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A BUSCA DO GRAAL - FINAL

Os templários

Em 1096, incitados pelo papa Urbano II, os cristãos da Europa organizaram um ataque à Terra Santa, então dominada por muçulmanos. Essa invasão foi a Primeira Cruzada e seu resultado foi a conquista de parte do território onde hoje fica Israel e a Palestina. Apesar da vitória militar, o território continuou sob litígio e, portanto, não era dos lugares mais seguros para cristãos. Por isso, 20 anos depois, foi fundada a Ordem do Templo, com o objetivo de proteger os peregrinos cristãos em visita aos santuários. Os membros da ordem uniam o treinamento militar às regras monásticas - além dos votos de pobreza e castidade, eles juravam defender a fé a golpes de espada.

Apesar do voto de pobreza, a ordem adquiriu uma especialidade nada franciscana: ganhar dinheiro. Ao longo dos séculos dedicados a proteger cristãos, os templários receberam de nobres agradecidos muitas doações de terras e dinheiro. Além disso eram beneficiados por isenções de impostos e foram aos poucos montando uma frota naval que se tornaria maior que a de qualquer Estado cristão. Seu sucesso no mundo financeiro foi tão grande que "os defensores de Cristo" acabaram se tornando banqueiros. Emprestavam dinheiro, aceitavam depósitos, controlavam investimentos. Cem anos após sua fundação, a ordem transformara-se numa verdadeira companhia multinacional, mais rica que qualquer país cristão. A influência política dos templários cresceu junto com sua riqueza. Nos séculos 12 e 13, os cavaleiros trabalhavam como conselheiros e diplomatas nas cortes dos reis e no próprio Vaticano, compartilhando segredos de Estado e contando com privilégios legais. É claro que tanto poder gerou inimigos. E a situação dos templários piorou muito em 1291, quando os muçulmanos, depois de dois séculos de luta, finalmente expulsaram os cristãos da Terra Santa.

Nas primeiras horas de 13 de outubro de 1307, Felipe, o Belo, rei da França, ordenou a prisão de todos os monges-guerreiros do país, sob acusação de heresia. Começava um dos julgamentos mais famosos e (aparentemente) injustos da história. As acusações incluíam o culto do demônio, homossexualismo e insultos à hóstia - crimes que, na Idade Média, eram motivo de sobra para a pena de morte.

Na opinião da maior parte dos estudiosos, tudo não passou de calúnia. "Nenhum historiador de renome admitirá como verdadeira essa miscelânea de tolices", escreveu o medievalista inglês Malcolm Lambert no seu livro de 1992, Medieval Heresy ("Heresia Medieval", sem versão brasileira). Torturados e amedrontados, muitos templários se declararam culpados. Vários monges-guerreiros pereceram nas câmaras de tortura, nas profundezas dos calabouços ou nas fogueiras da Inquisição. Outros se mataram de puro desespero. Em 1315, o papa Clemente V extinguiu oficialmente a ordem e parte das suas propriedades foi parar nas mãos de seu maior algoz - o rei da França.

A maior parte dos historiadores aposta que os monges-guerreiros tenham sido dizimados por motivos políticos e econômicos. O rei Felipe estava falido e confiscar a fortuna da ordem seria uma ótima solução para ele. Mas há teorias que dizem que a perseguição teve razões mais misteriosas. Elas falam num fabuloso "tesouro dos templários", que incluiria quantidades absurdas de ouro, prata e jóias, além de artefatos sagrados encontrados na Terra Santa. Essas teses começaram a tomar forma apenas entre os séculos 18 e 19 - época em que surgia, simultaneamente, um renovado interesse pelos mitos do Cálice Sagrado. O Graal tinha sido esquecido no início da Renascença, quando todos os medievalismos saíram de moda. Agora, no entanto, o mito do Cálice Sagrado renascia com força total, inspirando diversas obras-primas do Romantismo, entre elas a ópera Parsifal, do compositor alemão Richard Wagner.

Não demorou muito para que estudiosos sugerissem que o suposto "tesouro perdido" dos templários, nunca encontrado, fosse nada menos que o Graal. No século 19, as obras de Wolfram foram resgatadas - e o erudito austríaco Joseph von Hammer-Purgstall foi o primeiro a afirmar que os templeisen eram na verdade cavaleiros templários. Para ele, a Ordem do Templo servia de fachada para os adeptos de uma seita pagã que adotava o Graal como uma espécie de ídolo satânico. Segundo essa tese desvairada, a matança dos templários não tinha nada de injusta - foi apenas uma reação da Igreja contra esses conspiradores demoníacos.

Hoje, a maior parte dos historiadores descarta a teoria como pura imaginação. "O vínculo entre templários e o Graal é implausível", escreveu o medievalista inglês Richard Barber em The Holy Grail: Imagination and Belief ("O Santo Graal: Imaginação e Crença", publicado em 2004 e ainda sem tradução no Brasil). "A Ordem do Templo era uma sociedade militar com fins práticos e não tinha nenhum interesse em misticismo ou teologia", diz. Ainda assim, com sua irresistível mistura de erudição e conspiração, o pesquisador austríaco abriu as portas para teorias mirabolantes que relacionam templários, o Cálice e algum grandioso segredo escondido entre as páginas da história.
O cálice pop

No século 20, a lenda ganhou interpretações que soariam inacreditáveis para os contemporâneos de Chrétien de Troyes. Em 1920, a inglesa Jessie Weston imaginou uma explicação sexual: o vaso seria um símbolo da vagina e a "lança sangrenta" - adivinhe - representaria o pênis. Houve quem viajasse ainda mais longe. Na década de 80, o pastor anglicano Lionel Fanthorpe, presidente da Associação Britânica de Pesquisas Ufológicas, sugeriu, no livro The Holy Grail Revealed ("O Santo Graal Revelado", não traduzido no Brasil), que o Cálice tivesse sido "trazido à Terra por uma nave espacial".

Uma das teses mais famosas e também das mais controversas é a do livro O Santo Graal e a Linhagem Sagrada, de 1982. Os detratores da teoria reclamam da lógica peculiar do livro, onde coincidências servem como provas e suposições viram argumentos. Por exemplo: os evangelistas às vezes se referem a Jesus como "um rabino" e, na antiga Judéia, os rabinos tinham que ser casados. Logo, Jesus devia ter uma esposa. E ela devia ser Maria Madalena, a "pecadora" que Jesus salvou do apedrejamento.

Em seguida, o livro interpreta a expressão francesa San Greal (usada em alguns textos medievais para indicar o Cálice Sagrado) como uma corruptela de sang real (em francês antigo, "sangue de rei"). O Evangelho de Marcos afirma que Jesus era descendente dos reis Davi e Salomão - logo, o tal sangue real pode ser uma referência à linhagem terrena de Cristo. De suposição em suposição, os autores chegam à hipótese de que a crucificação foi uma farsa. Jesus, que se considerava herdeiro do trono de Jerusalém, fugiu para a França com a esposa e seus filhos. Sua descendência teria continuado viva com os merovíngios, dinastia francesa que reinou nos primeiros séculos da Idade Média. Perseguidos pela Igreja Católica, que temia perder seu poder sobre os fiéis, os herdeiros de Cristo teriam sobrevivido graças à proteção - adivinha de quem? - dos templários.

Graças ao gosto moderno por intrigas esotéricas e complôs universais, essa teoria acabou se transformando num fenômeno pop. Ainda que poucos pesquisadores a levem a sério, ela acabou definitivamente assimilada à mitologia do Santo Graal. As idéias contidas em O Santo Graal e a Linhagem Sagrada serviram de inspiração para best sellers internacionais como Os Filhos do Graal, de Peter Berling, sucesso na Europa na década de 90, e O Código Da Vinci, de Dan Brown, que vendeu 17 milhões de exemplares pelo mundo e vai virar filme pelas mãos do diretor Ron Howard.
Ao que tudo indica, a saga do Graal está longe de acabar. Relíquia católica, símbolo pagão ou estrela do entretenimento, ele continua uma imagem capaz de significar muitas coisas em muitas épocas diferentes - e é nesse poder camaleônico de sugerir e ocultar, iluminar e confundir, que se encontra o segredo de sua longevidade. Desde os tempos da cavalaria até a era da comunicação em massa, o Graal sempre foi um objeto mais do reino da ficção que da história. Mesmo assim, ao longo desses 800 anos, ele nunca parou de mexer com a imaginação humana. O Código Da Vinci não é o primeiro best seller a ter o Graal como estrela. E pode ter certeza de que não será o último.

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