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A BUSCA DO GRAAL - PARTE 2

As raízes medievais

É bom avisar logo: para a pergunta acima não há resposta. O que se sabe é que graal é uma palavra do francês antigo que indica uma espécie de tigela utilizada nas refeições dos aristocratas. Alguns acreditam que o Santo Graal seja um artefato arqueológico cujos rumos podem ser traçados desde a Antiguidade até os dias de hoje. Para outros, ele é um símbolo esotérico ou um ideal filosófico. Muita gente afirma que ele nunca passou de fantasia literária.

A estréia do Graal nas páginas da ficção, no livro de Chrétien, ocorreu em uma das épocas mais dinâmicas e criativas da história: os séculos 12 e 13, que assistiram a uma revolução nas sociedades européias. "Em todos os aspectos da vida e da cultura, o período foi decisivo para a formação do Ocidente", diz o medievalista José Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. "As cidades se multiplicavam e se expandiam, o comércio renascia e por todo lado ocorriam grandes mudanças sociais e econômicas." Esse clima também se refletiu na literatura, dando origem aos primeiros poemas e romances das línguas européias modernas - antes só se escrevia em latim, e para poucos.

Chrétien de Troyes, autor de diversos romances sobre as lendas do rei Artur e dos cavaleiros da Távola Redonda, foi um dos escritores mais lidos dessa época revolucionária. Embora tenha sido o primeiro a escrever sobre o tema, há quem diga que o Graal não foi uma invenção sua. A figura de um "recipiente sagrado" era comum na mitologia do povo celta, que habitou a Europa Ocidental na Antiguidade, antes da chegada dos romanos. Entre as crenças celtas, havia a do caldeirão de Ceridwen, que continha uma "poção da sabedoria", e a do caldeirão de Bran, dentro do qual os guerreiros mortos ressuscitavam. Para muitos estudiosos, o Graal de Chrétien é herdeiro dessas lendas, mais antigas que o próprio cristianismo.

Ao longo dos séculos, circulou a tese de que Chrétien encontrou a história do Graal em algum manuscrito desaparecido. Essa opinião se baseia nas palavras do próprio autor: na obra ele cita um livro anônimo cujas revelações teriam servido de inspiração para o seu conto. De acordo com alguns historiadores, isso talvez não passe de um truque literário. Ao contrário do que acontece nos tempos atuais, a Idade Média não via a originalidade com bons olhos. Os escritores tinham o hábito de citar autoridades reais ou imaginárias para dar força a suas próprias criações. Ainda assim, a idéia de um manuscrito original contendo a "verdadeira" história do Graal tornou-se comum na Idade Média. Muita gente afirmou ter encontrado o texto, mas ninguém convenceu completamente os historiadores. Se Chrétien inventou o Graal ou se o encontrou numa narrativa antiga, é coisa que provavelmente jamais saberemos.

Ainda mais incerto é o significado que Chrétien pretendia dar aos tesouros do Rei Pescador. Embora o conto fosse um trabalho de ficção, era comum que literatura e teologia se misturassem na Idade Média, com uma facilidade que pode ser difícil de compreender para a mente materialista do século 21. A religião estava presente em todos os aspectos do dia-a-dia: nobres e plebeus acreditavam no poder das relíquias (veja quadro à esquerda), viajavam centenas de quilômetros para visitar túmulos de santos e viam por todos os lados presságios do Juízo Final e sinais da providência (ou da ira) divina. Naquele mundo saturado de misticismo, o público estava acostumado a encontrar símbolos religiosos em meio aos enredos de seus romances favoritos.

Nos 30 anos seguintes, a história de Percival seria recontada por diversos autores, que acrescentaram novos detalhes e deram ao Graal aspectos diferentes. Para alguns, ele é um relicário contendo a hóstia. Para outros, uma taça ou uma simples tigela. Em Perlesvaus, obra anônima escrita por volta de 1210, o Graal é um objeto mutante, que assume cinco formas diferentes. Segundo o romancista, "nenhuma dessas transformações pode ser revelada" aos mortais comuns, exceto a última: a forma de um cálice. Alguns acreditam que o Graal-cálice reflita o fascínio medieval pela cerimônia da Eucaristia, na qual a hóstia é consagrada como sendo o corpo de cristo - o momento mais solene e dramático da fé católica.

Mas foi nas páginas do Roman de L’Estoire du Graal ("Romance da História do Graal"), escrito entre 1200 e 1210 pelo poeta francês Robert de Boron, que o Santo Graal ganhou sua versão mais popular. Robert criou uma explicação "histórica" para o misterioso tesouro: o Graal seria o prato ou o vaso no qual Jesus partiu o pão na última ceia, mais tarde usado pelo seu discípulo José de Arimatéia para recolher o sangue de Cristo na cruz. Depois da crucificação, essa relíquia teria passado por várias peripécias na Terra Santa até aportar em solo europeu, onde teria ficado escondida atrás das muralhas de um castelo encantado. Segundo o livro de Robert, o objeto tinha poderes sobrenaturais, entre eles o dom de curar feridas, espantar demônios, fazer a terra florescer e revelar segredos apocalípticos. O Cálice Sagrado funcionaria como uma ligação do plano material com o metafísico - uma espécie de ponte entre o humano e o divino.

Em outros romances, a origem da "lança que sangra" também é desvendada. Ela é descrita como a arma usada pelo soldado romano Longinus para rasgar o flanco de Cristo durante a crucificação. Segundo uma velha crença, o golpe dado por Longinus representa o momento exato da morte do Messias. Logo, a lança seria nada menos do que a arma usada para matar Jesus. Não espanta que depois de tantos séculos ela continuasse ensangüentada.

Todas essas teses fortaleciam a crença de que os objetos avistados por Percival fossem mais do que simples tesouros. Eles eram as maiores relíquias do cristianismo - os mais sagrados entre todos os objetos sobre a terra.

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