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DEIXANDO DE FUMAR - FINAL

Às vezes nem o bisturi é suficiente. O ex-prefeito de Petrópolis (RJ), Paulo Rattes, deixou de fumar após uma cirurgia de safena em 1984. Resistiu bravamente até 1986, mas a agitação da campanha eleitoral de sua mulher Ana Maria à Câmara dos Deputados revelou-se mais forte que o medo de um novo susto cardíaco. "É um hábito mecânico, tanto dos dedos como dos lábios", justifica o prefeito. Embora não fume mais os quase seis maços de antigamente, o cinqüentão Rattes fila um maço por dia dos amigos e costuma mastigar hastes de óculos, obrigando sua secretária a mandar trocá-los a cada quinze dias. Pressionado pela familia e pelos amigos que colocaram em sua mesa um pequeno cartaz com a frase "Ame-se e deixe-o", Rattes confessa que todos os dias pensa em parar de fumar. "Vou conseguir", promete.
Por mais que o cumprimento de tais promessas dependa da disciplina de cada um, é claro que o clima social, menos ou mais tolerante em relação ao fumo, joga um papel de peso. No Brasil, onde provavelmente há mais novos fumantes do que ex, o ambiente, de modo geral, ainda não é hostil ao tabagismo, ao contrário do que ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos, onde os fumantes são hoje apenas 26 por cento da população (contra 42 por cento há vinte anos). Ali, um relatório da Academia Nacional de Ciências, chamando a atenção para os riscos de saúde que correm os fumantes passivos ou involuntários- aqueles que convivem com o fumo alheio em casa ou no trabalho-, vem tornando o ar muito pesado para os dependentes da nicotina. Em Nova York, por exemplo, uma lei recente proíbe fumar em táxis, lojas, hospitais, escritórios, museus, teatros e bancos e ainda obriga os restaurantes com mais de cinqüenta lugares a reservar metade das mesas a não-fumantes. Ao mesmo tempo, uma lei federal baniu o fumo de todos os vôos domésticos de duração inferior a duas horas. Os Estados Unidos são reconhecidamente os campeões mundiais da atual onda antitabagista.
Na maioria dos países europeus, sem falar no enfumaçado Oriente, fumar ainda é um hábito aceito pela grande maioria das pessoas. No entanto, em 68 países existem leis de combate ao tabagismo, incluindo (em 42 casos) medidas de proteção aos não fumantes. Às vezes, porém, o fumo faz inimigos onde menos se espera. Quem diria que o presidente do país que é o terceiro maior produtor mundial de tabaco começasse uma guerrilha contra o tabagismo? Pois foi o que aconteceu em Cuba, onde há dois anos Fidel Castro não só jogou fora o charuto que sempre esteve associado à sua imagem como também mandou promover ampla campanha antifumo. Nem por isso Cuba deixou de produzir seus afamados charutos. No Brasil, quem gostaria de se livrar do cigarro pode encontrar algum apoio nas campanhas que o governo começou a promover de dois anos para cá.
Existe até um Dia Nacional de Combate ao Fumo (29 de agosto) como parte do Programa Nacional de Combate ao Fumo. O alvo da propaganda contra o fumo são principalmente os jovens. Faz sentido: 20 por cento da população entre 15 e 19 anos -quase 3 milhões de pessoas-são fumantes. "A meta é criar uma consciência nacional para que os jovens nem comecem a fumar", explica o pneumologista José Rosemberg, do Grupo de Controle ao Tabagismo do Ministério da Saúde e seguramente a maior especialista brasileiro no assunto. Não há quem não perceba que as coisas começam a mudar. "Muitos fumantes, hoje, já perguntam aos outros se podem acender um cigarro", observa com satisfação Rosemberg.
De fato, ao acender o cigarro, o fumante é visto como aquele egoísta que incomoda muita gente. Para reforçar ainda mais essa idéia, os antifumantes espalham onde podem cartazes e adesivos contra o cigarro e fazem desaparecer os cinzeiros. É quase certo que essa pressão social induza os fumantes a pensar duas vezes antes de acender um cigarro-se não por amor à saúde, pelo menos por vergonha. No início do ano passado, ao criar cinco cartazes para uma campanha antitabagista, o cartunista Ziraldo Alves Pinto aproveitou a ocasião e deixou de fumar. "Era complicado viver a situação - do "faça o que eu mando mas não faça o que eu faço", explica ele, outro sócio do vastíssimo clube dos que tentaram parar mais de uma vez. "Deixar de fumar é uma saga", discursa Ziraldo. "Você tenta uma, duas, três vezes e acaba voltando." Para não voltar de novo, ele descobriu que o jeito é "botar na cabeça que você tem ódio do cigarro". Não porque tivesse ódio ao cigarro, mas porque a tosse e o pigarro estavam interferindo em seu trabalho, a atriz Cristiane Torloni deixou de fumar no primeiro dia deste ano. "Pouco depois", conta, "senti a maior gratificação em cena, quando percebi minha voz muito melhor." Isso, mais o aplauso dos filhos gêmeos de 9 anos, dão-lhe ânimo para não desistir. "De qualquer forma", observa, "a situação está ficando chata para quem fuma."
Leis contra o fumo no Brasil existem há bom tempo-mas poucas pessoas conhecem direito e menos ainda se preocupam em cumprir a legislação. Em São Paulo, por exemplo, é proibido fumar em elevadores, meios de transportes urbanos, hospitais e áreas de saúde, museus, lojas e supermercados, cinemas, teatros e garagens. No Rio de Janeiro é proibido fumar em recintos fechados e estabelecimentos comerciais É ainda proibido (desde 1958) fumar em ônibus. Também em outras capitais, como Florianópolis e Porto Alegre, existem leis semelhantes. É humanamente impossível fiscalizar o cumprimento desse tipo de lei. Ela será ou não respeitada conforme a atitude das pessoas -fumantes e não fumantes - diante da transgressão.
Se em muitos ambientes o fumante se sente uma espécie de agressor, isso resulta, não da existência de leis e fiscais, mas da iniciativa das vítimas- os não-fumantes reivindicando os seus direitos. Da mesma forma, não há lei no mundo capaz de fazer com que alguém deixe de fumar.

A última tragada vai depender sempre dos pulmões e da consciência de cada um.

"Uma bela tarde, depois que deixei o cigarro, tomei um copo de vinho. Foi um prazer extraordinário como eu nunca tinha sentido"Dina Sfat, 49 anos, atriz, ex-fumante"Logo que saí do hospital, não tinha desejo de fumar, porque o receio era mais forte que a vontade "Paulo Rattes, 54 anos, prefeito de Petrópolis, fumante. "Não posso ver defunto sem chorar. Sempre que alguém acende um cigarro perto de mim me dá vontade de fumar"Nuno Leal Maia, 40 anos, ator, fumante"Sem fumar, o estudo rende muito mais e me livrei do problema de queimar as teclas do piano com os cigarros caídos do cinzeiro" .Arthur Moreira Lima 47 anos pianista, ex-fumante"Vou para o Instituto do Coração mas não deixo de fumar." (1983)"O caminho mais curto para o Incor é o maço de cigarro." (1986)Mario Covas, 58 anos, senador, ex-fumante

O mal e o bem da abstinência

Quem deixa de fumar geralmente experimenta um conjunto de sintomas desagradáveis que variam em intensidade e duração de 24 horas a dois meses, em média. É a síndrome da abstinência, que se caracteriza por inquietação, ansiedade, nervosismo, fadiga, perturbações do sono e do ritmo cardíaco, dificuldade de concentração no trabalho e, naturalmente, intensa vontade de fumar. O motivo é a supressão da nicotina, um alcalóide presente nas folhas do tabaco; sua ação no sistema nervoso central cria a dependência, cujos mecanismos ainda são desconhecidos. É isso que explica o pouco êxito das drogas antagônicas à nicotina.
Depois de uma tragada, as substâncias tóxicas do fumo chegam ao pulmão, vão para o sangue e se difundem pelo organismo. Quando a nicotina chega ao cérebro, aumenta a produção de substâncias que através da circulação atingem o coração. Sem a nicotina, o organismo passa por uma readaptação. Livres do monóxido de carbono (que combinado com a hemoglobina do sangue acaba limitando a oxigenação do organismo), as células tornam a respirar. A irrigação sangüínea se normaliza e a pele recupera o viço. Sem as substâncias tóxicas do fumo, que lesam as papilas gustativas e o nervo olfativo, os ex-fumantes redescobrem cheiros e sabores. Com a desintoxicação do cérebro, o sono também melhora.

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