A divulgação do salário de funcionários públicos foi a primeira polêmica provocada pela Lei de Acesso à Informação, que entrou em vigor nesta quarta-feira (15), e obriga órgãos públicos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e das três esferas (federal, estadual e municipal) a disponibilizar a qualquer cidadão informações públicas que não sejam sigilosas.
Na quarta, a diretora-geral do Senado, Dóris Peixoto, decidiu que os salários dos funcionários da Casa não seriam divulgados por tratar-se de informação pessoal e sigilosa. Em agosto de 2011, lista revelada pelo site Congresso em Foco mostrou que mais de 450 servidores do Senado recebiam salários superiores ao teto da época (R$ 24,5 mil), inclusive a diretora-geral.
Ontem (16), após publicação no Diário Oficial da União do decreto presidencial que regulamenta a lei, no qual determinou-se a divulgação na internet dos salários dos funcionários do governo federal, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), conversou por telefone com o deputado Marco Maia (PT-RS), presidente da Câmara, e com Carlos Ayres Britto, presidente do STF (Supremo Tribunal Federal).
Os três decidiram esperar a publicação do ato normativo do Ministério do Planejamento, que dispõe sobre a aplicação da lei, para definir se vão ou não tornar públicos os salários dos funcionários concursados e comissionados. Ayres Britto, que já se posicionou favoravelmente à divulgação dos salários, manifestou interesse em criar uma comissão com integrantes da cúpula do Judiciário para redigir uma regulamentação única que deve ser seguida em todo o país, mas ainda não sabe se essa será a solução adotada.
“Essa polêmica já era esperada. No Brasil, a divulgação dos salários sempre foi um tabu enorme. Mas essas informações não são sigilosas: não é segredo de Estado, nem de Justiça, nem informação pessoal”, afirma o economista e jornalista Gil Castelo Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas.
Para Mariana Pimentel Fischer Pacheco, coordenadora do núcleo de estudos fiscais da Escola de Direito da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas), a divulgação dos salários merece uma discussão mais “aprofundada” pelo poder público. “Essa questão precisa ser melhor debatida. É necessário ainda definir o que é sigilo e o que não é, o que é informação pública e o que é privada.”
A mesma polêmica foi levantada na capital paulista, após a prefeitura divulgar na internet o salário e outras informações de servidores. Os funcionários decidiram entrar na Justiça contra a administração municipal, que teve de retirar as informações e determinou que a prefeitura indenizasse 20 funcionários. Na época, o entendimento dos juízes do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) consideraram que as informações eram de cunho pessoal.
Outro ponto polêmico da lei, destaca Castelo Branco, é com relação às estatais com capital misto, como a Petrobras, e às autarquias. O decreto dispõe que essas empresas estão submetidas às normas pertinentes da Comissão de Valores Mobiliários. “Isso não ficou muito claro. Não se sabe o que está sendo facultado e proibido a partir dessas normas.”
Órgãos despreparados
A lei foi sancionada em novembro de 2011 e determinou um prazo de 180 dias para os órgãos se adequarem à legislação. Para o secretário-geral do Contas Abertas, os órgãos do Executivo federal foram os que mais respeitaram o decreto até agora.
“Não houve a mesma preparação por parte dos órgãos de Estados e municípios em comparação com o governo federal. Além disso, os órgãos do Legislativo e Judiciário, nos três níveis, se prepararam menos do que os do Executivo”, avaliou Castelo Branco. “O prazo foi curto, mas é bom que seja assim, porque mesmo que tivessem cinco anos, os órgãos não iriam ter se adaptado plenamente”, acrescenta.
O economista cita como bom exemplo de respeito a lei a criação do site http://www.acessoainformacao.gov.br pela CGU (Controladoria Geral da União), que centraliza pedidos de informação de todos os órgãos do Executivo federal. Como maus exemplos, Castelo Branco aponta as prefeituras de João Pessoa e São Luís, que desde quarta-feira só estão disponibilizando informações pessoalmente.
Apesar dos problemas da aplicação da lei, a pesquisadora da FGV acredita que a nova legislação irá ser efetiva. “É um dos grandes marcos do governo Dilma. É cedo para dizer, mas parece que está havendo um comprometimento para mudar uma cultura de administração pública herdada da ditadura militar, de se fazer ‘caixas pretas’, de não permitir transparência. Quanto maior a acesso e participação da sociedade, mais eficiente torna-se a administração pública”, afirma Pacheco.
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