras públicas. Mas não posso dizer quais são.
Seu contrato com o J&F prevê uma opção de compra de ações do grupo?
Isso não está previsto em contrato, mas nada impede que venha a ser discutido no futuro.
O sr. tem intenção de se tornar empresário?
É uma possibilidade. Dirigi um banco no Brasil por muitos anos. Depois, um banco em Boston (EUA). Esse foi o maior desafio que já enfrentei. Na época, não era comum para um estrangeiro, latino, comandar um banco americano. Voltei para o Brasil e me elegi deputado federal por Goiás. De Boston para Goiânia foi outra mudança radical. Assumi a presidência do BC e agora voltei ao setor privado. Nada impede que o próximo passo seja empresariar.

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