Não havia centralização política: a antiga unidade tribal fora rompida pelo surgimento e expansão de vários pequenos reines. A religião predominante, o bramanismo, que cultuava um deus criador Brahma. era contestada por numerosos movimentos organizados em torno de mestres carismáticos. Mais do que tudo, os unia uma oposição ao sistema de castas que dividia a sociedade indiana e assegurava os privilégios da elite sacerdotal. O terreno era propício à aceitação do budismo. No rastro da pregação de Buda formou-se uma numerosa comunidade de monges e monjas que renunciaram aos bens materiais e às atividades profissionais para viver de esmolas, meditar e pregar a doutrina. Formou-se também uma vastíssima comunidade de fiéis leigos de ambos os sexos. Entre os convertidos pelo Buda estava seu próprio filho, Rahula. Três marcas são características do budismo; consideradas em conjunto, o distinguem de todas as outras religiões: as noções de impermanência, ou seja, todos os fenômenos são efêmeros, sujeitos à contínua transformação; insubstancialidade, isto é, os seres não possuem qualquer núcleo estável que determine sua natureza, mas são uma complexa e sempre cambiante teia de relações; e nirvana, o estado de extinção dos sofrimentos que se manifesta quando o homem compreende profundamente a impermanência e a insubstancialidade, e se libera de sua ilusão de "eu" e dos apegos egoístas que ela engendra. Buda superou o samsara, o mundo das aparências, e encontrou o nirvana em sua iluminação sob a figueira. Segundo a doutrina, ele atingiu o para-nirvana, ou nirvana pleno, após sua morte, ocorrida quando tinha mais de 80 anos. Ela foi apressada pela ingestão, supostamente voluntária, de alimentos deteriorados, que lhe teriam sido oferecidos pelo ferreiro Cunda, na aldeia de Pava. Ele se preparou para morrer banhando-se pela última vez e esperou a consumação deitado sobre o lado direito, com a cabeça voltada para o norte e o rosto virado para o poente. Conforme a tradição, seu corpo foi cremado pelo discípulo Aranda e coberto com mel para que nenhuma partícula se perdesse. Uma terça parte foi entregue aos nagas, outra aos deuses e a terceira aos homens. Como ocorreu com praticamente todas as grandes religiões, o budismo sofreu metamorfoses e divisões após a morte de seu fundador. O principal cisma, que tomou forma apenas 140 anos depois, foi entre a corrente Hinayana (Pequeno Veículo) e a Mahayana (Grande Veículo). Essas denominações vêm de uma pergunta metafórica: no caso de um incêndio, como um homem deveria se salvar? Num pequeno carro puxado por uma cabra, que Ihe asseguraria a salvação individual, ou num grande carro de bois, que Ihe permitiria levar muitos outros junto? A corrente Mahayana respondeu com a segunda alternativa e se tornou amplamente predominante. Dela resultaram, através da fusão com numerosas tradições religiosas orientais, escolas tão diversas quanto o austero e filosófico zen japonês (derivado do chan chinês) e o exuberante e mitológico lamaísmo tibetano. O budismo tem expressão muito reduzida na Índia contemporânea, alcançando apenas 2 por cento da população, mas tornou-se a principal religião do Extremo Oriente, com mais de 250 milhões de adeptos espalhados por países como o Nepal, Tibete, Butão, Sikkim, China, Mongólia, Birmânia, Tailândia. Laos, Kampuchea, Vietnã, Sri Lanka, Coréia e Japão além de provocar interesse cada vez maior no Ocidente. Ao contrário do cristianismo, o budismo não acredita num deus criador: os infinitos universos de sua cosmologia passariam por um processo também infinito de destruição e criação, sem começo nem fim, regido por uma lei eterna. Os seres que povoam cada um desses universos e que podem assumir a forma de animais, homens, deuses, demônios etc.- estariam sujeitos a sucessivos nascimentos e mortes. Não há propriamente uma alma imortal: são as ações, palavras e pensamentos de uma existência que tecem a trama (karma) que determina a existência futura. Esse processo é considerado extremamente doloroso, e escapar dele deve ser o fim visado por todos os seres. Eles têm a oportunidade rara de consegui-lo apenas quando renascem na forma humana e conseguem desapegar-se totalmente do mundo ilusório. Libertar-se é atingir o nirvana, a cessação de todos os desejos, a suprema e eterna paz.
Brasileiro, budista e monge
O maior especialista em budismo no Brasil tem o nome impecavelmente ocidental de Ricardo Mário Gonçalves o que talvez ensine algo sobre a difusão da doutrina budista para além da Ásia e de suas muitas etnias. Mas foi em contato com amigos japoneses em São Paulo que, ainda estudante de ginásio, Ricardo ouviu falar pela primeira vez em Buda. "Decidi então empregar minha vida em descobrir o que era", lembra ele. Depois de freqüentar durante dez anos um templo zen-budista no bairro paulistano da Liberdade, centro da colônia japonesa, foi ao Japão, onde ficou um ano estudando numa escola budista de orientação esotérica. "De volta ao Brasil", conta Ricardo, "percebi que o esoterismo não seria corretamente compreendido aqui, a não ser por uma minoria." Por isso, aproximou-se da Escola da Terra Pura, uma corrente bem mais popular do budismo. Numa segunda viagem ao Japão, em 1981, foi ordenado monge. Cinco anos mais tarde, de novo no Japão, recebeu o título de mestre e a patente de missionário a primeira conferida a um ocidental pelo ramo da Terra Pura. Como monge, poucas coisas distinguem o dia-a-dia de Ricardo do de uma pessoa comum. Casado, divide seu tempo entre a Universidade de São Paulo, onde leciona História, e a atividade num templo budista da zona sul da cidade, onde dirige o setor de pesquisas sobre o budismo. Ali ele reúne os interessados no estudo de textos clássicos indianos, chineses e japoneses. Ricardo edita, enfim, um jornal em português e japonês dirigido à comunidade dos seguidores da corrente da Terra Pura.
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