Fantasmas
1 | INTRODUÇÃO |
Fantasmas, espíritos de pessoas mortas
que, com seu antigo aspecto, assombram os vivos. Normalmente, os fantasmas
assustam em casas, teatros, escolas e outros locais de sua existência anterior.
Há quem, por convicções religiosas, creia e respeite a presença de espíritos ou
fantasmas (ver Espiritismo). Mas a idéia mais aceita é que estas
estranhas aparições ligam-se aos medos, desejos e conflitos da psicologia
humana. Assombrar é uma palavra de muitos significados, usada em vários
contextos. Sua conotação é de admiração, abalo, estarrecimento, como quando uma
lembrança ou uma idéia fascina a mente. Segundo a corrente espírita, os
fantasmas se apegam aos seres vivos, objetos de seu amor na vida acabada, e se
materializam para prestar auxílio — caso dos espíritos muito evoluídos — ou
porque a morte inesperada os faz sofrer. As almas-penadas são vítimas do
deslocamento, inviáveis em seu antigo mundo. Espíritos ou fantasmas ainda
ligados a vidas passadas não podem afetar os eventos, exceto através de sua
influência sobre as mentes dos vivos. O que os traz de volta é alguma situação
injusta, ou ainda não resolvida, que devem remediar antes de irem para o seu
local do repouso definitivo.
Portanto, os fantasmas, em termos metafísicos, ocupam um tipo de meio
estágio entre a vida e a vida após a morte. Relutam em aceitar a forma com que
sua vida foi encerrada. Na doutrina espírita, e em várias outras religiões, eles
não aceitam a brevidade de seu tempo na Terra. Assim, os fantasmas representam
um tipo de vida após a morte, permitindo alívio para a aflição humana de, um
dia, deixar de existir. Para aqueles que temem a morte de amigos e entes
queridos, a aparição de fantasmas serve de consolo já que prova a sobrevivência
da alma e, de certa forma, deixa aberta a possibilidade de um futuro reencontro.
Assim sendo, além de qualquer crença na sua existência sobrenatural, a
função original dos fantasmas diz muito sobre a natureza humana. Não conseguem
abandonar as antigas lembranças, pois sua característica mais famosa é a memória
— uma projeção do papel obsessivo que a memória representa na vida humana. Os
fantasmas são projeções temidas, porém desejadas, do próprio indivíduo após a
morte, recusando a separação dos familiares, ansiosos para retificar pecados ou
vingar o sofrimento imposto pelos pecados de outros. Fantasmas representam a
segunda chance que todos desejam.
A aparência da materialização — sem a substância na qual as aparências
são normalmente constituídas — reflete a própria fantasia que cada ser humano
tem de como seria se pudesse sobreviver à morte. A aparência híbrida dos
fantasmas pode ter suas origens na contradição entre o desejo e a
impossibilidade de sobreviver. Os fantasmas são lembranças do passado, mas
também invasores do presente. Não há espaço para eles aqui. Ter saudades de uma
pessoa é lembrar dela e desejar vê-la — nem que seja como um fantasma. Embora as
pessoas identifiquem suas esperanças e medos sobre a morte, têm medo de se
perder no espaço misterioso entre a vida e a vida após a morte. Receiam os
fantasmas por não alcançar a consciência de que eles projetam o medo: são
espelho da própria mente que os cria.
2 | HISTÓRIAS DE FANTASMAS |
Como em Ghost, os complexos efeitos especiais dos filmes dos
anos 1970 e 1980 são tentativas de tornar o invisível, visível. A enorme
popularidade dos filmes de fantasmas atestam a necessidade humana de algum tipo
de sobrevivência após a morte. Os filmes, como veículo, sempre foram associados
com fantasmas. Em seus primórdios, os filmes e fotografias eram considerados
fantasmagóricos em si, como um meio de reprodução interminável de duplicatas e
aparições de espectros. A invenção da fotografia, como diz um personagem de
Balzac, demonstra que uma pessoa ou objeto é “incessantemente e continuamente
representado por uma imagem na atmosfera, que todos os objetos existentes
projetam em um tipo de espectro que pode ser capturado e percebido”. No século
XIX e no início do século XX, as sociedades ocultas usavam fotografias e filmes
para evidenciar a existência de um mundo espiritual, ou ao menos provar que uma
imagem de fantasma pode viver após a morte de um ente querido. Não é uma
coincidência o fato das imagens fantasmagóricas terem um papel importante na
literatura do sobrenatural, desde o livro de Edgar Allan Poe, O retrato
oval até os de Nathaniel Hawthorne, Retrato de Edward Randolph, A
meia-tinta de M. R. James e O retrato de Dorian Gray, de Oscar
Wilde.
Os fantasmas dos exemplos acima têm a intenção de inspirar terror.
Embora em teoria sejam um contraponto para o medo da morte, são também
aterrorizadores na tradição literária e na transmissão oral. A palavra inglesa
da Idade Média goste significava assustador, antes de significar a coisa
que assusta. A morte é singularmente desconcertante e os mortos-vivos, ou
zumbis, inspiram pavor. Apesar da literatura espírita ser consoladora, os
fantasmas da ficção parecem mais demoníacos que as almas-penadas. De fato, nas
literaturas elisabetana e japonesa os fantasmas podem ser demônios
disfarçados.
A literatura fantástica teve o seu auge máximo no século XVIII, uma era
de ceticismo, quando Horace Walpole e outros inventaram o conto gótico de terror
(ver Romance gótico). O colapso moderno da crença religiosa, incluindo a
vida após a morte, tem sido vantajosa para os fantasmas pois os tornaram
assustadores na medida em que sua estranha existência é desacreditada. Se a
morte é considerada meramente um trânsito para outra vida melhor, os fantasmas
deixam de ser misteriosos e ameaçadores, reduzidos a prosaicos retificadores das
injustiças ou amigáveis guias de uma jornada iminente. Mas se a morte é final,
os fantasmas se tornam sobrenaturais e, portanto, terríveis.
Não é surpreendente que os conjuradores literários dos fantasmas, como
Sheridan Le Fanu, Edgar Allan Poe, M. R. James, Henry James, Ambrose Bierce, H.
P. Lovecraft, Shirley Jackson e outros tenham se inclinado ao ceticismo, ao
pensamento liberal místico (ver Misticismo) ou agnóstico. De acordo com
Edith Wharton, mestre em contos de fantasmas, a crença não é um requisito. Na
realidade, pode ser uma limitação: "Não, eu não acredito em fantasmas, mas ter
medo deles é muito mais que um paradoxo barato, como pode parecer a muitos. É
melhor para um fantasma ser imaginado vivamente que ser ‘vivenciado’
sobriamente.”
Um paradoxo similar se aplica à técnica literária. O leitor necessita
ser seduzido e levado momentaneamente a acreditar no que deve ser rejeitado
racionalmente. Introduzida pelo escritor irlandês do século XIX, Sheridan Le
Fanu, os escritores iniciaram a substituição do que o escritor de histórias de
fantasmas Oliver Onions chamava de "gemidos e tinidos do fantasma mais
grosseiro" por dúvidas e ambigüidades, criadas para deixar a maior parte
possível da cena à imaginação do leitor. Os fantasmas de Le Fanu e de seus
colegas tendem a ser visões e imagens difusas; são genuinamente fantasmagóricos,
ao invés de “fantasmas grosseiros” arrastando correntes e fazendo
discursos.
Os novos fantasmas também não precisavam habitar somente castelos
góticos esquecidos ou aparecer somente no escuro. Após Le Fanu e Charles
Dickens, os escritores perceberam que os fantasmas mais assustadores
aterrorizavam a vida moderna normal. No livro de Dickens To be Taken With a
Grain of Salt, de 1865, o narrador tem sua “ilusão espectral " em "um lugar
nada romântico": uma esquina turbulenta da rua Saint James em uma "manhã fresca
e alegre", sugerindo que uma visão fantasmagórica desse tipo poderia acontecer a
qualquer um de nós.
Mas a assombração mais sinistra tornou-se a
mente dos assombrados. Como o título do conto de Dickens sugere, os fantasmas
tornaram-se mais ambíguos e psicológicos, sendo o seu local preferido a psique
humana, associada com visões de culpa, terror e desejo. Isso não significa que o
interesse na psicologia dos fantasmas tenha se iniciado no século XIX. Desde o
fantasma de Banquo, na peça de Shakespeare, Macbeth, os fantasmas têm se
tornado a incorporação do medo, da culpa e outros estados psicológicos obscuros.
Em contraste com o fantasma tradicional de Hamlet, que geme e discursa sobre as
injustiças que deseja retificar, o fantasma mais assustador de Macbeth
somente observa, maligna e silenciosamente. Uma incorporação da culpa e do
pânico de Macbeth: ele não é visto por ninguém, só por nosso protagonista
assombrado. Macbeth, entretanto, é o vilão da peça, longe de nossas simpatias.
Restou a Poe, James, e outros a criação de situações onde personagens mais
simpáticos, com seus medos, desejos e neuroses diárias, fossem objetos de
assombrações.
Assim como o declínio religioso (ver Religião) é algo que pode
parecer debilitar os fantasmas, o surgimento da psicologia moderna expandiu o
seu domínio e sua capacidade de aterrorizar. Freud, um grande admirador de
histórias de fantasmas, sustentava que as memórias ou experiências reprimidas
invariavelmente voltam para nos assombrar, assumindo uma forma fantasmagórica
que ele chamava de incomum ou sinistro: "a classe do terrível que nos leva de
volta a algo que conhecíamos há muito, e que foi muito familiar". Um fantasma
pode portanto representar qualquer tipo de medo primitivo, desde a morte e o
abandono ao simples medo do escuro.
Isso não significa que os escritores de histórias de fantasmas tenham
abandonado totalmente a idéia dos fantasmas serem os espíritos dos mortos. Os
historiadores de fantasmas mais hábeis sempre dissiparam os limites entre o
psicológico e o sobrenatural, criando cenas de fantasmas ambíguas que são tão
convincentes que a materialidade ou imaterialidade da aparição é irrelevante. Em
An Account of Some Strange Disturbances in Aungier Street (1853), de Le
Fanu, o herói assombrado submete-se ao “materialismo dos medicamentos”, tomando
um tipo de droga antipsicótica vitoriana para banir sua “ilusão infernal”. Será
que isso significa que a aparição era apenas “subjetiva”? Não necessariamente.
Durante os momentos calmos, o espírito pode estar “tão ativo e maligno quanto
antes, embora eu não o tenha visto”.
De qualquer forma, o elemento psicológico aumenta o poder de uma
história de fantasmas, se o fantasma for visto como real ou não. Os fantasmas
interiores também têm uma vantagem pragmática, pois ajudam a deixar de lado os
problemas metafísicos e estéticos referentes a como fazer os fantasmas parecerem
convincentes ao observador. Afinal de contas, uma manifestação da psique pode
aparecer com qualquer forma imaginada por um observador.
Uma vez que os fantasmas psicológicos tornaram-se populares,
especialmente em clássicos como A volta do parafuso, de Henry James, os
fantasmas começaram a incorporar uma variedade de significados simbólicos e
metafóricos. De James Joyce a Gabriel García Márquez, passando pelas “presenças”
invasoras nos contos de Julio Cortázar ou os heróis que reaparecem como
traidores nos textos de Jorge Luis Borges, várias obras da literatura moderna
descrevem uma realidade assombrada, na qual a ausência ou o fantasma de uma
pessoa ou coisa é muito mais poderosa que o ser em si. A renascença
surpreendente do idealismo platônico (ver Platão) é vista em vários
aspectos da vida moderna. Na psicoterapia, ao paciente é dito que o “fantasma”
de um parente falecido pode ser tão real como o original, permanecendo na mente
como uma presença assombrada. Os sonhos são muitas vezes semelhantes a fantasmas
que continuam a assustar durante a vigília. Os artistas modernos usam fantasmas
como metáforas, assim como Claude Debussy escreveu que estava assombrado por
A sagração da primavera, de Stravinski, como "um belo pesadelo". O
crítico literário Jacques Derrida proclamou, em 1994, que o fantasma da teoria
que ele chamava de desconstrução — que é, em si, uma ideologia fantasmagórica
por definir a realidade como uma série de relatividades fantasmagóricas — vive
em teorias literárias mais modernas, assim como qualquer idéia ultrapassada
torna-se um fantasma (ver Crítica literária).
A psicologia moderna, assim como as idéias sobre a fragmentação e a
relatividade, forneceram novos tipos de fantasmas. Mas por que os leitores
modernos e os cinéfilos procuram os fantasmas, se em todas as suas manifestações
eles inspiram ansiedade e terror? Talvez a resposta seja porque as histórias de
fantasmas têm sempre uma qualidade comunitária confortadora. Cada pessoa está
sozinha com seus medos, parece indicar o bom senso. Por mais inquietantes que
sejam, as histórias de fantasmas resistem ao esquecimento e, aparentemente,
sobreviverão à morte de todos os seres humanos.
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