Investigação do Ministério Público aponta indícios de irregularidades graves em convênios do governo federal com a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União Municipal dos Estudantes Secundaristas (UMES) de São Paulo. Entre 2006 e 2010, essas entidades receberam cerca de R$ 12 milhões dos cofres públicos destinados à capacitação de estudantes e promoção de eventos culturais e esportivos. No caso da UNE, o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) Marinus Marsico identificou o uso de notas fiscais frias para comprovar gastos. E detectou que parte dos recursos liberados pelo governo federal foi usada na compra de bebidas alcoólicas e outras despesas sem vínculo aparente com o objeto conveniado.
Ao analisar as prestações de contas do convênio do Ministério da Cultura com a UNE para apoio ao projeto Atividades de Cultura e Arte da UNE, o procurador Marsico constatou gastos com a compra de cerveja, vinho, cachaça, uísque e vodca, compra de búzios, velas, celular, freezer, ventilador e tanquinho, pagamento de faturas de energia elétrica, dedetização da sede da entidade, limpeza de cisterna e impressão do jornal da UNE. Além disso, encontrou diversas notas emitidas por bares em que há apenas a expressão “despesas” na descrição do gasto.
No fim de maio, o procurador formalizou representação ao Tribunal de Contas da União (TCU) para que a Corte investigue o uso dos recursos federais repassados à UNE e à UMES, entre 2006 e 2010. O alvo da representação são 11 convênios, seis da UNE e cinco da UMES, celebrados com os seguintes ministérios: Cultura, Saúde, Esporte e Turismo. O valor total desses convênios é de R$ 8 milhões, destinados a projetos variados que vão desde a capacitação de estudantes de ensino médio até a realização de duas edições da Bienal de Artes, Ciência e Cultura da UNE. Marsico deu destaque a sete convênios — seis da UNE e um da UMES — no valor de R$ 6,5 milhões, que, segundo ele, concentram os “principais achados”.
Esporte demora a cobrar contas
As notas fiscais frias foram localizadas na prestação de contas que a UNE entregou ao Ministério da Saúde, referente ao convênio de número 623789, de R$ 2,8 milhões, encerrado em 2009. Esse convênio bancou a Caravana Estudantil da Saúde, em que universitários percorreram as 27 unidades da Federação para discutir saúde pública, com a oferta de testes rápidos de HIV e conscientização sobre a importância de doar sangue.
Marsico informa na representação que quatro notas da empresa WK Produções Cinematográficas Ltda. são “inidôneas”, com base em informações da Secretaria Municipal de Finanças de São Paulo, que não reconheceu a autenticidade dos documentos. Há suspeita de que outras oito notas emitidas por diferentes empresas também não sejam válidas, o que estaria sob apuração da secretaria municipal, de acordo com o procurador. Ele menciona ainda o caso de uma nota fiscal de R$ 91.500, da gráfica e editora Salum&Proença, de Jandira (SP), que teria sido cancelada pela empresa, embora os serviços constem na prestação de contas da UNE.
Outro indício de irregularidade apontado pelo procurador nesse mesmo convênio é a elevação dos gastos previstos com assessoria jurídica de R$ 20 mil para R$ 200 mil, sem justificativa nos autos. Marsico aponta ainda duplicidade de pagamentos, imprecisão do objeto do convênio e a transferência dos recursos da conta oficial para contas bancárias dos produtores da caravana.
Para Marsico, os dados sugerem “possíveis atentados aos princípios da moralidade, da legalidade, da legitimidade e da economicidade, além de evidenciarem possíveis danos ao Erário Público”, segundo destacou na representação ao TCU.
— É lamentável, especialmente pela história de lutas dessas entidades. Elas teriam que ser as primeiras a dar o exemplo à sociedade de zelo no uso do dinheiro público — afirmou o procurador.
Ele chama a atenção para a demora do Ministério do Esporte em cobrar a prestação de contas da UNE no convênio de número 702422, de 2008, no valor de R$ 250 mil. A pasta comandada pelo PCdoB, mesmo partido que controla a UNE, fomentou a “implantação de atividades esportivas e debates” na 6ª Bienal de Artes, Ciência e Cultura. “Quase dois anos após o fim do prazo para a prestação de contas, os documentos ainda não haviam sido encaminhados”, observou Marsico na representação ao TCU, registrando que, “somente após receber o ofício enviado pelo MP/TCU, o órgão (Ministério do Esporte) notificou a UNE sobre a omissão”.
— Há erro dos dois lados. De quem recebeu os recursos e dos órgãos que liberaram. Se não fosse eu requerer, em alguns casos não haveria sequer a prestação de contas — disse o procurador do MP.
No caso dos convênios com a UMES, o procurador destacou o que trata do auxílio ao Projeto Cine Clube UMES da Saúde, concluído em março de 2010, no valor de R$ 234, 8 mil. De acordo com Marciso, as quantias previstas no plano de trabalho eram as mesmas posteriormente contratadas. “Como era possível saber o valor exato das propostas vencedoras nas licitações?”, questionou. Ele observou também a falta da relação de escolas beneficiadas e de cópias dos processos licitatórios ou justificativas para a dispensa de licitação.
“Algumas das impropriedades apuradas, como a utilização de recursos públicos para a compra de bebidas alcoólicas, são de extrema gravidade e parecem-nos capazes de justificar a atuação dessa Corte de Contas”, disse Marsico na representação.
Entidade reafirma zelo com recursos
Procurada pelo GLOBO para se manifestar sobre as irregularidades, a UNE respondeu, em nota da assessoria de imprensa, que “reafirma seu compromisso de zelo com os recursos públicos e, se comprovado qualquer tipo de irregularidade, compromete-se a saná-las de acordo com o que a lei determina, inclusive, se for o caso, com a devolução de recursos”.
A entidade disse na nota que participa das políticas de financiamento público a atividades culturais, esportivas e educacionais desde 1999, sempre cumprindo todas as exigências técnicas de seus convênios. “Parte das nossas prestações de contas já está aprovada, sendo que algumas se encontram ainda em análise pelos órgãos responsáveis”, informa. E reafirma o seu compromisso com o Erário, “honrando seus 75 anos de vida”.
O GLOBO também procurou a direção da UMES na tarde de quarta-feira com o mesmo objetivo, mas a entidade não se manifestou.
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