Quando você vai a uma festa, como age na hora de ir embora: sai à francesa ou se despede dos amigos, um por um? Nas férias, visitando uma cidade pela primeira vez, prefere ter à mão um mapa bem detalhado ou perambular ao acaso? Se um colega é promovido, você comenta "isso é fruto de um esforço planejado" ou pensa "puxa, como ele deve estar contente"? Cada uma das suas respostas revelou algum traço da sua personalidade o seu jeito único e peculiar. "A personalidade já nasce conosco, embora não tenha nada a ver com a herança genética", afirma Denise Ramos, professora de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. "No fundo, é um grande mistério", completa.
Conhecer e aperfeiçoar a própria personalidade se tornou, atualmente, um desafio para quem está iniciando a carreira ou faz planos de desenvolvimento profissional. Na hora da contratação, as empresas já não se preocupam apenas com o que você sabe - elas querem saber quem você é, como se relaciona com o mundo e como reage a situações imprevistas. "Os traços pessoais são relevantes não só para o cumprimento das tarefas, mas também definem o uso que cada um faz das suas experiências", explica a psicóloga Tânia Casado. Em sua tese de doutorado, defendida no ano passado na Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (USP), onde leciona, ela estudou como as empresas podem, por meio da análise dos tipos psicológicos, avaliar o potencial humano de que dispõem e aproveitá-lo de uma maneira eficiente.
Na pesquisa das diferenças individuais, o principal instrumento dos especialistas é a tipologia elaborada pelo psicólogo suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Para Jung, todos os indivíduos podem ser enquadrados em dois tipos de temperamento - os extrovertidos e os introvertidos, conforme a disposição de cada um perante o meio que o cerca. Esses grupos, por sua vez, se subdividem segundo a maneira de captar as informações e de tomar as decisões. São as chamadas funções psíquicas - sensação, intuição, pensamento e sentimento. Todas elas estão presentes em cada indivíduo, em maior ou menor grau, mas apenas uma é a predominante. Nesta reportagem, você terá informações que o ajudarão a identificar o seu tipo de personalidade e até melhorá-la. "Quem conhece os seus pontos fortes e fracos tem condições de desenvolver o que há de positivo no seu tipo e obter uma interação mais satisfatória com o mundo", ensina Tânia Casado.
Com qual deles você se parece?
EXTROVERTIDA-SENTIMENTO
A mais querida das princesas, Diana (1961-1997) tinha um carisma natural que ofuscava a família real inglesa. Em contraste com o marido, Charles, fechado como uma ostra, ela procurava a imprensa para exibir ao mundo o fracasso de seu casamento. Nela, o charme e a beleza se completavam com a preocupação genuína pelos pobres e pelos doentes, aos quais se dedicava.
EXTROVERTIDO-PENSAMENTO
O predomínio da função pensamento no ex- presidente Fernando Henrique Cardoso, manifesta-se não só na brilhante trajetória intelectual, mas também no seu estilo como político. Guiado pela lógica, e não pelas emoções, ele sabe se aproximar de adversários, quando lhe interessa, e tratar com dureza os amigos, se julgar necessário. No temperamento, é um extrovertido. Gosta tanto de uma conversa que às vezes se mete em apuros por conta de frases impensadas.
EXTROVERTIDO-INTUIÇÃO
Mozart (1756-1791) só foi reconhecido como gênio depois de morto - o seu talento estava voltado para o futuro. Afundou-se em dívidas e morreu na miséria. Extrovertido até demais, adorava o ti-ti-ti e os bailes da corte vienense.
INTROVERTIDO-INTUIÇÃO
Fernando Pessoa (1888-1935), o maior poeta moderno português, vivia em seu mundo interior, sem ligar para a opinião dos outros. "Sou coerente apenas na incoerência", dizia. Tímido e solitário, aplacava a angústia com o alcoolismo.
EXTROVERTIDO-SENSAÇÃO
O magistral domínio dos sentidos, a precisão dos chutes e a habilidade para driblar adversários tornaram Pelé, o maior jogador de futebol de todos os tempos. Sua extroversão se manifesta na desenvoltura perante as câmeras e no gesto que ele celebrizou como forma de comemorar os gols o salto e um soco no ar.
INTROVERTIDO-SENTIMENTO
Famoso pela timidez, o cantor e compositor Chico Buarque, resiste aos palcos e raramente menciona assuntos pessoais em suas entrevistas. Seu jeito reservado e meigo arranca suspiros das mulheres e sugere uma vida interior repleta de emoções tão intensas quanto as que ele retrata em suas canções.
INTROVERTIDO-PENSAMENTO
A racionalidade é o arroz-com-feijão do ministro da Fazenda, Pedro Malan, Ele se mostra totalmente à vontade em meio a projeções econômicas, metas, cifras e normas. Mas sua vocação é intelectual, cultivada em mais de vinte anos de produção acadêmica antes de ingressar no governo. Discreto, detesta badalações e só fala à imprensa o indispensável.
INTROVERTIDO-SENSAÇÃO
O presidente cubano Fidel Castro, é um exemplo de que nem todo introvertido é tímido. Embora famoso pelos longos discursos e por monopolizar a palavra em qualquer conversa, nunca diz nada sobre si. Ninguém sabe o que ele pensa e a sua privacidade é um segredo. É apaixonado por esportes e adora discorrer sobre assuntos técnicos em seus míííííínimos detalhes - duas marcas de que tem como função predominante a sensação.
Traços que vêm do berço
Para saber se alguém é extrovertido ou introvertido, bastam alguns minutos de conversa ou, às vezes, nem isso. Extrovertido é quem se expõe. Seu foco de interesse está no mundo exterior. Introvertido é o contrário reservado, voltado para si mesmo. Ninguém escolhe ser uma coisa ou outra. De acordo com a teoria de Jung, ao nascer você já carrega os traços essenciais que o acompanharão o tempo todo. "Alguns bebês passam horas sozinhos no quarto sem chorar", exemplifica Tânia Casado. "Outros só conseguem dormir se alguém estiver do seu lado."
A introversão e a extroversão se manifestam na relação que cada um mantém com os demais. "Para o extrovertido, é uma coisa natural estabelecer uma conversa com alguém que ele nunca viu antes", explica a psicóloga Denise Ramos. "Ele chega tranqüilamente a uma festa onde não conhece ninguém e já vai se apresentando", compara. "O introvertido conversará apenas com os conhecidos e sairá de lá esgotado, pois o contato humano lhe provoca estresse."
Esses dois comportamentos raramente aparecem de uma forma exclusiva, mas se combinam, em porções diferentes. Extroversão demais torna o sujeito um chato insuportável; no extremo oposto, há casos de indivíduos tão retraídos que mal conseguem sair de casa. É preciso cuidado para não confundir timidez com introversão. Muitos introvertidos são loquazes só que evitarão os assuntos que exponham a sua intimidade. "Um sujeito pode trabalhar em uma firma por trinta anos, conversar muito, e os colegas não saberão o nome de sua esposa", exemplifica Tânia Casado. Já os extrovertidos usam a palavra sem medo de se expor. "Muitos deles falam sozinhos no carro enquanto dirigem, pois refletem melhor quando conversam", completa a psicóloga.
Uns se mostram... outros se fecham
Você é um extrovertido se...
...adora ter gente ao seu redor;
...tem facilidade para conversar com desconhecidos;
...detesta almoçar ou jantar sem companhia;
...impacienta-se com trabalhos longos e demorados;
...gosta de explicar o que faz e de relatar detalhes do seu dia-a-dia;
...numa reunião, disputa a palavra e fala pelos cotovelos (às vezes sem pensar).
Você é um introvertido se...
...fica estressado nos compromissos sociais;
...evita o contato direto com quem não conhece;
...sente-se à vontade sozinho em qualquer situação;
...é capaz de trabalhar em um projeto por muito tempo sem interrupção;
...prefere que seu trabalho fale por si mesmo a argumentar em sua defesa;
...numa reunião, prefere ouvir a falar e, às vezes, nem abre a boca.
Identifique-se
O império dos sentidos
Se você...
...tem habilidade para perceber cores, cheiros, detalhes e números;
...interessa-se pelo lado prático das questões;
...prefere confiar naquilo que pode comprovar por si mesmo;
...aceita realisticamente as situações tal como elas se apresentam;
...aprende mais pela própria experiência do que pelos livros;
...tende a repetir soluções prontas em vez de procurar novos caminhos para resolver os problemas...
...você é sensação.
Ouvindo a voz interior
Se você...
...gosta de lidar com conceitos e idéias abstratas;
...tem habilidade para perceber possibilidades futuras;
...tende a ver os problemas de maneira global e se impacienta com os detalhes;
...prefere aprender novos modelos a repetir sempre a mesma coisa;
...confia mais em pressentimentos do que na análise dos fatos;
...faz planos inviáveis e deixa inacabados os projetos que inicia...
...você é intuição.
A razão acima de tudo
Se você...
...decide a partir da lógica e da razão;
...foca sua atenção nas idéias e não nas pessoas que estão por trás delas;
...dá muita importância a saber o que é certo e o que é errado;
...tem facilidade em agir com dureza quando necessário;
...nunca perde de vista as conseqüências de cada ato;
...dá mais valor à justiça do que à generosidade;
...já foi chamado algumas vezes de coração-de-pedra...
...você é pensamento.
O coração fala mais alto
Se você...
...prioriza a emoção ao avaliar as situações e decidir;
...sabe valorizar a opinião alheia;
...presta atenção no estado de ânimo dos amigos, colegas e familiares;
...preocupa-se com o efeito de suas decisões sobre os demais;
...dá mais valor à generosidade do que à justiça;
...está sempre disposto a fazer um elogio;
...sofre na hora de tomar uma atitude que pode desagradar alguém...
...você é sentimento.
Quatro tipos de atitude
Além de esboçar os tipos psicológicos essenciais, Jung procurou outros indicadores de personalidade capazes de ajudar a pôr alguma ordem nas diferenças humanas, aparentemente ilimitadas. Encontrou quatro, que chamou de funções psicológicas sensação, intuição, pensamento e sentimento. O sentido que Jung dá a essas palavras nem sempre corresponde ao seu uso habitual. "Todo mundo sente e pensa, mas alguns prestam mais atenção em seus pensamentos que em seus sentimentos, enquanto outros agem de modo contrário", explica o psicólogo americano David Keirsey, um dos maiores especialistas atuais na tipologia junguiana. "Uns são governados pela cabeça; outros, pelo coração."
Da mesma maneira, há indivíduos cujo foco está sempre voltado para as informações obtidas pelos órgãos dos sentidos - os olhos, os ouvidos, a pele. Sua função predominante é, portanto, a sensação. Já os intuitivos têm como referência a sua própria mente e agem como se escutassem uma espécie de voz interior. Preocupam-se mais com o futuro do que com o presente; vêem a floresta, não cada uma das árvores.
As funções, segundo Jung, atuam em pares opostos, formando um conjunto comparável aos quatro pontos cardeais: sensação-intuição, pensamento-sentimento. Todo mundo possui as quatro funções. Mas sua importância varia de acordo com cada indivíduo. Em você, uma delas é a dominante e, por isso, vive em conflito com a função oposta no mesmo par. As duas funções remanescentes ou seja, o outro par participam da sua personalidade no papel de auxiliares. Combinando a extroversão e a introversão com essas quatro funções, Jung chegou a oito tipos psicológicos fundamentais. Para saber em qual deles vocês se encaixa, leia abaixo.
Respeite o seu tipo
Agora que você já conhece os principais tipos psicológicos, pode aprender a tirar proveito daquilo que a sua própria personalidade lhe oferece de melhor. Outra vantagem é a de poder identificar seus pontos fracos. Você ainda será capaz de entender melhor os demais indivíduos e, até, de prever o seu comportamento. "Ninguém precisa ser um gênio. Um Einstein todos os dias, dependendo do tipo da empresa, até atrapalha", brinca Ana Cristina Limongi França, professora de Recursos Humanos da Faculdade de Economia e Administração da USP.
A lição número 1, de acordo com os adeptos da idéias de Jung, é respeitar a sua própria natureza. Você não deve se forçar a exercer um tipo que contrarie a sua inclinação original. "Um homem magro com 1,5 metro poderá facilmente se tornar um jóquei, mas jamais será um bom jogador de basquete", exemplifica a psicóloga Tânia Casado. Ela sugere que, no campo profissional, cada um procure escolher as atividades que possa exercer com mais competência e os lugares que possibilitem isso.
Mas você pode fazer mais do que aproveitar a sua maneira de ser - pode melhorá-la. Cada indivíduo deve desenvolver três das quatro funções da personalidade, de acordo com Denise Ramos. "Quem se limita a apenas uma faceta da mente se torna uma pessoa unilateral", diz. O teórico Jung, um grande intuitivo, cortava lenha, lidava com argila, trabalhava muito com as mãos para, justamente, desenvolver a sua sensação.
Como aproveitar bem... a sua personalidade
Cabeça fria, coração quente
O fato de alguém viver sob a hegemonia da função pensamento não é suficiente para que suas decisões sejam sempre as melhores. Se for introvertido, terá a tendência de se ligar profundamente ao mundo das idéias, esquecendo-se dos outros. Se pender para a extroversão, não perderá nenhuma chance de provar suas idéias. Em ambos os casos, precisa prestar atenção à platéia, que pode estar dormindo ou ressentida de tanto brilhantismo. Uma atitude sensata é começar a dizer aos outros aquilo de que está gostando, e não apenas o que deve ser corrigido. Os resultados serão gratificantes, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Os extrovertidos com a função pensamento podem ter vocação para a política e a administração de empresas. Os introvertidos dão bons arquitetos, auditores, filósofos, farmacêuticos e advogados.
Pé na terra, com imaginação
Se você tem a função predominante sensação, deve tomar cuidado para que o seu jeito "pé na terra" não o torne um sujeito sem imaginação, minucioso em excesso e incapaz de enxergar além da realidade imediata. Para compensar a deficiência no lado intuitivo, deve reforçar a função auxiliar pensamento. O sentimento, se for desenvolvido adequadamente, também o ajudará a enxergar além das aparências. No campo profissional, você tende a ter facilidade em tudo o que for relacionado com os detalhes e com a organização dos espaço. Os cirurgiões bem-sucedidos usam muito a sensação extrovertida, assim como os engenheiros, os treinadores esportivos e os repórteres. Já o artesanato é uma atividade que exige o talento típico dos introvertidos-sensacão. Outras boas opções de carreira são as de técnico de computador e de pesquisador em laboratório.
Empatia sem ingenuidade
Quem prioriza o sentimento fica exposto ao perigo de idealizar demais as pessoas, causas ou instituições que admira, pois concentra sua atenção nos aspectos mais positivos delas e fecha os olhos aos seus defeitos. Se você é assim, procure valorizar a função pensamento, que poderá torná-lo mais precavido. Profissionalmente, os indivíduos desse grupo costumam ter sucesso nas carreiras que requerem uma capacidade aguçada de entender os sentimentos dos outros - um dos componentes da chamada inteligência emocional. Os extrovertidos são excelentes vendedores, atores e psicólogos, entre outras profissões. Os introvertidos, mais à vontade em áreas onde não é preciso demonstrar grandes afetos, podem ser bons escritores, decoradores e artistas plásticos, se fizerem um esforço para se comunicar.
Parabólicas bem reguladas
Os grandes empreendedores têm como ponto forte a intuição. É uma pena que nem sempre tenham paciência para esperar que os seus projetos dêem frutos. Freqüentemente são desorganizados, esquecem-se de pagar as contas, desprezam os detalhes e, com os olhos fixos no futuro, subestimam os obstáculos do presente. Em geral, não têm talento para administrar os negócios que eles mesmos inventam. O melhor meio de compensar suas deficiências é associar-se com parceiros mais realistas, com a função predominante sensação. Os intuitivos extrovertidos costumam ter sucesso nas áreas que dependam de captar as tendências de comportamento, como a publicidade e a moda. Já os introvertidos, quando seguem a carreira de cientista, tendem a se destacar com invenções e descobertas (Albert Einstein era um deles). Também costumam se dar bem nas áreas onde a criatividade é essencial.
Encarando a "sombra"
Da próxima vez que você deparar com um colega que encara o mundo e se comporta de uma maneira totalmente diferente da sua, não se irrite. Em vez disso, pergunte-se se ele não pode se tornar um bom parceiro nos seus projetos. Para os psicólogos junguianos, aliança entre pares opostos é uma estratégia inteligente, pois possibilita somar os pontos fortes de cada tipo. "Um engenheiro que é muito intuitivo mas não consegue prestar atenção nos detalhes deve, na hora de montar um escritório, procurar ter como sócio um profissional que tenha a função sensação bem desenvolvida", recomenda Denise Ramos.
No seu cotidiano, você não precisa se preocupar com aquilo que já se manifesta espontaneamente. O importante é valorizar as potencialidades que estão atrofiadas pela sua função predominante. Esse conselho tem como alicerce o conceito junguiano de "sombra" - ou seja, o lado "escuro" da mente, moradia do inconsciente. Lá estariam guardados os instintos animais que o homem herdou de espécies mais primitivas na evolução e também as funções menos utilizadas da personalidade.
"Para sermos criativos, é preciso trazer à tona a nossa função inferior", diz Tânia Casado (veja o quadro ao lado). O ideal, para ela, seria que cada indivíduo fosse capaz de usar igualmente todos os seus quatro "pontos cardeais" (sensação, intuição, pensamento e sentimento). Assim seria possível desenvolver plenamente o potencial humano e reconhecer a realidade sob todos os aspectos possíveis. Está aí um belo desafio para o próximo milênio.
Para saber mais
Tipos Psicológicos - Carl Gustav Jung, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1992.
A Tipologia de Jung - Marie-Louise von Franz e James Hillman, Cultrix, São Paulo,1990.
Site do psicólogo americano David Keirsey: http://www.keirsey.com/
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