Novela que abordou a vida após a morte baseada na filosofia de Allan Kardec (1804-1869), o codificador do Espiritismo. A autora Ivani Ribeiro usou de sua história e personagens para apresentar detalhes da doutrina kardecista. Foram levantadas e discutidas várias dimensões da crença, desde o preconceito dos leigos até estudos científicos. Também a comunicação entre vivos e mortos por meio da mediunidade, espíritos encarnados e desencarnados, obsessões, crendices populares, etc.
As irmãs Diná e Estela (Eva Wilma e Irene Ravache), por exemplo, pressentiam quando estavam próximas uma da outra e se comunicavam por telepatia; Tibério (Abrahão Farc) conversava com um espírito que ficava o tempo todo ao seu lado; Dona Cidinha (Lúcia Lambertini) era uma mulher supersticiosa e cheia de crendices; Dona Guiomar, Téo e Tato (Carminha Brandão, Tony Ramos e Carlos Alberto Riccelli) sofriam a influência do espírito maligno de Alexandre (Ewerton de Castro); e o Dr. Alberto (Rolando Boldrin) era um sensitivo que realizava sessões mediúnicas nas quais orava pela alma atormentada de Alexandre.
O ceticismo também foi um debate constante e importante para o desenrolar da trama, principalmente por meio dos personagens Raul e Téo (Adriano Rey e Tony Ramos).
Para escrever a trama da novela, Ivani baseou-se em dois livros psicografados por Chico Xavier (1910-2002), narrados pelo espírito André Luiz: “Nosso Lar” e “E a Vida Continua”, primeira e última obras, respectivamente, da coleção “A Vida no Mundo Espiritual”, publicada pelo médium entre 1944 e 1968. Também teve a colaboração do professor Herculano Pires (1914-1979), um dos maiores escritores e estudiosos da doutrina kardecista. Ele revisava os capítulos escritos, apontando textos de diálogos ou cenas incompatíveis com a verdade espírita. (**)
A princípio, a autora pensou em adaptar um livro de Chico Xavier. Porém, foi o próprio Chico que sugeriu a Ivani que ela mesma desenvolvesse uma trama que abordasse o tema. (*)
Chico Xavier, Herculano Pires e a autora se reuniram com o elenco antes da estreia. (**)
A TV Tupi aproveitou uma brecha da Globo para rapidamente estrear A Viagem. Naquele ano de 1975, a proibição da novela Roque Santeiro fez com que a Globo reprisasse Selva de Pedra, o que levou a Tupi a apressar o lançamento de sua nova novela, não medindo esforços, chegando a sacrificar a atração anterior no horário, Ovelha Negra, que, como já ia mal de audiência, acabou encurtada.
A campanha promocional de A Viagem contava com um slogan nos cartazes de rua que dizia: “Assista a uma novela inédita com capítulos inéditos”. Referia-se ao fato de Selva de Pedra, na emissora concorrente, ser uma reprise.
Ivani Ribeiro reescreveu A Viagem para a Globo em 1994. Este remake tornou-se um grande sucesso da emissora. Christiane Torloni, Antônio Fagundes, Guilherme Fontes, Maurício Mattar e Andréa Beltrão viveram os personagens que foram originalmente interpretados na Tupi por Eva Wilma (Diná), Altair Lima (César/Otávio Jordão), Ewerton de Castro (Alexandre), Tony Ramos (Téo) e Elaine Cristina (Lisa).
O ator Cláudio Corrêa e Castro foi o único nas duas versões da novela: na primeira, viveu Daniel, mentor do Nosso Lar, e, na segunda, fez uma participação como o advogado de defesa de Alexandre.
A novela espírita da Tupi enfrentou forte boicote da igreja católica. A emissora teve dificuldades em encontrar uma igreja para realizar o casamento entre Téo e Lisa (Tony Ramos e Elaine Cristina) porque a Cúria Metropolitana de São Paulo havia baixado uma ordem negando qualquer colaboração, alegando que a história se voltava contra os princípios católicos. (*)
Jorge Rizzini, no livro “J. Herculano Pires, o Apóstolo de Kardec”, relatou:
“A reação do clero católico foi imediata, mas inútil. Conta nosso confrade jornalista Zair Cansado que, em visita ao interior de Minas Gerais, soubera que os padres ‘visitavam casa por casa advertindo os moradores que não assistissem à diabólica novela da TV Tupi.’ Poderia haver publicidade melhor?”
Ivani Ribeiro se justificou em entrevista a Marcilene Caetano para a revista Melodias (nº 216): (*)
“Com A Viagem quis desvendar o mundo espiritual. Acredito muito em Deus e procurei, antes de tudo, aproximar o homem dele. Mostrando o outro lado da vida, procurei provar que as pessoas não precisam cultivar esse pavor imenso da morte. Torno a dizer: A Viagem é uma novela para ser assistida por católicos, protestantes, espíritas e pessoas de qualquer outra religião, porque sua mensagem maior é caridade, amor a Deus, pureza.”
O jornal “Mensagem”, do Grupo Espírita Cairbar Schutel, dirigido por Herculano Pires, publicou na edição de janeiro e fevereiro de 1976:
“Apesar das muitas facilidades que a televisão oferece, não é fácil transmitir aos telespectadores a imagem real, sem deformações fantasiosas, de um momento de captação extrassensorial. Mas a técnica do Canal 4 [a Tupi], num esforço de comunicação verídica, servindo-se dos recursos de iluminação e efeitos sonoros, vem conseguindo apresentar de maneira convincente as variações mediúnicas da personalidade do médium.” (**)
Em 15/02/1976, faltando pouco mais de um mês para o término da novela, Chico Xavier enviou de Uberaba (MG), onde morava, um telegrama para Ivani Ribeiro:
“Deus abençoe sua nobre iluminada criação, a novela A Viagem, repleta de significação espiritual para nós todos seus patrícios, irmãos e admiradores. Jesus inspire seu elevado trabalho dando reconforto, esperança, paz, esclarecimentos que está distribuindo. Grande abraço, muito respeito, apreços afetuosos e felicitações.” (**)
Com o consentimento de Ivani Ribeiro, Herculano Pires transpôs o enredo da novela para um livro. Dois meses após o fim da trama, chegou às livrarias a versão romanceada de A Viagem, lançada pela editora Bels – dentro da coleção “Grandes Novelas da TV”, que trazia outras cinco adaptações de novelas ou reedições de romances que viraram novelas.
Por seus trabalhos em A Viagem, a APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) premiou Rolando Boldrin o melhor ator de 1975 (juntamente com Tarcísio Meira, pela novela Escalada), e Eva Wilma e Irene Ravache as melhores atrizes (juntamente com Susana Vieira, por Escalada).
Eva Wilma também foi premiada com o Troféu Imprensa de melhor atriz de 1975.
A Viagem foi a última novela de Ivani Ribeiro como contratada da TV Tupi. Em 1976, a autora assinou com os Estúdios Silvio Santos e escreveu O Espantalho (exibida nas TVs Record e Tupi, que transmitiam o programa dominical de Silvio na época em que ele não tinha ainda o seu próprio canal em rede nacional, o SBT).
O compromisso de Ivani com o “homem do Baú” terminou em 1980 e ela migrou para a TV Bandeirantes. Apesar de um contrato com Silvio Santos, Ivani foi “emprestada” à TV Tupi entre 1977 e 1979, e escreveu duas novelas para a emissora: O Profeta e Aritana.
Último trabalho de Lúcia Lambertini, que faleceu em 23/08/1976, aos 50 anos, vítima de uma parada cardíaca, poucos meses após a finalização da novela. Em A Viagem, Lúcia viveu a engraçada Dona Cidinha (personagem de Nair Bello no remake), um tipo que caiu no gosto popular com o bordão “Fala a verdade!”.
Primeira novela do ator Ricardo Blat, na sequência contratado pela Globo.
Ewerton de Castro interpretou o rebelde e atormentado Alexandre, cujo espírito infernizou alguns personagens. O ator teve de convencer Ivani Ribeiro a ficar com o papel. A princípio, Alexandre lhe foi negado porque ele tinha “cara de bonzinho”. Para Ewerton, havia sido reservado Júnior, o bom filho do advogado César Jordão (Altair Lima). Ao livro “Ewerton de Castro, minha vida na arte, memória e poética” (de Reni Cardoso), o ator revelou:
“Não tive dúvidas. Se o problema é a minha cara, vou ao encontro dela [de Ivani] com a cara de Alexandre. Fui até a sala de maquiagem, coloquei um bigode, botei o cabelo para trás, com gomalina no topete, à la Elvis Presley, blusão de couro, peguei a moto que seria do Alexandre – que eu ainda não sabia dirigir – e fui para a casa da Ivani.
– Quem é? – perguntou a moça que atendeu a porta.
– Diga que é o Alexandre.
Ivani abriu a porta, olhou e disse:
– Ewerton?
– Sim.
– Pode entrar, Alexandre!
E ganhei o papel!”
A atriz Márcia Maria já havia gravado quando caiu doente. Acabou substituída por Kate Hansen no papel de Carlota. O diretor Carlos Zara surgiu em off no capítulo da substituição explicando a mudança de atriz.
O ator Kadu Moliterno (do elenco), antes de ser definitivamente contratado pela Globo (em 1978), assinava Carlos Eduardo nas novelas em que atuou (na Tupi, Record e na própria Globo, anteriormente).
A menina Andréa Morales, que deu vida a Patrícia, a filhinha de Diná e Téo (Eva Wilma e Tony Ramos), era sobrinha-neta de Ivani Ribeiro.
Rogaciano de Freitas, então repórter da revista Amiga, estreava como ator em A Viagem. Na ocasião, recebeu o apelido de “gari celestial”, pois em uma das cenas, seu personagem aparecia varrendo o Nosso Lar, local onde, na trama, moravam os espíritos do bem. (*)
Chegaram às lojas duas versões do LP com a trilha internacional da novela. Houve duas prensagens, uma com a música “You Won´t Have To Tell Me Goodbye” e outra substituindo-a por “Chasing Rainbows”, da mesma banda, Blue Magic. Apesar da substituição nos discos, as capas e os selos dos LPs não foram atualizados: continuaram creditando a faixa como “You Won´t Have To Tell Me Goodbye”, apesar de tocar “Chasing Rainbows”. As duas músicas foram usadas como tema de Diná (Eva Wilma).
A Viagem foi reprisada às 20 horas (em substituição à inédita Como Salvar Meu Casamento, que não teve seu final exibido), de 03/03 a 11/07/1980 (uma semana antes de a emissora fechar definitivamente as suas portas – 18/07/1980).
Para a reapresentação, a Tupi criou uma nova abertura, com imagens surrealistas do artista plástico alemão Paul Wunderlich, com outro tema musical, que não consta nos LPs lançados comercialmente: um mix de duas músicas da banda de rock progressivo The Alan Parsons Project, “Voyager” e “The Eagle Will Rise Again”.
Não confundir A Viagem com outra novela de Ivani Ribeiro: A Grande Viagem, exibida em 1965 pela TV Excelsior – são tramas completamente distintas.
(*) “De Noite Tem… Um Show de Teledramaturgia na TV Pioneira”, Mauro Gianfrancesco e Eurico Neiva.
(**) “Ivani Ribeiro, a Dama das Emoções”, Carolline Rodrigues.
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