O jovem escritor piemontês Alessandro Baricco, segundo a avalanche de resenhas e artigos que a publicação de seu livro, Seda, provocou durante o último inverno europeu, parece ter despontado como a nova estrela literária italiana. Com dois romances que lhe valeram os melhores prêmios, (Castelos de Raiva, de 1991, e Oceano Mar, de 1993), Baricco acaba agora de se consagrar junto ao público, principalmente de jovens, que lotou o teatro Valle, em Roma, e aplaudiu de pé a leitura de Seda (pouco mais de cem páginas).
Na verdade, Baricco não é um desconhecido. Já vinha ocupando, como crítico musical, uma das colunas do prestigioso jornal La Reppublica, antes de ser contratado pela RAI 3 para dois programas de sucesso: um sobre música e outro sobre livros: "São programas que ainda podem representar uma espécie de clareira na floresta, onde as pessoas que escapam (do "império") podem refugiar-se. São aventuras, só para uma minoria" diz o autor. Ele ainda acredita na leitura como instrumento de vanguarda, tanto que montou, em Turim, um laboratório de narrativa, onde, entre outras coisas, ensina como curar a "anemia de desejos" a que julga afeitos os italianos de hoje.
Mas o que tem de tão espetacular este Seda, que pode ser lido, sem parar, numa única noite? Que há de especial no livro que conta a história, que se passa por volta de 1860, de um jovem do sul da França (Hervé Joncour), que é enviado pelo mais sábio dos aldeões (Baldabiou) até o desconhecido Japão, para buscar ovos de bicho-da-seda, visto que os da Europa são contaminados por uma estranha epidemia?
Bem, basicamente, Seda consegue ser o livro que todos gostariam de ler. Os que apreciam a ação são logo introduzidos num clima tipo western de movimentos cíclicos e falas essenciais, onde o spaguetti (no bom sentido) fica por conta do engraçado das situações (felizmente preservado pela boa tradução): "Encontrou Baldabiou no bilhar do café Verdun. Jogava sempre sozinho, contra si mesmo. Estranhas partidas. O normal contra o aleijado, era como as chamava. Dava uma tacada, normalmente, e a seguinte, somente com uma das mãos. No dia em que o aleijado vencer dizia vou embora desta cidade. Há anos que o aleijado perdia". Para quem gosta de suspense, basta acompanhar os vaticínios do lago Baikal ou os lances dos encontros de Hervé com o shogun: "Mal havia deixado as últimas casas do lugar quando um homem o alcançou correndo, e o fez parar. Disse-lhe qualquer coisa em tom alterado e peremptório, e depois o escoltou de volta com firme cortesia. Hervé Joncour não falava japonês, e sequer entendia uma só palavra. Mas compreendeu que Hara Kei queria vê-lo".
Quem se sente atraído pelo erótico literário poderá deliciar-se com a ambiência que envolve, num crescendo, a misteriosa jovem por quem Hervé se apaixona.: "Único sinal visível do seu poder, uma mulher estendida a seu lado, imóvel, a cabeça apoiada em seu colo, os olhos fechados, os braços escondidos sob o amplo vestido vermelho, que se alargava às suas voltas, como uma chama, sobre a esteira de cor cinza. Ele passava lentamente a mão pelos seus cabelos (...)". E daí por diante: fetiches, exotismos, arquétipos, fantasias, tiradas, tacadas, trocadilhos, cacoetes, senhas etc. Mas o que realmente importa é que o livro não fica só nisso. Da leve amálgama de que é feito elevam-se fumos de requintada poesia e, a par da dessacralização pós-moderna de que o autor se utiliza com lúcida estratégia, permanecem momentos de arrebatada grandeza.
Seda, de Alessandro Baricco (Trad. Elia Ferreira Edel) - Rocco, 1997, 103 páginas.
Para Saber Mais:
Alessandro Baricco
Nascido em Turim, em 1958, Alessandro Baricco estreou na literatura aos 33 anos e recebeu vários prêmios internacionais, principalmente por suas obras Oceanomar e Seda. Sucesso de crítica e público, sua obra é chamada na Europa de "pós-moderna" - uma expressão, um conceito com múltiplas interpretações e, talvez, pequena para um autor que já demarcou um espaço digno no universo da literatura mundial. Além de Seda, escreveu também Mundos de vidro, Novecentos e City, todos publicados pela Rocco.
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