Algumas imagens de difusão de massa locais e globais, que passaram rápido, voaram e desapareceram, como é próprio do fluxo e da pulsação da imagerie de nossa época, marcaram, de algum modo revelando desde dentro, as coordenadas da relação entre o campo da política e o mundo das imagens, ou ainda, daquilo que poderíamos chamar do campo já avançado da política da imagem, que não tem nenhuma fronteira precisa em nossa época. Poderíamos pensar o mundo da política da imagem como aquela região em que a cultura da ocupação de textos e fetichismos endógenos, próprios do imaginário massivo contemporâneo, encontra, molda e desloca o próprio campo dos interesses e do trabalho lento da política, liberando-a perigosamente. De todo modo, o seu saldo é uma operação e algum grau de controle da vida pública que não conhece regulação, ou contrato social. Seus resultados são legitimados como os da sedução da propaganda de mercado, confirmados no ato de submissão do consumidor à compra, e, no caso da política, ao voto.
Já há muito a fusão interessada entre política e imagem, com a aproximação do poder de repetição, sedução e moldagem dos espíritos dos meios de comunicação de massa das técnicas de persuasão, de produção de textos adaptáveis ao desejo flexível do cidadão, se encontraram e passaram a configurar uma "arte" e uma própria política, no processo de produção dos efeitos de realidade da modernidade hiperavançada. Joseph Goebbells, o Maquiavel original da nova indústria cultural da política, insistia em que uma mentira repetida infinitamente, através do poder de determinação dos horizontes de toda representação, o verdadeiro continente de todo o sentido dos meios de comunicação de massa, tornar-se-á simplesmente uma verdade. Naquele caso histórico a verdade era Hitler... É celebre, em um outro grau de automatismo e de fusão entre política e comunicação de massas, a passagem histórica em que o político conservador, de extração e comprometimento antigos Richard Nixon perdeu a eleição para uma imagem na televisão, de seu adversário estético, jovem e elegante, o novo presidente bonito e performático John Kennedy, com sua esposa e família modelo forjadas nas páginas infinitas de celebrityland.
Uma parte importante do predomínio final do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao fim de seu governo, que chegou a alcançar 83% de aprovação, veio da multiplicação quase ao infinito de sua imagem pessoal popular e astuta para o novo capitalismo brasileiro, gerada pela máquina estatal, e principalmente pelos efeitos econômicos de aquecimento do mercado interno, celebrados sempre, automaticamente, pelo próprio mercado, e pelo lugar estratégico e de destaque, que multiplicava seu nome nos fóruns mundiais da indústria cultural da política global, no momento da mais radical crise econômica mundial, e do modo de trinta anos do sistema capitalista funcionar. Lula viu assim a quantidade de referências a sua existência, na imagem, por unidade de tempo, como diz Beatriz Sarlo a respeito destas coisas, alavancando, até o fim de seu governo, o sentido de seu carisma pop.
Foram quatro as marcas reveladoras do estado atual da fusão de política e imagem, de política e espetáculo, que emergiram nos últimos tempos. A principal foi a pressão midiática, e pública, imensa, sobre o Supremo Tribunal Federal, que descongelou uma velha estrutura político jurídica, muito controlada e travada pelos interesses do poder, para o interesse público e do nível da democracia do presente, e que produziu um julgamento de fato histórico. Passado o episódio, e o show de encontros e desencontros dos magistrados, restou a dúvida legítima se se tratou de um tribunal de exceção, para a tradicional esquerda brasileira, punida exemplarmente pelos bons e velhos esquemas próprios do poder por estas bandas, ou se a nova marca e o interesse de cobrança pública e punição legal chegarão a atingir também finalmente a direita conservadora e a corrupção do grande dinheiro entre nós. Evidentemente, vai ser necessária mobilização política e social maior para garantir a universalidade do novo modo jurídico de tratar a política e o poder, quando as grandes empresas de mídia não estiverem mais tão interessadas nos julgamentos pelo alto da corrupção brasileira.
Em segundo lugar vimos, para surpresa de todos os bem pensantes, um político aventureiro, de direita, cuja carreira foi inteiramente baseada em programas de televisão populares e populistas, manter-se à frente na campanha para a Prefeitura da cidade de São Paulo, sem nenhuma base social ou projeto especialmente coerente, a não ser sua radical política pessoal da e na imagem, ficando à frente dos candidatos dos megapartidos PT e PSDB até o último segundo histórico. E depois, um político novo e desconhecido, com o apoio do ex-presidente, pop star das periferias, e com o trabalho profissional de espetacularização de sua equipe de marketing, com seu tempo amealhado por sua coalizão, sair de 4% de intenções de voto e se eleger prefeito em São Paulo; o que levou até mesmo Fernando Henrique Cardoso a falar em uma certa fadiga de material de seu partido e candidato, fadiga de material da imagem pesada, grande burguesa e casmurra, que parece não corresponder de nenhum modo às necessidades e circuitos simbólicos brasileiros pós-Lula.
Mas dois movimentos menores, passageiros, aptos a serem esquecidos e banidos das grandes marcas históricas, talvez revelem ainda mais. Este foi o ano em que uma pequena banda punk de jovens feministas, a Pussy Riot, adentrou uma igreja ortodoxa em Moscou e cantou por alguns segundos, antes de as garotas serem presas, "Virgem Maria, nos livre de Putin". O episódio, adolescente e quase anedótico, talvez caísse no vazio da internet, tornando-se um traço de informação, um vídeo curioso e para especialistas no YouTube, se a verdadeira escalada político-midiática que se deu a seu redor não fosse disparada. O pesado Estado democrático da Rússia das grandes máfias de mercado de Putin reagiu de modo tradicional e prendeu as moças, condenando-as, por ódio religioso, a alguns anos de prisão, mais ou menos como acontecia com os antigos desafetos do regime soviético. Mas agora a nova democracia capitalista russa barra a crítica a sua renovada política de violência pelos grandes países ocidentais, muito interessados. No entanto, o Estado russo não pôde barrar uma ação política global, no mundo da imagem, da república pop mundial, que reagiu, através de blogs e twitters, de milhões de acessos e de manifestações, no espetáculo e na produção de mais imagens, dos ídolos pop blockbusters, como Madonna e Paul McCartney, além de centenas de festas no mundo da diversão global, onde centenas de bandas punks e coletivos artísticos "exigiam" da Rússia: "Free Pussy Riot".
Sem dúvida a política estética e da pura imagem dos artistas grandes e pequenos globais é insólita e superficial, e deve ter riscado minimamente o poder sólido de imensos interesses econômicos do Estado russo de Putin. Mais ou menos como aconteceu com as festas e feiras dos movimentos Occupy anticapitalistas globais. Mas, no entanto, a batalha na imagem, de caráter global, existiu, e Putin gerou um tipo de resistência política a seu governo até então desconhecido, que, se faz pouco efeito no presente, deve tornar-se cacife simbólico crítico para o futuro. Talvez essa tenha sido a primeira batalha entre a cultura global do fluxo da imagem, apoiada diretamente no mercado de massas e no fetichismo geral da mercadoria, da república pop mundial, da rede de computadores, e um Estado nacional antigo, de longa tradição autoritária. De fato o espaço da mídia independente, quase anarquista, via rede mundial de computadores, pressionou e posicionou simbolicamente o poderoso governo russo.
Política da ilusão e do fetichismo da mercadoria contra o Estado capitalista? Sim. E mais, um mundo de efeitos novos e futuros, desconhecido até então da política.
A segunda crise na imagem da política, prosaica e local, foi a da desastrada fotografia do ex-presidente Lula cumprimentando cordialmente o ex-governador de direita Paulo Maluf, profundamente comprometido com a ditadura militar brasileira de 1964. Esse quiproquó tem todos os elementos dialéticos de um verdadeiro sintoma psicanalítico, uma formação regressiva na imagem. Fazendo política pragmática, para contar com poucos minutos a mais para pavimentar a própria política da imagem de seu candidato na televisão, o PT e seu presidente de honra acordaram o apoio do PP do velho cacique da direita paulistana, antigo inimigo visceral do ex-partido de esquerda. Tal coligação já funcionava, sem que os petistas maculados pela foto reclamassem minimamente, no âmbito do governo federal.
No entanto, muitos ficaram revoltados com a fotografia de Lula cumprimentando Maluf no jardim de sua mansão. A foto teve origem em um golpe político irônico, e de imagem, de Maluf sobre Lula, que exigiu o encontro e a fotografia para selar o acordo, visando a vampirizar algo do carisma pop do ex-presidente. E o público percebeu, na imagem, o grau atual de desfaçatez com a história, a desautorização simbólica bastante radical que o homem do poder deseja realizar sobre os cidadãos, demandando adesão total ao seu gesto na imagem. Alguma tardia resistência de valor interno, de alguma velha natureza de vínculo subjetivo com a história, se elevou dentro das pessoas. Mas o desprezo contido no gesto, da ex-esquerda com a ex-direita comemorando sua nova igualdade política, na imagem, demonstra que tais pruridos são anacrônicos. O poder demanda a aceitação, e a conversão da história à imagem manipulada é sua arma principal. Esses muxoxos de pessoas ao redor do pequeno ato falho da imagem não interessaram minimamente ao estado atual do poder, porque inclusive eles vêm de pessoas que julgam a política pela imagem, e não mais o conceito da política.
Maria Sylvia Carvalho Franco, em artigo publicado no Aliás de 2 de dezembro, apontou o desejo de super-homem, coerente com o estado das coisas, do marqueteiro vitorioso petista João Santana, em determinar as decisões políticas partidárias futuras. Para a política hoje a história deve ser redesenhada rumo à mercadoria política excitante do dia, em todos os extratos da vida nacional, em um puro jogo de força da técnica e do dinheiro, sem controle público, sobre o sentido da política. E a esquerda está plenamente satisfeita nesse jogo, enquanto ganhar com ele. Beatriz Sarlo, como intelectual crítica de esquerda, apontou o inferno desse mundo e o trabalhou criticamente, argumentando que a política hoje está submetida, enquadrada e rebaixada pelo vínculo promíscuo com o que chamou de celebrityland, que vai na direção do que chamei de carisma pop.
"Na cópula de um programa de televisão com o Facebook se produz um tipo de discurso afim ao estilo de intervenção que foi o característico de Nestor Kirchner." São os termos surpreendentes da crítica argentina, teoricamente radicais para os padrões da crítica brasileira, praticamente inexistente, ao processo de degradação da política no pacto geral do espetáculo.
TALES AB’SÁBER É PSICANALISTA, PROFESSOR DE FILOSOFIA DA PSICANÁLISE NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO E AUTOR DE A MÚSICA DO TEMPO INFINITO (COSAC NAIFY)
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