NOVA ESCOLA: O senhor defende que a escola pratique justiça, tolerância, eqüidade e generosidade em vez de apenas propagar esses princípios. Como fazer para que isso aconteça?
Claudio de Moura Castro: Eu acredito que a saúde institucional de uma escola depende de sua capacidade de transmitir boas mensagens de cidadania. Seja pública ou privada, a escola que atingir um nível de dignidade, seriedade e competência terá dado um passo à frente na tarefa de desenvolver cidadania. Mas esse primeiro passo é pouco. Há muito mais a fazer. A escola tem de usar, deliberadamente, todas as oportunidades para transmitir boas mensagens. E a mensagem será mais bem transmitida quanto mais naturalmente estiver
embutida na atividade.
NE: A escola brasileira está dando conta da tarefa de ensinar/praticar cidadania?
Moura Castro: Muitas escolas estão indo razoavelmente bem nessa tarefa, outras são péssimas. Há mais escolas privadas atingindo bom nível, mas isso não significa que as públicas sejam uma sucata institucional. Várias delas têm cumprido esse papel com qualidade.
NE: Existem escolas que promovem o trabalho comunitário e visitas a prisões, asilos e orfanatos, como forma de incentivar os alunos a lidar com problemas sociais. Não é um contra-senso montar um sistema educacional em que as diferentes camadas da sociedade fiquem tão distanciadas que seja preciso inventar estratégias desse tipo para aproximá-las?
Moura Castro: A distância social não foi criada pela escola. Os administradores escolares não podem mudar a sociedade, embora a boa educação, a longo prazo, possa fazê-lo. A escola, pela necessidade de criar um ambiente de uso exclusivo, não pode estar metida demais na comunidade. Isso tiraria o foco do processo de ensino. Ela deve fazer o que está a seu alcance e não gastar energia com sonhos irrealistas, como fizemos até
recentemente. Tampouco deve perder oportunidades para explorar seu entorno como ensejo para lições importantes. Trabalho comunitário, bem conduzido, é uma excelente forma de confrontar o aluno com o mundo real e levá-lo a refletir. Mas, sempre é bom lembrar, o que dá riqueza ao trabalho comunitário não é o sacrifício ou o ato físico realizado, mas a reflexão que acompanha esse processo.
NE: Como o professor deve ensinar cidadania e respeito no país do "tchan"?
Moura Castro: Estou encalhado com esse dilema. O Brasil é assim mesmo: o país onde todos querem ser respeitados, mas poucos são capazes de ações básicas como chegar aos compromissos na hora marcada. Para resolver a questão pensamos sempre na moral rígida meio protestante, meio careta. Mas será que para ser uma nação civilizada temos de nos transformar em protestantes rígidos? Acho que não. Um bom exemplo disso, na minha opinião, é a Itália. Apesar de ser um dos países mais ricos do mundo, ela convive com focos de bagunça e desorganização. Para nós, uma possível fórmula é definir as regras básicas da convivência funcional e descobrir até onde elas podem se adaptar aos nossos atavismos de sem-vergonhice, mau-caratismo e bom coração.
NE: Existe uma compreensão de que formar trabalhadores mais capacitados e educar para a cidadania sejam objetivos dissociados. Esse dilema é verdadeiro?
Moura Castro: De forma nenhuma. Já se foi o tempo em que trabalhador capacitado era aquele que sabia apenas manusear primorosamente a ferramenta e mais nada em uma linha de montagem burra. Hoje, o mercado de trabalho exige mais confiabilidade do que destreza. Mais visão de conjunto do que força física. O processo de trabalho ficou mais complexo e as interações humanas, muito menos lineares e autoritárias. Ao
formar trabalhadores, o sistema de ensino não deve nunca deixar a cidadania de lado para privilegiar aspectos técnicos.
NE: Um recurso importante para a capacitação de trabalhadores é a educação a distância. O senhor é fã dos cursos por correspondência porque já fez vários deles. Esse tipo de curso funciona?
Moura Castro: Quando tinha 15 anos e morava em Itabirito (a 55 quilômetros de Belo Horizonte), fiz um curso de técnico de rádio do Instituto Monitor. Ao contrário do que se pode imaginar, o programa era bem-feito, com muitos exercícios práticos. Aprendi a consertar e a montar rádios. Em uma pesquisa que realizei na década de 70, verifiquei que nos cursos por correspondência a proporção de pobres era igual à do conjunto da sociedade brasileira. Ou seja, era a modalidade mais democrática de educação do país. Não há dúvida de que o isolamento do aluno e a grande necessidade de autodisciplina são fatores que limitam o sucesso do ensino a distância.Nem todos se dão bem sem a presença física e o apoio do professor que é fundamental e insubstituível ou a rotina criada pelo grupo de alunos.
NE: Quais são as competências básicas para o professor do Ensino Fundamental no Brasil do ano 2000?
Moura Castro: Em primeiro lugar, o professor precisa conhecer bem a matéria que vai ensinar. Com o atual sistema isso nem sempre acontece. Em segundo lugar, é essencial saber manobrar a sala de aula. Isso é bem diferente de conhecer teorias de Piaget (o pesquisador suíço Jean Piaget, 1896-1980) ou Vigotsky (o educador russo Lev Semenovich Vigotsky, 1896-1934). Para conduzir uma turma de alunos, há uma "teoria da prática"
que não se aprende em livros, só em ação.
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