1 | INTRODUÇÃO |
Filosofia do tempo, visão das respostas
dadas pelos filósofos ao problema da sucessão temporal, ao do contraste entre o
que passa e muda e o eterno, imóvel e permanente. Se trata da necessidade de
explicar ou resolver problemas comuns a diferentes épocas: a fugacidade da vida,
o caráter inevitável da morte, o mistério mesmo da condição do homem enfrentado
à sua finitude. Essas respostas incluem aspectos que afetam também o pensamento
científico e o campo da criação poética, entendendo que as verdades do
raciocínio filosófico se completam, coincidem ou se enriquecem com as pesquisas
da ciência e as elaboradas intuições da literatura.
2 | TEMPO E LITERATURA |
Um dos testemunhos que tem impregnado o pensamento e a criação através
dos séculos, além da interpretação religiosa, é o texto do Eclesiastes
(3, 1-8), que diz: “Todas as coisas têm seu tempo, e todas elas passam
debaixo do céu segundo o termo que a cada uma foi prescrito. Há tempo de nascer,
e tempo de morrer. Há tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou. Há
tempo de matar, e tempo de sarar. Há tempo de destruir, e tempo de edificar. Há
tempo de chorar, e tempo de rir. Há tempo de se afligir, e tempo de saltar de
gosto. Há tempo de espalhar pedras, e tempo de as ajuntar. Há tempo de dar
abraços, e tempo de se pôr longe deles. Há tempo de adquirir, e tempo de perder.
Há tempo de aguardar, e tempo de lançar fora. Há tempo de rasgar, e tempo de
coser. Há tempo de calar, e tempo de falar. Há tempo de amor, e tempo de ódio.
Há tempo de guerra, e tempo de paz”. A concepção do tempo que surge do texto —
já que, aliás, não há nada novo sob o sol — é a do retorno cíclico, a
alternância do bom e do mau, da felicidade e da desgraça.
A figura de Cronos, da mitologia grega, também pertence a esse depósito
de imagens que perduram na representação literária ou iconográfica. Segundo
Hesíodo, Cronos castrou seu padre Urano e, do sangue deste, mesclado com o
esperma que caiu no mar, nasceu Afrodite, a deusa do amor. O tempo implica a
cronologia e, com ela, faz surgir o amor, sujeito a mudanças. Muitas mitologias,
pretendendo explicar a evolução das épocas (ver Periodização), coincidem
em reconhecer a sucessão de diferentes idades — às vezes separadas por dilúvios
ou catástrofes —, que retornam ciclicamente (ver Mitologia asteca). São,
enfim, formas de explicar a decadência das sociedades e a recuperação de um
passado feliz.
Além das fontes mitológico-poéticas, muitos escritores têm refletido
sobre o tempo e a fugacidade da vida. O carpe diem do poeta latino
Horácio era a exortação para desfrutar do momento, entendendo que tudo passa,
tudo é efêmero. A imagem do rio como uma fonte longínqua e obscura que,
eventualmente, deságua em um vasto oceano, obtém sua expressão poética nas
Coplas de Jorge Manrique, escritas em homenagem à morte de seu pai:
“nossas vidas são os rios/que vão dar no mar/que é o morrer”.
Um recurso habitual dos narradores de ficção científica é fazer seus
personagens moverem-se para o passado ou para o futuro. Alguém entra em uma
máquina do tempo (ver Herbert George Wells) e, então, é cercado de
eventos e coisas que já aconteceram ou que, no campo da conjetura, acontecerão.
Ciberiada, de Stanislaw Lem, é outro exemplo de viagem pelo tempo. As
ficções de Jorge Luis Borges propõem como recurso o anacronismo, que permite,
mais do que transitar, unir em um mesmo momento fatos de diferentes épocas,
quebrando a rigidez da cronologia e, portanto, sugerindo uma superação do limite
que fixam as datas. Se a arte, como dizia Leonardo, é “coisa mental”, as
aventuras no túnel do tempo fazem parte da odisséia literária. Em grande medida,
as experiências das vanguardas do século XX se propunham destruir as convenções
estéticas, mas também a rigidez das lógicas horárias. Na adesão inicial do
surrealismo, por exemplo, ao marxismo, subjazia essa intenção. Além disso, a
influência dos movimentos revolucionários introduz nas consciências, sem dúvida,
a possibilidade de transtornar as seqüências temporais conhecidas, identificadas
com a ordem social dominante.
Proust, autor de Em busca do tempo perdido, resulta emblemático
da preocupação de muitos escritores do século XX com o tempo. Machado de Assis
introduziu no romance brasileiro os devaneios de um personagem, Brás Cubas, que
faz “memória” depois de morto. Samuel Beckett, em Esperando Godot,
apresenta dois personagens que passam o tempo (nos dois atos da peça) sem saber
que fazer enquanto Godot não chega. Com todos os ingredientes cômicos do teatro
do absurdo, Beckett consegue representar a tragédia da inação frente ao tempo
que passa. Os objetivistas franceses, como Alain Robbe-Grillet e Michel Butor,
fizeram da busca do tempo perdido um leit motiv. No cinema, a obra de
Alain Resnais é também significativa.
3 | TEMPO E FILOSOFIA |
1 | Os filósofos gregos |
Na filosofia grega, os dois pensadores mais importantes, inclusive como
exemplos de duas posições antagônicas, foram Heráclito e Parmênides. O primeiro
teve consciência do constante dinamismo e mutação das coisas. Sua frase pânta
rei (tudo flui) transformou-se na melhor síntese do seu pensamento. Segundo
Aécio (século II), Heráclito retirou do universo a tranqüilidade e a
estabilidade, pois isso é próprio dos mortos, e atribuiu movimento a todos os
seres, “eterno aos eternos, perecível aos perecíveis”. Se nada permanece imóvel,
os seres são semelhantes à corrente de um rio. A idéia de que o mundo está
governado pela luta (“a guerra é mãe e rainha de todas as coisas”) fixou as
bases da dialética de Hegel e de Marx. Ninguém poderá “se banhar duas vezes no
mesmo rio”.
Parmênides opõe o tempo à eternidade e imutabilidade do ser. Recorrendo
a uma tautologia (o ser é, o não ser não é), Parmênides identifica o tempo, por
ser mutável, com o não ser, só reconhecendo validez ao eterno. Para Platão,
sobretudo no diálogo chamado Timeu, o tempo é “imagem móvel da
eternidade” que se desenvolve — continuando o pensamento pitagórico — segundo o
número. Essa imagem é o céu, que com seus astros oferece a medida do devir
temporal: “era”, “será”, “é”. O “é” ou instante é a dimensão autêntica, porque
nele se conjugam o tempo e a eternidade. Sendo o mundo visível ou sensível uma
copia do mundo invisível ou inteligível, o tempo imita a eternidade e, como os
astros no céu, se move com relação ao número (rhythmós e arithmós,
ritmo e número).
2 | Santo Agostinho |
Santo Agostinho reflexionou sobre o assunto
em Confissões. Sua contribuição é muito importante por insistir na idéia
da mudança constante do tempo. O tempo está contido na alma e, se o passado já
não é e o futuro ainda não é, o único que existe é o presente: um presente do
passado (a memória); um presente do futuro (a espera) e o presente do presente,
apenas um instante, que a atenção capta no seu caminho rumo ao não ser. Porque o
tempo, finalmente, é caminho em direção ao não ser. Também em De civitate
Dei, Santo Agostinho reflexiona sobre o tempo e
introduz a noção dominante no cristianismo de que a história do mundo (cópia da
eternidade) seria a passagem da queda de Adão ao reencontro com Deus que é,
enfim, a verdadeira origem do homem. A história, segundo o cristianismo, é o
retorno à origem e, portanto, recuperação da queda, salvação. Nesta filosofia,
perdura a diferença platônica entre o mundo sensível, o mundo das coisas
perecedouras, e o inteligível, reino eterno da verdade imutável, divina.
4 | TEMPO, CIÊNCIA E FILOSOFIA |
A partir do Renascimento, apareceu a nova concepção científica do
tempo, baseada na mecânica de Galileu, que considera o tempo como uma série
idealmente reversível de instantes homogêneos. Essa série permite a redução do
movimento a leis matemáticas e a aplicação do cálculo infinitesimal. Newton
falou do tempo absoluto e do tempo cósmico. Os empiristas — Locke, Berkeley,
Hume — criticaram, em Newton, a idéia do caráter psicológico da temporalidade e
o tempo físico visto como pura abstração. Leibniz, também contrário a Newton,
considerou que o tempo implica “uma ordem de existências sucessivas”, algo ideal
e não real. Kant sustentou que o tempo constitui a forma a priori da
intuição empírica, ou seja, o fundamento da objetividade do conhecimento.
No século XIX, com a descoberta da irreversibilidade dos fenômenos
termodinâmicos, se produziu uma ruptura com a mecânica clássica. Os instantes
temporais não são homogêneos: cada instante é heterogêneo com relação ao
anterior e a série não pode ser invertida. Outros estudiosos também contribuíram
ao abandono da concepção clássica. Minkowski considerou que tempo e espaço se
unificavam num contínuo quadridimensional Einstein, com a teoria da
relatividade, também adotou a tese da unidade espaço-tempo. Para Henri Bergson,
pelo contrário, o tempo é um fato real em perpétuo movimento, algo que “come as
coisas e deixa nelas a marca de seus dentes”. Foi um crítico convicto do tempo
“espacializado” da física. Denominou de duração a experiência interior do tempo,
que não pode ser submetida a medidas externas.
Para Heidegger, muitos de cujos conceitos foram desenvolvidos também
por Jean-Paul Sartre e os filósofos existencialistas, o tempo é condição da
existência entendida como projeto e como decisão antecipadora. Considera, além
disso, que a vida do homem é definida por seu “ser para a morte”.
Com a elaboração da filosofia do materialismo dialético, Marx e
Engels, se baseando nas idéias de Hegel, introduziram um conceito do tempo onde
o filosófico se une ao sociológico e ao histórico. A preocupação não é
estritamente definir o tempo, mas chegar a uma compreensão rigorosa das leis que
governam as mudanças sociais e, portanto, conhecendo essas leis, procurar os
meios para transformar o mundo. A filosofia recupera, assim, sua conexão com a
ciência e com a poesia. O poeta Arthur Rimbaud tinha lançado a exortação de
“transformar a vida”. Tanto a frase de Marx como a de Rimbaud perduraram durante
várias décadas do século XX (por exemplo, o Maio de 1968) como uma incitação a
construir a utopia revolucionária no tempo concreto e fugaz da existência
humana.
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