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Entrevista Com Nando Reis


NANDO REIS - Por que resolveu lançar um disco na internet?
Porque eu faço discos e essa é uma ideia que está perdendo o lugar dentro do mercado. Cabe a mim proteger o que eu tenho a oferecer. E as lojas de discos estão fechando, a galope, porque não se compram mais discos. E, se estão fechando, as pessoas não têm onde comprar meus discos. Por isso, abri minha loja na internet – algo que só se tornou possível porque estou sem gravadora.
NANDO REIS - E os internautas pagam o que quiserem pelas músicas?
O problema é que, depois de 30 anos em gravadoras, eu realmente não sei quanto cobrar. Fiquei muito tempo assistindo à filosofia das gravadoras – do "lucro muito alto e muito rápido". Taí uma coisa que nunca entendi: por que uma gravadora prefere vender dez por trinta a vender trinta por dez. Agora, tenho a chance de descobrir quanto meu público está disposto a pagar.
NANDO REIS - E como está sendo?
Tem dias em que está mais alto, outros em que cai... Quando aumenta muito, vendo menos. É mercado puro.
NANDO REIS - É um modelo a ser seguido por outros artistas?
Não sei se serve para os outros. Mas serve pra mim.
NANDO REIS - Preferiu ficar sem gravadora já pensando em iniciar esse processo na internet?
Nunca foi minha intenção ser independente, não era um sonho. E, hoje, vejo como eu era acomodado... Só quando você sai é que percebe algumas coisas, tudo que você perde. Porque as gravadoras são muito ortodoxas, pouco flexíveis. Mas a verdade é que, matematicamente, eu era prejudicial, era vermelho...
NANDO REIS - O "ruivão" era vermelho? Nando Reis dava prejuízo?
Pois é, dava! (risos) Mas foi ótimo, porque percebi o seguinte: eu é que deveria ter saído antes, sabe? Não acho que a música que eu faço seja tão inviável assim. Mas foram 30 anos de bons relacionamentos na Warner. Tanto que, quando fui renovar o contrato e eles me disseram "olha, Nando, não dá", admito que fiquei um tanto chocado, tomei um susto.
NANDO REIS - Trinta anos enganando o público não deve ser fácil...
(risos) Pensei: "O que vou fazer agora?" Mas fui sondado por outras gravadoras e tive tempo de ver que a independência, neste momento, podia ser bastante interessante. Até porque o modelo começava a ficar insustentável, mordendo fatia de lucro dos shows – que é algo que eu não posso aceitar.
NANDO REIS - Aí você aproveitou a liberdade e foi gravar em Seattle, com o Jack Endino, que já produziu Nirvana e Soundgarden. Por que?
Porque ele mora lá, eu queria um produtor como ele, na cidade dele, no estúdio dele. E foi caro, viu? Mas um ponto importante é que eu preciso estar muito concentrado para iniciar um processo de gravação. Como a minha banda, Os Infernais, fica no Rio, para mim é ótimo, porque tenho a chance de sair de casa, de cidade... Só que, desta vez, eu queria tirar também a banda do ambiente dela.
NANDO REIS - E como é o seu relacionamento com Os Infernais?
Nossa, eu amo essa banda! Ela está com sua formação mais vibrante, a que mais me empolga. Pela relação que temos uns com os outros, pelo som no palco, pela revelação que foi ver como cada um deles tocou na gravação desse novo trabalho.
NANDO REIS - Depois de 30 anos de estrada, está onde imaginava estar?
Nunca fiz esse tipo de projeção. Embora sempre tivesse desejo de fazer o que faço. Desde pequeno. Como todo desejo, a gente nunca sabe o que vai acontecer. Gosto, sim, do lugar que ocupo hoje. Mas penso também na qualidade do que eu faço. E estou entre os dez que mais arrecadam direitos autorais no País. Acho isso tão bizarro...
NANDO REIS - Por que?
Acho realmente intrigante. Claro, as pessoas me gravam. Mas... não sei. Talvez tenha a ver com a colcha que eu costurei durante esses anos todos. Nessa conta tem muita participação do meu trabalho com o Skank, por exemplo. Sou parceiro do Samuel (Rosa), e o Skank é muito mais constante nas paradas de sucessos, com músicas que eu compus, do que as minhas próprias canções. Às vezes, acho espantoso. Em outras, concluo que tenho qualidade, estou onde estou porque trabalhei muito, sou um cara dedicado, gosto do que faço.
NANDO REIS - Foi a tranquilidade financeira de ser um top ten do Ecad que permitiu investir no projeto atual?
Estou dando um destino perfeito para o que arrecado com os direitos autorais: meu trabalho. Porque, como eu disse, meu negócio é fazer discos, gravar as músicas que fiz e apresentá-las ao público – que é quem faz essa roda girar. Este disco que está na internet tem 15 composições inéditas e uma delas, Sei, está fazendo muito sucesso nas rádios. Não há nada melhor do que investir no próprio negócio.
NANDO REIS - Como vê a atual discussão sobre direitos autorais na internet?
Não entendo como alguém pode achar que direito autoral não deve ser pago na internet, só porque o conteúdo tem de circular livremente. Existem bilionários na rede que se fizeram graças às ferramentas de circulação de conteúdo. Mas, minha música faz parte desse tal conteúdo. Então, não me venham com essa, de que tenho de ceder meus direitos em prol da democracia. Democracia é o c...! Democracia não é nada disso!
NANDO REIS - E como acha que deveria ser?
Olha, na era digital, as músicas tinham de ter um código de barras, e cada rádio devia ter um decodificador, e cada vez que um sujeito tocasse a música, deveria pingar dinheiro em algum lugar. Então, aquele autor, que tem uma canção só, que toca uma vez no sertão, deveria ganhar de forma proporcional. Porque, hoje, é por amostragem, um negócio complicadíssimo, que tende mesmo à distorção. É muito injusto. É preciso investir em tecnologia para resolver esse problema.
NANDO REIS - O que é sucesso pra você?
Putz, eu penso em sucesso de uma forma diferente do que as pessoas pensam. Por exemplo, há músicas que eu compus e que simplesmente não aconteceu nada com elas, embora eu achasse que fossem ser grandes sucessos. Claro que, na maioria das vezes, tenho noção do que vai se tornar hit – por causa do ritmo, do refrão. Embora eu adore quando essas fórmulas são transgredidas. Legião Urbana é um excelente exemplo do que eu estou falando: imagina uma música de nove minutos, como Faroeste Caboclo, tocando em todas as rádios! O sucesso é misterioso.
NANDO REIS - Trabalha contra a fórmula?
Tento, mas nem sempre dá certo. Porque, às vezes, a música pede um formato consagrado. Essa canção da qual eu falei, Sei, é interessante. Tem três minutos e meio, que é um tamanho-padrão do mercado. Porém, não tem refrão. Mas eu não pensei em fazê-la sem refrão, não foi algo intencional. Acho que todas as músicas deveriam ter a chance de tocar as pessoas. E é isso que eu tento fazer nos meus shows. Há hits que eu toco para o público e que não foram grandes sucessos de rádio. Como Relicário, All Star e Pra Você Guardei o Amor, músicas com letras complexas. Pois são cantadas a plenos pulmões nos shows. Isso é o que eu chamo de sucesso.
NANDO REIS - Tem ídolos?
Ídolos porque, quando eu era jovem, os idolatrei: Gil, Caetano e os Novos Baianos. Hoje, não os idolatro, mas os coloco na posição de formadores da estrutura do meu gosto.
NANDO REIS - Então, deve ter sido emocionante ter um texto do Gil apresentando seu novo CD.
Fiquei honradíssimo, foi um elogio. Achei graça da forma como ele escreveu, das coisas que revelou, incluindo o desconhecimento do meu trabalho. Achei lindo o fato de ele ter ouvido meu disco, sabe? Fiquei extremamente lisonjeado. Porque o Gil é fenomenal, um cara brilhante.
NANDO REIS - Você é perfeccionista?
Em algumas coisas, sou muito empenhado, tenho rigor. Em outras, tenho uma intencional displicência, para manter um grau de humanidade, de precariedade, que me interessa. Sou perfeccionista e imperfeccionista.
NANDO REIS - Continua fazendo análise?
Parei, temporariamente.
NANDO REIS - Resolveu se dar alta?
Não... pulei o muro do hospício (risos). Tô refugiado. Fiz análise durante muitos anos. Minha mulher é psicanalista, meus filhos fazem análise. Acredito na ideia de que é melhor saber do que não saber.
NANDO REIS - Com cinco filhos, sua casa é do tipo que vive cheia?
Pois é... estou casado outra vez com Vânia, que é mãe de meus quatro filhos mais velhos. Theodoro tem 26 anos e uma filha, Luzia. Sophia tem 24 anos e está morando, temporariamente, comigo. Sebastião, de 17, e Zoe, de 13, moram comigo e também com a Vânia... É que, embora casados, a gente vive em casas separadas. Eu viajo muito. Às vezes, a casa fica vazia; outras, está cheia, todo mundo aqui. O importante é que eu tenho uma família e convivo muito bem com ela. Meu quinto filho é o Ismael, que mora no RS, com a mãe, a Nani. Tem 6 anos e viaja muito comigo e com a banda. É todo mundo muito amigo – algo muito singular, uma fórmula que funciona pra gente.
NANDO REIS - Apesar de passar muito tempo longe, por causa dos shows, e de ter essa família fora dos padrões, você se considera um bom pai?
Acho que sou um ótimo pai. Pelo princípio que define pai e mãe: a relação amorosa de admiração e respeito pelos filhos. Tenho interesse por eles, gosto deles. Quando o Theo nasceu, em 1986, eu tinha 23 anos, era muito jovem. Hoje, estou entrando na minha quarta adolescência, a da Zoe. Assim como indivíduo, como pai eu também me desenvolvi. Acho que fui um bom pai até quando agi mal, como um pai real. Ser um bom pai é ser um pai verdadeiro, uma pessoa verdadeira. E isso eu sou.
NANDO REIS - É melhor ser adolescente hoje ou na época em que você era adolescente?
Se é melhor hoje do que nos anos 80? Não. Quer dizer, tem muita coisa igual, que pertence ao fato de você ser adolescente. Mas, hoje... é muito mais violento. Na minha época não era assim. Não estou glamurizando os anos 80, não! Mas hoje está muito pior. Tem muita gente no mundo e, como o mundo não sabe o que fazer com tanta gente, as pessoas vivem mal e ficam tentando tomar as coisas umas das outras. Claro que hoje existem milhares de coisas que essa garotada adora... Imagina se eles conseguem viver num mundo sem computadores.
NANDO REIS - Não curte computador?
Não é isso. É que gostava muito também do mundo sem computadores (risos).

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