Quando o velejador Lars Grael, medalhista brasileiro em duas Olimpíadas, teve a perna direita decepada num acidente em setembro de 1998, todos davam a sua carreira como encerrada. Sete meses depois, voltou às regatas, usando uma prótese. "Minhas limitações hoje são muito maiores, mas a garra e a vontade de vencer são mais fortes do que elas", disse Grael à EMOÇÃO.
O administrador de empresas José Augusto Minarelli, de São Paulo, enfrentou um desastre de outro tipo. Em 1979, ao voltar das férias, foi demitido do alto cargo que exercia numa firma importante. Ficou três anos desempregado. Chegou a quebrar o cofrinho do filho para pagar os trajetos de ônibus. Hoje, Minarelli tem uma empresa especializada em conseguir trabalho para executivos, com clientes no país inteiro. "De desemprego eu entendo", sorri.
Há um ponto comum entre esses dois sobreviventes. Ambos possuem uma generosa reserva de auto-estima. Na hora do naufrágio, eles se agarraram a uma certeza firmemente ancorada no fundo de si mesmos: "Não importa o que aconteça, eu sou muito valioso para mim". É essa idéia que faz a diferença entre o sujeito que vai à luta para se reerguer e o que se entrega ao desânimo ou ao excesso de álcool, tornando ainda pior a sua situação. "De todos os julgamentos, o mais importante é o que fazemos sobre nós mesmos", ensina o psicólogo americano Nathaniel Branden, que se dedica ao tema da auto-estima. Segundo ele, quase todos os problemas psicológicos da ansiedade à auto-sabotagem no trabalho e no amor, do medo da intimidade à escravidão das drogas têm sua raiz no amor insuficiente do indivíduo por si mesmo. A auto-estima influencia tudo o que você faz, desde os atos mais banais, como barganhar o preço do tomate com o feirante, até a opção entre permanecer num emprego seguro mas sem perspectivas ou montar seu próprio negócio. Quem se ama deseja e sabe que merece o melhor para si.
Não se trata só de ser feliz. Para muita gente, a auto-estima é uma questão de sobrevivência, diante de um mercado de trabalho que exige dos profissionais não apenas competência técnica, mas iniciativa e a coragem de correr riscos. Uma prova da atualidade do assunto é o sucesso do livro lançado em 1999 na França pelos psiquiatras Christophe André e François Lelord. O livro (A Auto-Estima - Amar a Si Mesmo Para Conviver Melhor com os Outros, ainda inédito no Brasil) está há dez meses na lista dos mais vendidos. "O livro toca, ao mesmo tempo, algo de muito íntimo e muito universal", disse André à EMOÇÃO.
Narcisismo original
Para avaliar a importância da auto-estima, compare a trajetória recente de dois jogadores de futebol: o brasileiro Ronaldinho e o argentino Palermo. Ronaldinho nunca mais foi o mesmo desde o vexame na final da Copa do Mundo de 1998, na França, quando "amarelou" aos olhos do mundo inteiro. Palermo virou motivo de piada na Copa América, no ano passado, ao perder três pênaltis na mesma partida. Você sabe o que aconteceu com ele? Continuou cobrando pênaltis para a seleção argentina e fazendo muitos gols.
Talvez a diferença entre os dois artilheiros esteja na maneira como o fracasso eventual os afeta. "Nem sempre os indivíduos com a auto-estima elevada conseguem sucesso em seus empreendimentos", escreve o americano Nathaniel Branden. "Mas as suas derrotas, por mais graves que sejam, são um fato exterior a eles próprios." Numa pessoa com baixa auto-estima, segundo Branden, ocorre o oposto. "Quando algo não dá certo, o indivíduo se identifica com a própria derrota", explica. O insucesso, portanto, serve como uma confirmação de que ele é, essencialmente, um fracassado.
O primeiro a apontar o amor-próprio como uma pré-condição para uma existência satisfatória foi o psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1938), o fundador da Psicanálise, que o chamou de narcisismo. A palavra pode dar margem a um interpretação errada, já que se tornou sinônimo de egocentrismo, vaidade exagerada. No sentido freudiano, ela significa aceitação incondicional de si mesmo. Não importam as vitórias e os reveses, a riqueza, os dotes físicos ou intelectuais, as conquistas amorosas, o sujeito portador de um saudável narcisismo se ama e pronto. É "uma boa mãe para si mesmo", como definiu o psiquiatra francês Christophe André à EMOÇÃO.
Até hoje, os estudiosos da alma humana penam para explicar a auto-estima. Branden escreveu que ela é "o que sentimos a nosso respeito quando nada vai bem". André a comparou à inteligência. "A gente não consegue entendê-la direito, mas distingue-se facilmente quem a tem de quem não a tem", disse ele. No ambiente de trabalho, por exemplo, a diferença é gritante. "Por medo do fracasso", acrescenta o francês, "os funcionários com auto-estima deficiente se acomodam em postos abaixo da sua real qualificação."
Há também aqueles que, com medo da rejeição no convívio social e nas relações amorosas, se tornam workaholics, viciados em trabalho, como uma forma de compensar a falta de sucesso em outras áreas. Branden alerta contra essa armadilha. "A atividade produtiva é, certamente, um valor a ser admirado", diz. "Mas quem tenta compensar a auto-estima insuficiente com o trabalho excessivo acaba por enredar-se num círculo sem fim. Por mais que se esforce, sempre achará que ainda precisa trabalhar mais."
A infância é decisiva
Os alicerces da nossa auto-estima são lançados muito cedo, logo no início da infância. O ponto de partida são atitudes aparentemente insignificantes por exemplo, uma mãe que sabe sorrir para o filho quando ele requisita o seu olhar. A partir de que idade é possível falar na existência da auto-estima? Ninguém tem certeza. Os psicólogos acreditam que a presença constante de rostos adultos com expressão amável e interessada é importante para que o bebê aprenda, pouco a pouco, a gostar de si mesmo. Mas não há estudos conclusivos que permitam falar na existência de auto-estima antes dos 2 ou 3 anos. É nessa idade que a criança começa a se perguntar sobre sua aparência física. Ela quer saber se os outros a acham bonita. Muito do seu futuro amor-próprio dependerá, então, da reação dos adultos que conviverem com ela. "Geralmente as pessoas dotadas de uma auto-estima sólida foram beneficiadas na infância pelo amor incondicional dos pais", escreveram André e Lelord no best-seller publicado na França.
A chave da auto-estima infantil está nesta palavra: incondicional. Os pais, enfatizam os dois psicólogos, não podem dosar seu afeto a partir de critérios como o desempenho escolar, a habilidade de comer sem se lambuzar ou a disposição da criança para fazer o papel de "boazinha" diante dos adultos. É claro que é necessário impor limites, atitude fundamental na educação, mas sem excessos. "Humilhações e castigos descabidos tendem a gerar crianças inseguras e com um forte sentimento de vergonha e de culpa", alerta a psicóloga Janice Vitola, professora da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. O extremo oposto, a superproteção, também deve ser evitado, segundo Janice, já que transmite uma mensagem de incapacidade e desvalorização.
Cultivado na infância, o amor por si mesmo sofre flutuações ao longo da existência. É claro que bases sólidas na fase inicial facilitam tudo, mas os acontecimentos posteriores ou seja, o sucesso ou não nas relações amorosas, na amizade e no trabalho também influenciam, e muito. "A auto-estima", afirma o psicanalista Fernando Teixeira, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp), "é o resultado do conjunto das nossas relações sociais." Moral da história: se você teve uma infância complicada, isso não é motivo para achar que a sua baixa auto-estima é um destino imutável. André e Lelord contam, no livro, que já encontraram - em geral fora dos consultórios - adultos que, apesar de um "mau começo", foram capazes de construir um amor-próprio sólido. "De qualquer maneira", concluem, "para compreender a auto-estima de um adulto é necessário se debruçar sobre a criança que ele foi."
Rejeitar-se é doença
Antes de se tornar co-autor de um livro sobre auto-estima, o psiquiatra francês Christophe André atendeu durante anos portadores de distúrbios como a depressão, a anorexia, a fobia social (timidez excessiva) e a distimia. "Eu não conseguia curar determinados pacientes, embora o tratamento deles fosse igual ao dos demais", conta. "Percebi que a fonte do sofrimento estava na falta de afeto por si mesmos." André pesquisou o assunto e demonstrou que a auto-estima pode agravar ou amenizar as doenças da alma. "Ela é um fator de proteção muito poderoso", diz. "Nenhuma terapia pode depender 100% da auto-estima, mas, quanto mais se investir no seu fortalecimento, menor será o risco de uma recaída."
Não é por acaso que, entre os distúrbios psicológicos, os que mais têm crescido são aqueles que envolvem a aparência física um dos pilares da auto-estima. Os psicólogos associam esse fenômeno aos ideais de beleza feminina e masculina martelados dia e noite pelos meios de comunicação. "A pessoa com baixa auto-estima sente necessidade de agradar aos outros", analisa a psicóloga carioca Mônica Duchesne, terapeuta da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade.
Um caso típico é o de um paciente que está sendo atendido por Maria das Graças Oliveira, coordenadora do Programa de Doenças Afetivas do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). "Ele se acha gordo demais e não acredita na possibilidade de ser atraente", diz a psiquiatra. "Então só procura mulheres que acha feias, na crença de que isso facilitará a abordagem." Nos últimos anos, os profissionais de saúde têm percebido que a ligação entre os males da baixa auto-estima e os distúrbios do comportamento é muito maior do que se imaginava. Por que será que alguns experimentam drogas ou até se tornam consumidores eventuais sem alterar por isso o rumo das suas vidas, enquanto outros se deixam dominar completamente por essas substâncias? Christophe André cita um trecho do livro O Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), no qual o protagonista encontra um planeta cujo único habitante é um bêbado:
- O que você faz aqui? - pergunta o pequeno príncipe.
- Eu bebo.
- Por que você bebe? - insiste.
- Para esquecer - diz o bêbado.
- Esquecer o quê?
- Esquecer a minha vergonha - diz, cabisbaixo.
- Vergonha de quê? - insiste, uma vez mais, o principezinho.
- Vergonha de beber!
"O álcool é uma das maiores tentações para quem tem uma auto-estima vulnerável", afirma o psiquiatra. Na Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (Uniad), um centro de recuperação de dependentes mantido pela Unifesp, grande parte da aposta dos terapeutas está no amor-próprio dos pacientes. "Nós tentamos o tempo todo convencê-los de que são fortes o suficiente para controlar a vontade de beber", diz a psicóloga Neliana Buzi Figlie, coordenadora do Uniad. "Quando a auto-estima é muito baixa, é difícil que eles acreditem na terapia", completa. Ficam como o bêbado de O Pequeno Príncipe.
Os psicólogos que estudam a auto-estima receiam que a rápida popularização dessa idéia dê margem a mal-entendidos. "O amor por si mesmo é incompatível com as fantasias de superioridade ou com a tendência de exagerar as próprias realizações", alerta Branden. Os psiquiatras franceses André e Lelord chegam a recomendar "uma saudável dúvida acerca de si mesmo" como um traço de lucidez. "Só os megalomaníacos se acreditam perfeitos", escreveram. A autoconfiança não resolve tudo é importante que ela tenha raízes na realidade, ou seja, nas possibilidades efetivas do indivíduo. Super-heróis só existem nas histórias em quadrinhos. Para evitar enganos, leia na próxima página um roteiro com sugestões para melhorar a sua auto-estima e faça um teste para avaliar a quantas anda o caso de amor mais importante de sua vida o único em que não dá para se separar do parceiro.
Para saber mais
Auto-Estima e os Seus Seis Pilares, Nathaniel Branden, Editora Saraiva, São Paulo, 1998
L´Estime de Soi - S´Aimer Pour Mieux Vivre avec les Autres, Éditions Odile Jacob, Paris, 1999. (http://www.odilejacob.fr)
O mapa da auto-estima
Ela está presente em tudo o que você faz. De acordo com os psiquiatras franceses Christophe André e François Lelord, a auto-estima se compõe de três ingredientes que se manifestam em doses diferentes.
Como está o seu amor-próprio?
O amor por si mesmo é o alicerce da auto-estima. Significa você se amar de modo incondicional, com todos os seus defeitos e as suas qualidades. Mesmo que seus projetos fracassem, uma voz interior dirá que você é digno de amor e de respeito. Com isso, você conseguirá enfrentar a adversidade e se erguer do tombo.
Como você se vê?
Na auto-imagem, o que conta é a avaliação que você faz dos seus atributos - sua inteligência, sua beleza, seu talento. Se você menospreza a sua própria capacidade, acabará desperdiçando chances preciosas de se realizar e de ser feliz.
Você confia no seu taco?
A autoconfiança é o que lhe dá coragem para agir em situações novas. Depende, em grande parte, da atitude dos seus pais quando você era pequeno: eles acreditavam na sua capacidade? A falta de segurança se manifesta na timidez, na hesitação e no medo do desconhecido.
Receita de dom-juan
Nada sofre tanta influência da auto-estima quanto o jogo da sedução. A conquista de um parceiro provoca euforia. Já a rejeição atira no fundo do poço o amor-próprio de qualquer um. Na década de 60, psicólogos americanos fizeram duas experiências para checar se, a partir do nível de auto-estima, seria possível prever os comportamentos de sedução. Em uma delas, estudantes do sexo masculino foram submetidos a um teste de inteligência. O teste era falso, com notas distribuídas ao acaso - metade dos alunos recebeu uma avaliação baixíssima, enquanto a outra metade teve o desempenho supervalorizado. Depois, usando um pretexto, os pesquisadores fizeram com que eles se encontrassem com um grupo de garotas na lanchonete da faculdade. Elas eram, na verdade, cúmplices da experiência e estavam monitorando os atos de sedução praticados pelos rapazes, como oferecer um café ou perguntar o número do telefone. Os alunos que tinham recebido notas altas eram os que mais paqueravam as moças, enquanto os que se saíram mal no "teste" ficavam mais quieitinhos. Conclusão: a auto-estima elevada desperta o dom-juan que mora dentro de cada homem. A outra pesquisa, dessa vez com moças, mostrou um resultado um pouco diferente: quanto mais elas se sentem desvalorizadas, mais se tornam receptivas à abordagem masculina. E vice-versa. O nível de exigência da mulheres na escolha do parceiro aumenta junto com a sua auto-estima.
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